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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Mudança econômica

China está recuperando poder que acha ter perdido para conglomerados tecnológicos

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Foto do author Lourival Sant'Anna

A China está executando a maior reversão de rumo de sua economia desde que o país se abriu para o mundo e criou sua versão de capitalismo de Estado, nos anos 80. Sob o comando de Xi Jinping, o Partido Comunista Chinês está reduzindo drasticamente, um por um, o alcance da atuação de cada segmento das empresas de alta tecnologia.

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Quando o processo começou, há nove meses, não se sabia se era algo pontual e pessoal, contra o multibilionário Jack Ma, do Alibaba, ou mais abrangente. Agora está claro que é uma mudança de sistema econômico, na qual o regime chinês está recuperando o poder que considera ter perdido para esses conglomerados tecnológicos, pela riqueza e informações que eles concentram.

A última ofensiva foi contra as plataformas digitais de reforço escolar. Os reguladores chineses determinaram no dia 24 que as empresas de tutoria online não poderão mais dar lucros, acusando-as de terem “sequestrado a educação para o capital”. 

As três grandes empresas do segmento listadas na Bolsa de Nova York, New Orient, TAL Education Group e Gaotu, perderam em três dias quase US$ 1 trilhão de seu valor, que antes somava US$ 2 trilhões. Entre 2019 e 2020, o setor realizou 27 ofertas públicas iniciais (IPOs).

A devassa começou em 3 de novembro, quando o Grupo Ant, de Jack Ma, preparava sua IPO, nas bolsas de Xangai e Hong Kong, no valor estimado de US$ 37 bilhões. Cerca de 48 horas antes da abertura, ela foi cancelada pela Comissão de Valores Mobiliários da China. No dia 24 de outubro, Jack Ma havia criticado a política regulatória chinesa, em um discurso na Bund Finance Summit em Xangai, dizendo que ela “asfixia a inovação”.

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China está recuperando poder que acha ter perdido para conglomerados tecnológicos como o Alibaba Foto: Thomas Peter/REUTERS

Em abril, o gigante do varejo online Alibaba, também de Ma, recebeu uma multa recorde de US$ 2,8 bilhões, acusado de violar leis concorrenciais.

Depois foi a vez da Didi, espécie de Uber chinês, só que com mais aplicações. Em sua IPO na Bolsa de Nova York em 30 de junho, a empresa captou US$ 4,4 bilhões e passou a ser avaliada em US$ 68 bilhões. Foi a maior operação desse tipo de uma empresa chinesa numa bolsa americana desde que o Alibaba levantou US$ 25 bilhões em 2014. 

No dia 4 de julho, a Agência do Espaço Cibernético da China ordenou a retirada da Didi das lojas de aplicativos do país, acusando-a de ter “violado as leis gravemente ao coletar e usar informações pessoais ilegalmente”. Dona da 99 no Brasil, a Didi tem 377 milhões de usuários ativos na China. Em 2016, a empresa comprou a Uber na China, selando sua vitória na disputa de mercado com a concorrente americana.

Agora, sua situação é tão frágil que uma reportagem no The Wall Street Journal no dia 29, afirmando que a empresa tinha decidido fechar seu capital para aplacar a fúria dos reguladores chineses, causou queda de 40% nas suas ações. O valor foi recuperado depois que a Didi desmentiu a informação.

No dia 24, a Agência Estatal para a Regulação do Mercado determinou o fim dos direitos de exclusividade sobre músicas das plataformas digitais da Tencent, dona do WeChat, aplicativo de mensagens, pagamentos e transferências. Segundo a agência, a empresa violou as regras ao adquirir a China Music Corp. em 2016. A agência só se deu conta disso cinco anos depois. 

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Na terça-feira, a Tencent suspendeu o registro de novos usuários do WeChat, utilizado por praticamente todos os chineses que têm um celular, para se ajustar às novas regras. O valor de mercado da Tencent, que era de US$ 950 bilhões em janeiro, caiu para US$ 550 bilhões. Especialistas preveem que empresas de alta tecnologia ainda deverão ser alvo das autoridades em segmentos como videogames, imóveis, saúde e entregas a domicílio, que também reúnem muitas informações sobre os cidadãos chineses. 

Nas últimas décadas, a China pareceu desafiar os manuais de ciência política, que consideravam a liberdade econômica incompatível com regimes autoritários. Será que os manuais estavam certos?* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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