O Exército ucraniano está pela primeira vez empregando mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA. Um campo de pouso militar e posições de tropas russas foram bombardeados. O presidente Joe Biden autorizou em fevereiro a entrega de mísseis Atacms (iniciais em inglês de Sistema de Míssil Tático do Exército).
No mês passado, eles foram incluídos em um pacote de US$ 300 milhões liberado por decreto presidencial. Agora, o fornecimento pode ganhar nova escala, com a bilionária dotação orçamentária pelo Congresso. Devem chegar também mais mísseis Himars (Sistema de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade), que como os Atacms podem atingir 300 km.
Crucialmente, os ucranianos receberão também munição de artilharia. Ultimamente, a relação entre a disponibilidade de munição russa e ucraniana tinha chegado a 10 para 1.
Depois de uma barragem de fogo de artilharia, os russos enviam recrutas recém-saídos da prisão, para atrair disparos de armas leves dos ucranianos, e revelar as posições do inimigo. Em seguida avançam os soldados profissionais russos. A tática é chamada “moedor de carne”.
O provisionamento americano inclui as bombas de fragmentação, banidas por 124 países, mas não pelos EUA, Rússia e Ucrânia. O emprego pela Ucrânia é efetivo por causa da disposição das trincheiras e frentes de ataque da infantaria russa, em linhas densamente concentradas em campos abertos. Alvos exclusivamente militares são atingidos, longe de aglomerações urbanas.
Em janeiro de 2023, os EUA concordaram em enviar para a Ucrânia 31 tanques Abrams M1A1, a mais robusta máquina de guerra terrestre. Depois de perder cinco deles em ataques russos com drones, os ucranianos passaram a evitar seu uso. Agora, treinamento tático recebido em bases americanas na Alemanha permitirá o emprego dos tanques com menos risco.
Ações de reconhecimento e de ataque com drones ucranianos também causam pesadas perdas de tanques e veículos blindados russos. Entretanto, a capacidade russa de reposição de estoques se revelou maior que a ucraniana, mesmo com a ajuda da Otan. E sobretudo depois do congelamento da ajuda americana em grande escala pela bancada trumpista na Câmara por seis meses.
Em junho, devem começar a chegar os seis primeiros caças F-16 americanos — o que representa metade de um esquadrão. Na mesma época, 12 pilotos ucranianos terão concluído seu treinamento de 10 meses na Dinamarca, Reino Unido e EUA. No total, 45 caças foram cedidos por países europeus, depois que o governo americano deu o sinal verde em agosto.
É difícil assegurar uma defesa aérea coerente com tão poucos caças e com a urgência em integrá-los aos outros ativos militares numa guerra real, sem chance de exercícios prévios no teatro operacional. Mas será o começo do fim da soberania aérea da Rússia, que lhe permitiu atacar impunemente alvos ucranianos com mísseis ar-terra, do território russo.
O impacto de toda essa nova dotação de recursos depende obviamente da capacidade de resposta russa. Levantamento do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington, revela intensa reposição de estoques do arsenal russo.
Em dezembro de 2023, o Ministério da Defesa (MD) russo anunciou a entrega de 1.500 tanques, 2.200 veículos blindados de combate, 1.400 mísseis e armas de artilharia e 22 mil drones. Os números estão provavelmente inflados, mas algo próximo já seria significativo.
A Rússia se converteu em economia de guerra, como ocorreu com a Alemanha nazista. O orçamento de defesa para 2024, de US$ 109 bilhões, é o maior da Rússia pós-soviética. Ultrapassa os gastos sociais e representa 6% do PIB, ante 3,9% em 2023.
Segundo o MD, a indústria bélica russa fornecerá este ano mais de 36 mil tipos de equipamento básico, 16,5 milhões de armas e mais de 1 milhão de armas portáteis e equipamentos de proteção e comunicação. Tudo isso deve ser visto com suspeição. Mas é visível a conversão de plantas de manufatura civis em militares, o fornecimento de máquinas e chips para fabricação de armas da China, drones do Irã, granadas de artilharia e mísseis da Coreia do Norte.
Diante disso tudo, a perspectiva americana e europeia é a de que a ajuda militar permitirá à Ucrânia em meados do ano estabilizar o fronte, não necessariamente recuperar território. A guerra é imprevisível. Seguiremos avaliando.
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