O líder de um partido historicamente ligado a Charles de Gaulle, que liderou a resistência contra os nazistas, anuncia apoio ao grupo oriundo do regime nazista na França. Militantes brasileiros que ostentam a bandeira de Israel festejam a vitória da extrema direita francesa, antissemita. A última vez que uma tal confusão de ideias ocorreu, no Entreguerras, floresceram o nazismo e o comunismo.
A Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, venceu as eleições para o Parlamento Europeu com o dobro da votação do Renascimento, movimento de centro liderado pelo presidente Emmanuel Macron: 31,4% a 14,6%. O partido conservador moderado Os Republicanos obteve apenas 7,25%.
Quando os resultados de boca-de-urna saíram, na noite de domingo, Macron convocou eleições para 30 de junho e 7 de julho para a Assembleia Nacional. O objetivo de Macron era despertar os franceses para a ameaça extremista e aglutinar as forças moderadas de direita e esquerda em torno do centro.
Centro enfraquecido
No dia seguinte, uma pesquisa atribuiu 34% de intenções de voto para a RN, ante 19% para o Renascimento. O líder dos Republicanos, Éric Ciotti, declarou apoio à RN, quebrando o tabu que colocava as direitas conservadora e ultranacionalista em campos opostos.
A RN tem origem na Frente Nacional, fundada por Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, em 1972, sob a liderança de ex-membros do regime de Vichy, instalado pelos nazistas na França ocupada. Ele afirma em sua autobiografia, “Filho da Nação”, lançada em 2018, que o armistício firmado pelo marechal Philippe Pétain com os nazistas em 1940 foi “legal e legítimo”, e “não o desonrou”. Pétain colaborou com a perseguição aos judeus.
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O partido nazista na Alemanha era chamado de Nacional-Socialista porque combinava o nativismo e o racismo com uma ideologia de falsa proteção dos direitos dos trabalhadores: eliminando os judeus, supostamente sobrariam riquezas para os pobres de raça ariana.
Da mesma maneira, uma das propostas da RN é negar serviços sociais aos imigrantes, para privilegiar os nascidos na França. Le Pen se coloca como defensora dos trabalhadores, condenando as reformas liberais de Macron, como a elevação da idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos. As posições dela se aproximam da esquerda francesa.
Os partidos de esquerda, somados, receberam votação próxima à da RN: os Socialistas tiveram 13,83%; a França Insubmissa, 9,89%; e os Ecologistas, 5,5%. Eles anunciaram a formação de uma Frente Popular, para se contrapor à extrema direita, sem se compor com o centro.
Vai se impondo na França a dinâmica que já predomina no Brasil: a energia dos eleitores se divide entre os dois extremos, e o centro fica esvaziado. Isso, num dos berços da república e da democracia.
Ascensão radical
Em outro berço, os Estados Unidos, o Partido Republicano, cuja história está vinculada a Abraham Lincoln, à luta contra a escravidão e pela democracia, foi capturado por Donald Trump, que não reconhece decisões eleitorais e judiciais. Ele lidera as pesquisas contra o presidente Joe Biden, um conservador no Partido Democrata, que ocupa o centro do espectro político.
O Partido Social-Democrata (SPD) do chanceler Olaf Scholz, de centro-esquerda, foi humilhado nas eleições europeias. Ficou em terceiro lugar com 13,9% -- abaixo da Alternativa para a Alemanha (AfD), que também tem ligações com o nazismo e rejeita a imigração e a União Europeia. A AfD recebeu 15,9% dos votos.
Em primeiro lugar, ficou a União Democrata-Cristã (CDU), oposição conservadora moderada, com 30%. Os Verdes e os Liberal-Democratas, que participam da coalizão de Scholz, tiveram 11,9% e 5,2%. O partido A Esquerda, mais radical, teve 2,7%. Assim como nos Estados Unidos, os moderados ainda ocupam um espaço, ainda que encolhido.
Adeus à moderação
O partido de origem fascista Irmãos da Itália já está no poder desde outubro de 2022, com a primeira-ministra Giorgia Meloni. Ela saiu vencedora nas eleições europeias, com 28,8% dos votos, seguida do Partido Democrático, de centro, com 24,1%.
Meloni adotou posição mais moderada para chegar ao poder. A disposição dela de compor com o centro pode diminuir agora, com o fracasso dos moderados. Na reunião do G-7, ela bloqueou a proposta de Macron de incluir o direito ao aborto no comunicado final. Mas manteve o apoio à Ucrânia, que a extrema direita prefere abandonar.
Os moderados de direita e centro continuam sendo a força predominante, com 458 deputados, no Parlamento Europeu de 720. A extrema direita soma 134 cadeiras; a esquerda, 39. As 89 cadeiras restantes são de independentes. O problema é o rumo que as coisas estão tomando.
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