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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Morte de líder do Hamas não trará mais segurança para Israel nem diminuirá sofrimento dos palestinos

O assassinato de Sinwar não significa sequer o fim da guerra na Faixa de Gaza

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Foto do author Lourival Sant'Anna

A morte de Yahya Sinwar é uma evidente vitória para o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e mais um golpe para o Hamas. Mas não trará mais segurança para os israelenses nem menos sofrimento para os palestinos. Esse e os outros fatos recentes representam apenas a repetição e o reforço da dinâmica que tornou o Oriente Médio o que ele é.

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Ahmed Yassin, que fundou o Hamas em 1987, liderou o grupo até 2004, quando foi assassinado por Israel. Seu sucessor, Abdel Aziz al-Rantisi, teve o mesmo fim, apenas um mês depois de assumir. O Hamas só cresceu desde então.

O mesmo pode ser dito do Hezbollah. Um ataque aéreo israelense matou em 1992 o fundador da milícia xiita, Abbas al-Musawi. O grupo ganhou imensa relevância desde então, sob a liderança do sucessor, Hassan Nasrallah, morto da mesma forma no dia 27.

O líder do Hamas, Yahya Sinwar, participa de um comício na Cidade de Gaza, Faixa de Gaza  Foto: Mahmud Hams/AFP

O assassinato de Sinwar não significa sequer o fim da guerra na Faixa de Gaza. Depois dessa vitória, Netanyahu ignorou os apelos dos familiares dos reféns israelenses nas mãos do Hamas para firmar um cessar-fogo e garantir a libertação dos cerca de 100 sequestrados.

Se atendesse, perderia o cargo. Os ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, declararam logo depois do anúncio da morte do líder do Hamas que a guerra precisa continuar até a aniquilação total do grupo. Ambos representam os colonos judeus na Cisjordânia, somam 13 cadeiras no Parlamento e Netanyahu depende deles para se manter no cargo.

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É possível que com a morte de Sinwar a liderança do grupo volte a ser assumida por Khaled Mashaal, que participou das várias negociações em Doha para um cessar-fogo em troca da libertação de reféns. O Catar, que ajuda financeiramente a Faixa de Gaza, pressiona pela escolha de um sucessor com essa função política.

Ismail Haniyeh, que foi chefe do gabinete político do Hamas, também foi morto por Israel  Foto: Hassan Ammar/AP

Era o caso de Ismail Haniyeh, morto em Teerã pelo serviço secreto israelense horas depois de assistir à posse do presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, no dia 31 de julho. Três meses antes, Netanyahu autorizou um ataque que matou na Faixa de Gaza três filhos e quatro netos do líder do Hamas, quando uma nova rodada de negociações estava prestes a começar.

São provas do desinteresse do primeiro-ministro em um acordo de cessar-fogo. Netanyahu precisa da guerra para se manter no poder, não só por exigência de seus ministros mais radicais.

Antes do ataque do Hamas há um ano, o primeiro-ministro enfrentava os maiores protestos da história de Israel, contra a proposta do governo de retirar autonomia da Corte Suprema, na qual tramitam processos contra ele por corrupção e abuso de poder. A guerra suspendeu essa crise.

Diante da crescente revolta da população israelense com a prioridade dada à guerra em detrimento da libertação dos reféns, Netanyahu abriu novos fronts. Bombardeou o consulado iraniano em Damasco em abril e lançou uma ofensiva aérea e terrestre contra o Hezbollah no Líbano.

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o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Pamela Smith/AP

As causas da violência não estão sendo atacadas; ao contrário, reforçadas. Elas remontam à criação do Estado de Israel, em 1948, quando os palestinos não aceitaram a partilha proposta pelo Reino Unido e aprovada pela ONU, que lhes destinava área equivalente à dos judeus embora fossem o dobro da população.

A proclamação do Estado desencadeou uma guerra, na qual os judeus ocuparam territórios designados para os palestinos. Sinwar, por sinal, nasceu em Khan Younis, na Faixa de Gaza, em um campo de refugiados que perderam suas casas nessa guerra. Boa parte da população de mais de 2 milhões de pessoas do território, assim como da Cisjordânia, é formada por descendentes desses refugiados.

Em 1967, Egito, Síria e Jordânia atacaram Israel, que não só rechaçou os ataques como tomou desses países, respectivamente, o Deserto Sinai e a Faixa de Gaza, as Colinas do Golan, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Egito e Síria tentaram retomar os territórios em 1973, sem êxito.

Nos Acordos de Camp David, em 1979, Israel concordou em devolver o Sinai, mas manteve o restante. Desde 1967, Israel financia assentamentos judaicos na Cisjordânia. O país fez o mesmo na Faixa de Gaza até 2005, quando entregou o território aos palestinos, que elegeram o Hamas para governá-los.

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A crescente colonização, a ocupação de Jerusalém Oriental, o contínuo cerco à Faixa de Gaza, as humilhações e privações impostas aos palestinos têm retroalimentado o radicalismo palestino. Ditaduras árabes, a teocracia iraniana e grupos radicais exploraram as frustrações dos palestinos e torpedearam oportunidades de paz ao longo da história. Se Israel permitisse que os palestinos vivessem com dignidade e autodeterminação, retiraria oxigênio do radicalismo e da hostilidade contra si mesmo.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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