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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Terrorismo é usado politicamente para convencer russos de que só Putin pode protegê-los

Diante das mortes na Ucrânia, dos retrocessos e do terrorismo, boa parte dos russos se torna mais leal ao autocrata

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Foto do author Lourival Sant'Anna

O atentado contra o principal centro de convenções de Moscou, na sexta-feira, coincidiu com a inclusão, pelo governo russo, dos defensores dos direitos dos homossexuais na lista de terroristas. Os sacrifícios dos russos sob a autocracia de Vladimir Putin se agravam e, paradoxalmente, sua dependência dele.

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Ao menos 133 pessoas morreram e 121 foram hospitalizadas. O Estado Islâmico Khorasan (Isis-K), filial do grupo no Afeganistão, reivindicou o ataque. A mídia estatal russa anunciou que os quatro suspeitos são do Tajiquistão, ex-república soviética de maioria muçulmana.

Em discurso à nação, Putin afirmou que os quatro autores do atentado foram detidos. “Eles tentaram se esconder e se deslocaram rumo à Ucrânia, onde, de acordo com dados preliminares, uma janela estava preparada para eles do lado ucraniano para cruzarem a fronteira.”

Os 24 anos de Putin no poder são marcados pelo uso político do terrorismo Foto: REUTERS/Stringer

Prevendo que o Kremlin tentaria envolvê-lo, o governo ucraniano negou participação logo depois do atentado. A Ucrânia tem feito ataques com mísseis e drones aéreos e marítimos contra alvos russos. Milícias russas contrárias ao regime atacam áreas na Rússia. São ações militares convencionais, não terroristas.

Em contrapartida, o Isis-K atacou a embaixada da Rússia em Cabul em 2022, e distribui propaganda anti-russa no Afeganistão. O apoio militar russo à ditadura de Bashar al-Assad foi decisivo para a derrota do Estado Islâmico na Síria. No dia 7, o FSB, serviço secreto russo, anunciou ter prevenido um ataque de uma célula do Estado Islâmico contra uma sinagoga em Moscou.

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Os 24 anos de Putin no poder são marcados pelo uso político do terrorismo. Em setembro de 1999, explosões em quatro prédios residenciais nas cidades de Moscou, Buynaksk e Volgodonska deixaram 307 mortos e mil feridos. O quinto atentado, em Ryazan, foi frustrado: um casal foi flagrado de madrugada por um morador colocando sacos de explosivos no porão do prédio.

A polícia constatou que os explosivos, detonadores, e sua instalação no porão seguiam o padrão dos outros atentados. A testemunha anotou a placa do carro. O casal e o motorista foram detidos e identificados como agentes do FSB. O caso foi abafado.

Na época, Putin era primeiro-ministro, depois de ter sido diretor do FSB e secretário do Conselho de Segurança, no governo de Boris Yeltsin. Putin atribuiu os atentados a separatistas da Chechênia, república russa de maioria muçulmana. Centenas de chechenos foram presos sem provas.

Putin lançou a segunda guerra da Chechênia, tornou-se herói nacional e se elegeu presidente em março de 2000, em eleição antecipada pela renúncia de Yeltsin. A Chechênia foi arrasada pelas Forças Armadas russas, que pela lei não poderiam atuar dentro da Rússia. As táticas seriam repetidas na Geórgia, Síria e Ucrânia.

Em 2002, 40 terroristas chechenos invadiram um teatro de Moscou durante a apresentação de um musical, tomaram 850 reféns e plantaram bombas no local. Eles exigiam a retirada das forças russas da Chechênia. Voluntários foram ao local negociar com os terroristas. O diálogo foi interrompido no quarto dia pela invasão de agentes russos. Eles injetaram gás nervoso no sistema de ventilação do teatro, mataram os terroristas e 132 reféns.

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Em 2004, separatistas chechenos invadiram uma escola em Beslan, tomando 1.100 reféns. No segundo dia, houve uma explosão, seguida da invasão de forças de segurança russas. A intervenção deixou 334 mortos, dos quais 186 crianças, além de 31 terroristas.

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Esses e outros episódios foram utilizados para convencer os russos de que estão sob ameaça de inimigos desumanos, e só Putin pode protegê-los. A mesma estratégia é usada em relação à homossexualidade.

Em 2011, milhares de russos foram às ruas depois de constatar que Putin não deixaria o poder. Ele se aliou à Igreja Ortodoxa e passou a perseguir os homossexuais e transgênero, impedidos de casar, adotar filhos ou mudar de sexo.

Em seu discurso ao Parlamento em fevereiro de 2023, um ano depois de invadir a Ucrânia, Putin afirmou: “O Ocidente não para de distorcer fatos históricos, atacar a cultura e a Igreja Ortodoxa russas. O Ocidente está pervertendo a família, a identidade nacional. Estão tornando a pedofilia a norma em sua vida. Padres incentivam casamentos do mesmo sexo. A Igreja Anglicana estuda a ideia de um Deus de gênero neutro. Perdoem, Pai, eles não sabem o que fazem”.

Diante das mortes na Ucrânia, dos retrocessos e do terrorismo, boa parte dos russos se torna mais leal a Putin. A alternativa seria concluir que a dor é em vão. Isso a tornaria insuportável.

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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