PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Sabotagem de trens na Olimpíada é prato cheio para Marine Le Pen em disputa com Macron

Falta de pulso firme diante das agitações dos ativistas e da criminalidade urbana na França é uma acusação frequente do Reunião Nacional contra o atual governo francês

PUBLICIDADE

Foto do author Lourival Sant'Anna

Os Jogos Olímpicos são sempre uma vitrine do país anfitrião. No caso da França, não é diferente. Não só num sentido positivo, no entanto. A sabotagem dos trens horas antes da cerimônia de abertura é a face mais visível de uma desordem estrutural no país, composta não só de sabotagens e greves, mas também de violência urbana e ameaça terrorista.

PUBLICIDADE

O sistema público de transporte na Grande Paris entrou em colapso na manhã dessa sexta-feira, 26, com ataques coordenados, que incluíram incêndios criminosos e outras formas de vandalismo. Segundo o CEO da companhia ferroviária SNCF, Jean-Pierre Farandou, 800 mil usuários foram afetados diretamente. Mas houve reflexos sobre todo o sistema.

Os criminosos atearam fogo a tubulações que contêm cabos de sinalização vitais para o funcionamento do sistema, em três linhas diferentes da rede de alta velocidade TGV.

Dois dos quatro trens que transportavam atletas para Paris foram paralisados horas antes da abertura dos Jogos. Dois atletas alemães que estavam no trem para Paris a caminho da cerimônia tiveram que voltar quando passavam pela Bélgica.

Soldados patrulham estação de trem Gare du Nord. A poucas horas da da abertura das Olimpíadas, o tráfego ferroviário para Paris foi interrompido pelo que as autoridades descreveram como "ações criminosas" e sabotagem. Foto: AP Photo/Mark Baker

As autoridades informaram que ainda estavam investigando a autoria das sabotagens. Os ataques têm as digitais dos militantes de extrema esquerda, com experiência em ações para interromper os serviços de transportes em suas constantes manifestações contra privatizações e outras medidas de caráter liberal do governo.

Publicidade

O incidente é um prato cheio para a Reunião Nacional (RN) de Marine Le Pen, que acusa o governo de falta de pulso firme diante das agitações dos ativistas e da criminalidade urbana no país, que a extrema direita atribui à imigração.

São comuns ataques absolutamente gratuitos, sobretudo durante a noite, contra transeuntes brancos, nas grandes cidades francesas, por parte de jovens descendentes de imigrantes árabes. Um amigo meu, jornalista francês, foi espancado na rua e ficou gravemente ferido, quando voltava para casa de madrugada em Paris.

Em julho do ano passado, um homem de 46 anos foi espancado até a morte no festival anual de Baiona, sul da França, depois que pediu a um grupo de jovens que parasse de urinar na rua. Ninguém foi processado pelo crime. Duas semanas depois, uma mulher de 29 anos foi estuprada com tanta violência dentro de sua própria casa, em Cherbourg-Octeville, no norte do país, que os profissionais de saúde que a atenderam choraram ao ver o estado dela. Um jovem de 18 anos, com um vasto histórico de crimes não-punidos, foi detido.

Obviamente não são só descendentes de árabes que cometem esses crimes, mas uma parte deles é fomentada pelas tensões raciais. Além desses crimes de ódio, os furtos e roubos também são mais comuns do que em outros países com nível de desenvolvimento comparável ao da França.

As cadeias francesas estão lotadas. Uma equipe de reportagem da agência Reuters que visitou o presídio de Villepinte, nas imediações de Paris, revelou em abril que havia 1.048 presos, ante uma capacidade de 582. Para a realidade brasileira, pode parecer trivial. Mas isso não é comum em países avançados.

Publicidade

A política externa francesa também contribui para a insegurança. O Ministério Público anunciou na quarta-feira a prisão de um russo de 40 anos, acusado de “conduzir trabalho de inteligência a serviço de uma potência estrangeira”, com o objetivo de “provocar hostilidades na França”.

Segundo o CEO da companhia ferroviária SNCF, Jean-Pierre Farandou, 800 mil usuários foram afetados diretamente. Mas houve reflexos sobre todo o sistema.  Foto: James Manning/AP

PUBLICIDADE

O presidente Emmanuel Macron é um dos mais importantes aliados da Ucrânia na luta contra a Rússia. A atuação da França contra os grupos jihadistas, sobretudo na África, também tem provocado a ameaça de células terroristas, principalmente do Estado Islâmico.

Esse conjunto de ameaças, ativas e potenciais, gera uma sensação de insegurança, que tem sido um dos principais ativos da extrema direita francesa. A RN formou a maior bancada francesa no Parlamento Europeu nas eleições de junho.

Graças a uma aliança tática entre o centro de Macron e a esquerda, que retiraram candidaturas em distritos nos quais o outro tinha mais chances no segundo turno das eleições para a Assembleia Nacional, no início do mês, a extrema direita ficou em terceiro lugar. Mas continua um movimento forte e crescente, que se alimenta da percepção geral de desordem.

O êxito ou fracasso dos Jogos Olímpicos terá importantes repercussões políticas.

Publicidade

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.