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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Só a desistência de Biden pode dar chance aos democratas na eleição dos EUA

A convenção republicana provou que a tentativa de assassinato não tornou Donald Trump menos tóxico, mas só Joe Biden se equipara ao ex-presidente em rejeição

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Foto do author Lourival Sant'Anna

A eleição americana está nas mãos dos democratas. A convenção republicana provou que a tentativa de assassinato não tornou Donald Trump menos tóxico. A compulsão por mentir e incitar o ódio, que o torna uma das figuras mais detestadas dos Estados Unidos, segue intacta. Só Joe Biden se equipara a Trump em rejeição. Sua saída da disputa daria chance aos democratas de continuar no poder.

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Biden já chegou a essa conclusão. Sua desistência depende de encontrarem alguém em condições de derrotar Trump e ajudar os democratas a manter e conquistar cadeiras no Congresso. Não faltam nomes.

Kamala Harris é a candidata mais forte. Sua posição de vice simplificaria a troca. Seria a admissão de que Biden não tem condições de governar por mais quatro anos, sem minar o legado de sua gestão, da qual Harris é parte.

O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano de 2024, Donald Trump, discursa na Convenção Nacional Republicana, em Milwaukee Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP

Além disso, facilitaria a transferência das doações de campanha e dos votos das primárias de Biden para ela, que já está na chapa. Em pesquisa de 2 de julho da CNN, a vice reuniu 45% das intenções de votos, encostada em Trump, com 47%. Já Biden perderia por 43% a 49%.

Na mesma pesquisa, Harris tem 29% de aprovação, e Biden, 34%. Os americanos acham que ela teve uma atuação apagada. Nessa campanha, sua defesa do direito ao aborto rende votos entre as mulheres, contra a ambivalência de Trump, que delega a decisão aos Estados, e a radicalidade de seu vice, J.D. Vance, contrário à interrupção da gravidez até em caso de estupro.

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Uma opção fora da chapa Biden-Harris seria outra mulher de imagem forte, a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, vice-presidente nacional do Partido Democrata. Ao se reeleger em 2020, com 54% dos votos, ela arrastou votos para garantir a maioria democrata na Câmara e no Senado estaduais.

Whitmer foi um ícone na pandemia. Impôs distanciamento social e se tornou alvo de complô de integrantes de uma milícia anti-Estado que planejavam sequestrar e julgar a governadora. Trump se referia a Whitmer como “aquela mulher do Michigan”, um dos Estados-pêndulo que desempenham papel-chave na eleição do Colégio Eleitoral. Na pesquisa CNN, ela aparece com 42%, ante 47% para Trump.

Ainda mais decisiva na eleição é a Pensilvânia, cujo governador, Josh Shapiro, também surge como possível substituto de Biden. Ex-procurador-geral do Estado, Shapiro é muito popular, com 64% de aprovação, em contraste com apenas 41% de intenções de voto em Biden na Pensilvânia. Um problema, para a esquerda democrata, é que o governador, judeu, apoia veementemente Israel.

Há ainda os governadores da Califórnia, Gavin Newson, e do Illinois, J.B. Pritzker. Na pesquisa da CNN, Newson ficaria com 43%, ante 48% para Trump. A Califórnia tem o maior eleitorado do país, mas uma candidatura de Newson não agregaria no Colégio Eleitoral, por ser já garantida a vitória de Biden no Estado.

Herdeiro do grupo hoteleiro Hyatt, Pritzker tem fortuna estimada em US$ 3,5 bilhões, e investiu um décimo disso em suas duas campanhas para o governo do Illinois. Bilionário como Trump, ele é também um de seus críticos mais agressivos. Já chamou o ex-presidente de criminoso, racista, homofóbico e vigarista. A sondagem o coloca três pontos atrás de Trump, com 43% a 46%.

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O presidente dos EUA, Joe Biden, e a vice-presidente, Kamala Harris, assistem aos fogos de artifício do Dia da Independência sobre o National Mall na Casa Branca, em Washington, em 4 de julho de 2024 Foto: Erin Schaff/The New York Times

Pesquisa de quinta-feira da rede CBS indica que Trump ampliou sua vantagem sobre Biden depois do atentado e de mais provas da decrepitude do presidente: 52% a 47%, ante 50% a 48% no dia 3. Entretanto, as pesquisas indicam que o antitrumpismo é um traço dominante no eleitorado, e que 25% não desejam votar nem em Trump nem em Biden — o maior índice de “double-haters” desde 1988.

Ao nomear Vance seu vice, Trump se mostrou mais preocupado em projetar o legado de seu movimento Faça a América Grande de Novo (MAGA) do que em atrair votos moderados. Vance é um ardente defensor do movimento e da falsa versão de fraude eleitoral em 2020. A expectativa de Trump é de que, numa eventual derrota em 2028, Vance não repetiria a “traição”de Mike Pence, que se recusou a impedir a certificação de Biden no Congresso, presidido pelo vice.

Ex-presidente Donald Trump é retirado às pressas por agentes de segurança após ser vítima de atentado durante comício em Butler, na Pensilvânia  Foto: Rebecca Droke/AFP

O discurso de Trump de aceitação da nomeação, na quinta-feira, foi redigido para pregar união e soluções. Aos 20 minutos de texto escrito, Trump acrescentou 71 de improviso, com o conteúdo raivoso e mentiroso de sempre, embora tenha mencionado Biden por nome apenas uma vez.

A convenção consumou a submissão do partido à adoração de Trump, o que frustra republicanos e independentes. Diante de tudo isso, o resultado em 5 de novembro depende de os democratas apresentarem alguém capaz de transmitir a coerência que falta a Trump e a vitalidade que Biden já não tem.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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