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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Democratas precisam de candidato que represente legado de Biden sem o ônus de sua decrepitude

Manobra arriscada de Emmanuel Macron para conter a direita radical na França traz lições para a disputa contra Donald Trump nos Estados Unidos

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Foto do author Lourival Sant'Anna

A gravidade da ameaça do nacional-populismo impõe decisões difíceis. Pergunte aos democratas americanos, divididos sobre o caminho mais seguro para derrotar Donald Trump. Que lições Joe Biden pode tirar da ousada aposta de Emmanuel Macron ao antecipar as eleições para conter a ascensão de Marine Le Pen?

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O Reagrupamento Nacional (RN), de Le Pen, emergiu das eleições de 9 de junho com a maior bancada no Parlamento Europeu, com 30 euro-deputados. O grupo liderado por Macron obteve apenas 13 cadeiras, o mesmo que a frente de esquerda francesa.

Diante disso, Macron antecipou as eleições para a Assembleia Nacional, previstas para 2027. O objetivo era reeditar a chamada “frente republicana” — união do centro e da esquerda para impedir a ascensão de extremistas historicamente vinculados ao regime de Vichy, que institucionalizou o nazismo na França durante a 2.ª Guerra.

Centro de votação no segundo turno das eleições parlamentares na França.  Foto: Laurent Cipriani/Associated Press

No primeiro turno, dia 1.º, o RN ficou em primeiro lugar, com 33%; seguida da Nova Frente Popular (NFP), coalizão das esquerdas radical e moderada, com 28%; e por último o Juntos, movimento de Macron, com 21%.

Eleitos no primeiro turno, 130 candidatos da NFP e 81 do Juntos desistiram no segundo, para abrir caminho para concorrentes de esquerda ou de centro com mais chances de derrotar os representantes da RN.

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Em contrapartida, alguns integrantes do partido de direita moderada Republicanos eleitos no primeiro turno e sem chances de ganhar no segundo se mantiveram na disputa para dividir o voto conservador e assim prejudicar as chances da RN.

As origens do Republicanos estão associadas ao general Charles de Gaulle, que comandou a resistência contra o nazismo na França. Entretanto, o líder do partido, Eric Ciotti, anunciou apoio ao grupo de Le Pen depois das eleições europeias, causando inconformismo entre muitos filiados.

Ao final, a frente de esquerda NPF saiu vitoriosa, com 33% dos votos e 188 deputados; em segundo, o Juntos, com 27,9% e 161 cadeiras; a RN ficou em terceiro, com 24,6% e 142 deputados; os Republicanos, em quarto, com 8,3% e 48 cadeiras. Na Assembleia Nacional de 577 integrantes, nenhum grupo obteve maioria suficiente para governar sozinho.

A esquerda emergiu ainda mais dividida do que a direita. Os moderados do Partido Socialista, do ex-presidente François Hollande, do qual Macron foi ministro das Finanças, não apoiam um governo chefiado por Jean-Luc Mélenchon, o líder dos comunistas, que por ser do partido mais votado se considera o candidato natural a primeiro-ministro.

Os franceses deverão experimentar agora algo comum em outros países europeus, como Alemanha, Espanha e Bélgica, mas incomum na França: longas negociações para a formação de coalizão de governo. A Constituição de 1958, que instituiu a 5.ª República, foi idealizada por De Gaulle exatamente com o objetivo de facilitar maiorias legislativas e, com elas, a governabilidade.

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A “frente republicana” foi formada pela primeira vez nas eleições de 2002, para evitar a vitória de Jean-Marie Le Pen, pai de Marine. No segundo turno, o centro e a esquerda apoiaram a reeleição de Jacques Chirac, da direita moderada.

O partido de Jean-Marie Le Pen, Frente Nacional, precursor na RN, foi criado em 1972 com a participação de ex-colaboracionistas do nazismo. Le Pen sofreu múltiplas condenações na Justiça por anti-semitismo.

Ele qualificou várias vezes as câmaras de gás do Holocausto como um “detalhe” da história da 2.ª Guerra; defendeu o acordo assinado pelo marechal Philippe Pétain com a Alemanha nazista, que o levou a chefiar o regime de Vichy; e disse em 2006 que os franceses não se identificavam com sua seleção de futebol por causa dos jogadores “de cor”.

A “frente republicana” voltou a funcionar contra a filha dele nas eleições presidenciais de 2017 e 2022, quando Marine Le Pen foi derrotada por Macron no segundo turno. Ela procura se desvincular do pai, mas seu partido abriga militantes nazistas e sustenta posições xenófobas.

Presidente americano Joe Biden deixa o palco após entrevista coletiva que encerrou a Cúpula da Otan. Foto: Jacquelyn Martin/Associated Press

Biden insiste em disputar a reeleição porque foi o democrata que derrotou Trump em 2020, diferentemente de Hillary Clinton, em 2016. Essa atitude seria a equivalente, guardadas as muitas diferenças entre os dois países, a Macron aferrar-se à maioria de que dispunha na Assembleia Nacional depois das eleições europeias.

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O presidente francês entendeu que a direção dos ventos havia mudado, e era preciso uma manobra brusca para manter a democracia francesa no seu curso. É o que os democratas americanos precisam fazer agora, apresentando um candidato ou candidata que represente o legado das políticas de Biden sem o ônus de sua decrepitude.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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