Xi Jinping e Vladimir Putin se reuniram na quinta e na sexta-feira em Pequim e estreitaram a parceria entre China e Rússia para se fortalecer na rivalidade com Estados Unidos e Europa. Em seu 43.º encontro, incluindo os virtuais, ficou evidente mais uma vez a convergência de objetivos geopolíticos e a complementaridade militar e econômica das duas potências nucleares.
Eles assinaram um texto de 7 mil palavras intitulado “Comunicado Conjunto sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Ampla de Coordenação para a Nova Era”, no estilo floreado e ligeiramente confuso tão apreciado por Xi. O autocrata chinês disse que as fortes relações entre os dois países “convergiram para uma força motriz poderosa para ambos os lados enfrentarem os ventos e chuvas e continuar avançando”.
Esses ventos e chuvas têm origem. “As partes reiteram sua grave preocupação diante das tentativas dos Estados Unidos de romper o equilíbrio de segurança estratégica na região”, diz o texto. Putin assegurou: “Nossa cooperação nos assuntos mundiais hoje serve como um dos principais fatores estabilizadores na arena internacional”.
É uma visão curiosa. A invasão em grande escala da Ucrânia e as intenções de Xi de tomar Taiwan estão entre os maiores fatores de desestabilização mundial. Putin vê a Ucrânia, as outras antigas repúblicas soviéticas e o Leste Europeu como temas internos. A ligação do Ocidente com esses países, ainda que por escolha deles, é considerada por Putin uma intromissão na segurança russa.
Xi segue o mesmo racional. Para ele, as aspirações chinesas sobre Taiwan, assim como a projeção sobre os mares do Leste e do Sul da China, são parte da histórica vocação imperial de seu país. Isso, independentemente de taiwaneses, japoneses, sul-coreanos, australianos ou filipinos virem no Ocidente a tábua de salvação para sua liberdade, independência e democracia.
Esses valores ameaçam as intenções de Xi e Putin de se perpetuar no poder e entrar para o panteão dos imperadores. Um olhar crítico a respeito do Ocidente contestará que Estados Unidos e Europa também invadiram e colonizaram países, o que é verdade. Mas nos últimos anos a ameaça à ordem internacional parte de China, Rússia e seus aliados, como Coreia do Norte, Irã e Venezuela.
O apoio de Estados Unidos e Europa a Israel, com suas violações do direito internacional, é o principal ponto fora da curva dessa equação. Ao alimentar o conflito com Israel, o Hamas, Hezbollah, Houthis e demais milícias patrocinadas pelo Irã expõem essa incongruência e fragilizam a retórica ocidental.
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Putin repetiu: “Estamos atuando em solidariedade na formulação de uma ordem mundial multipolar mais justa e democrática”. São adjetivos sem sentido, em se tratando de dois regimes autocráticos que usam o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU e a força bruta para impor seus desejos.
Entretanto, é um discurso que encontra eco em países africanos e latino-americanos, nos quais ressentimentos contra nações prósperas são incentivados pela elite, para encobrir a ineficiência de modelos econômicos e as causas da desigualdade que a beneficia.
Por trás do discurso, há interesses práticos. A Rússia se desindustrializou depois da invasão em grande escala da Ucrânia. Mais de mil empresas estrangeiras saíram ou reduziram suas operações no país. A China, celeiro de manufaturados do mundo, tem preenchido parcialmente esse vazio com seus produtos, peças e maquinários, de uso civil e militar.
As transações financeiras internacionais da Rússia ficaram muito prejudicadas por causa das sanções ocidentais, e seus ativos bancários no exterior, no valor de US$ 300 bilhões, foram congelados. O Congresso americano aprovou lei destinando os US$ 5 bilhões depositados nos EUA para a Ucrânia. A Europa, onde se concentra a maior parte dos depósitos, pode fazer o mesmo.
A Rússia tem transacionado com a China nas moedas respectivas. O comércio bilateral atingiu no ano passado o recorde de US$ 240 bilhões. Empresas russas têm usado bancos chineses. Os EUA ameaçam esses bancos com sanções, o que refreou essas operações, afetando o comércio este ano.
China e Rússia têm interesse em tecnologias espaciais e militares uma da outra. Os EUA acusam os chineses de fornecer inteligência militar aos russos na guerra contra a Ucrânia. Em contrapartida, a Rússia é fonte de energia barata para a China, depois que seu petróleo e gás se tornaram alvos de sanções no Ocidente.
Essa é uma parceria que moldará a geopolítica dos próximos anos, e forçará países como o Brasil a fazer escolhas.
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