O estreitamento da cooperação comIsrael, promovido pela visita do presidente Jair Bolsonaro na semana passada, é potencialmente vantajoso para o Brasil. Mas há problemas com o momento da visita, a uma semana das eleições israelenses; com o seu formato, passando por cima das sensibilidades dos árabes e muçulmanos, e com a conotação de algumas declarações, que a transformaram em aproximação não entre Estados, mas entre líderes religiosos e governantes de turno.
Os dois governos concordaram em cooperar no setor de energia, nos segmentos do petróleo e gás, termoeletricidade e fontes renováveis. Um acordo de cooperação prevê também estreitamento nos campos de ciência e tecnologia. Haverá chamadas conjuntas para projetos de inovação e um programa para startups no Brasil. Basta dizer que o Waze é criação israelense.
Um acordo no setor de saúde e medicamentos, firmado em 2006 no governo Lula, terá continuidade, com troca de tecnologias e intercâmbio de especialistas. A promoção do comércio e de investimentos também será estimulada. Israel é um dos poucos países com os quais o Mercosul firmou, em 2007, acordo de livre-comércio, nessas três décadas de torpor que se seguiram à criação do bloco.
Houve acordos também nas áreas de defesa e segurança pública e cibernética. O governo israelense expressou seu apoio ao ingresso do Brasil na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, ao que tudo indica, será um tema recorrente nas viagens de Bolsonaro. O Brasil trocou a postulação de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU pela OCDE. É uma boa troca, que exigirá reformas para ajustar o país aos padrões do organismo.
Bolsonaro conseguiu evitar o tema das Colinas do Golan, que Israel tomou da Síria em 1967. O presidente Donald Trump reconheceu a soberania israelense sobre o território na semana anterior, pouco antes de seu encontro com Bolsonaro. E trocou a transferência da embaixada de Tel-Aviv pela instalação de um escritório de promoção comercial. É menos ruim, mas não é bom, aos olhos dos árabes. Ainda mais com a declaração de que “casamento começa no namoro”, indicando que a embaixada seria o passo seguinte.
A medida foi agravada pelo fato de o governante brasileiro ter ignorado o convite do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, para visitá-lo em Ramallah, na Cisjordânia (praticamente conurbada com Jerusalém, não fossem os bloqueios militares israelenses). Isso é muito atípico. Praticamente todo governante que visita o primeiro-ministro israelense se reúne também com o presidente palestino. Incluindo Trump, em sua primeira viagem internacional, em 2017.
Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações, mas não as mesquitas do Domo da Rocha e de Al-Aqsa, situadas na esplanada adjacente. Somados a suas declarações de caráter religioso, e de identificação com a história de Israel, esses gestos podem ser interpretados como preferência do Brasil pelos judeus em detrimento dos muçulmanos. Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente, ainda respondeu às críticas do grupo islâmico Hamas à visita com um tuíte espetacularmente infeliz, mais tarde retirado do ar: “Quero que vocês se explodam!”
O erro maior está na data da visita: a reta final para as eleições desta terça-feira, que Netanyahu disputa sob denúncias de quatro casos de corrupção, dos quais três já evoluíram para indiciamentos. O primeiro-ministro usou a visita do presidente brasileiro, assim como o encontro com Trump e o passo sobre o Golan, como parte de suas credenciais para seguir governando Israel, depois de uma década no cargo.
O estreitamento da cooperação com Israel, que é onde está o interesse brasileiro, não dependia de nada disso. Pagamos por ele um sobrepreço desnecessário.
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