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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Uma nova corrida presidencial começa nos EUA com desistência de Biden

A única certeza, neste momento, é a de que os democratas se livraram de um enorme peso

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Foto do author Lourival Sant'Anna

O cronômetro foi zerado. Uma nova corrida presidencial começa, com a desistência de Joe Biden e o endosso de sua vice, Kamala Harris. Dificilmente o nome dela será desafiado no Partido Democrata. A escolha do vice na chapa de Harris é o novo capítulo que determinará os rumos da disputa.

A desistência de Biden elimina o duplo ônus, para os democratas, de sua presença na cédula eleitoral: a rejeição que ele sofre do eleitorado, comparável somente à de Trump, e o seu desempenho desastroso em aparições públicas.

Nomeação de Harris não deve ser seriamente desafiada dentro do Partido Democrata por vários fatores Foto: Allison Joyce / AFP

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Agora, o mesmo ônus, por razões diferentes, fica exclusivamente com os republicanos: a conduta divisiva de Trump, que frustra muitos independentes e republicanos moderados, e a forte rejeição a seu nome.

Harris tem ao mesmo tempo popularidade mais baixa do que Biden e chances maiores de derrotar Trump. O índice de aprovação da vice é de 29% e o do presidente, 34%. Em contraste, segundo pesquisa da CNN do início do mês, Harris teria 45% de intenções de votos, ante 47% de Trump. Com Biden, a vantagem de Trump era maior: 49% a 43%.

Os números não parecem animadores, mas é preciso considerar dois fatores: Harris não tinha tido ainda a oportunidade de encabeçar a campanha como candidata a presidente; e não é a maioria nacional que define a eleição, mas o Colégio Eleitoral.

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Harris vem da Califórnia, onde os democratas têm incontestável maioria. Ela ampliará suas chances de vencer se trouxer para sua chapa alguém que governa um dos Estados-pêndulo, que dão a vitória ora a democratas ora a republicanos, e por isso são os que efetivamente decidem as eleições presidenciais.

Por essa lógica, os candidatos mais fortes são os governadores da Pensilvânia, Josh Shapiro, do Michigan, Gretchen Whitmer, e da Carolina do Norte, Roy Cooper, além do senador Mark Kelly, do Arizona. Uma medida do drama dos democratas é que, de 7, o número de Estados considerados em disputa subiu para 14. Outro cotado para vice é o governador Andy Beshear, do Kentucky, onde a vitória dos republicanos é garantida.

Trump foi buscar em JD Vance um candidato a vice que encarna os sentimentos dos trabalhadores sem diploma universitário do chamado Cinturão da Ferrugem, que inclui a Pensilvânia, o Michigan e Ohio, seu Estado de origem. Seu livro autobiográfico Hillbilly Elegy, um bestseller, descreve a decadência da indústria nesses Estados por causa da globalização.

A nomeação de Harris não deve ser seriamente desafiada dentro do Partido Democrata por vários fatores. Primeiro, porque, como a vice escolhida por Biden há quatro anos, ela é o nome natural para substituir e suceder o presidente. Como integrante da chapa de Biden, torna-se menos controversa a transferência para ela das doações de campanha e dos votos dos delegados eleitos nas primárias.

Por ser mulher e negra, a contestação de seu nome poderia assumir uma conotação racial e de gênero. Além disso, sua rejeição seria explorada pelos republicanos como mais uma evidência do fracasso do governo democrata, do qual afinal ela faz parte.

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Sua vitória no dia 5 de novembro é menos garantida. As dificuldades dos democratas não se restringem à decrepitude de Biden. Eles são eleitoralmente vulneráveis em dois dos três principais temas dessas eleições: a economia e a imigração. O terceiro tema é o direito ao aborto, que deixa os republicanos mais vulneráveis.

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Os índices econômicos dos Estados Unidos são bons: inflação de 3%, desemprego de 4% e crescimento de 2,5%. Entretanto, esses números destoam da experiência dos americanos, sobretudo os de renda mais baixa, originalmente a base eleitoral dos democratas. Depois do recorde de mais de 9% inflação em 2022, os preços dos alimentos e combustíveis estacionaram em um patamar alto. A taxa básica de juros alta para combater a inflação, atualmente na faixa de 5,25% a 5,50%, elevou as parcelas das hipotecas e, consequentemente, os alugueis.

Trump explora uma certa nostalgia dos americanos com a vida pré-pandemia sob o governo dele, quando sentem que tinham mais poder aquisitivo. Ele oferece ainda tarifas de importação mais altas para atrair mais empregos industriais e impulsionar a exploração do petróleo e gás, com o duplo benefício de gerar mais receitas e supostamente baixar o preço dos combustíveis.

O ex-presidente cita estatísticas sem base nos fatos, segundo as quais 20 milhões de imigrantes ilegais, incluindo criminosos saídos das prisões, ex-pacientes de hospícios, terroristas, traficantes e estupradores, teriam invadido os Estados Unidos sob o governo Biden. Como no caso da economia, mesmo que os números digam o contrário, é um discurso que atrai votos.

Harris estará mais à vontade no tema do aborto. A revogação da jurisprudência que garantia o direito ao aborto no nível nacional frustrou muitas eleitoras independentes e republicanas moderadas. A vice-presidente tem vocalizado essa frustração e proposto uma lei federal para garantir os direitos reprodutivos das mulheres. Vance, em contrapartida, opõe-se ao aborto até mesmo em caso de estupro, enquanto Trump delega a decisão aos Estados.

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Há mais dúvidas do que certezas em relação a esse novo capítulo da corrida presidencial americana. Fora da sombra de Biden, Harris construirá um novo discurso. As pressões sobre Biden para renunciar também à Casa Branca – afinal, se ele não pode fazer campanha, como pode governar? -- poderiam levar Harris a disputar o cargo na condição de presidente. E a escolha do vice também terá impacto.

A única certeza, neste momento, é a de que os democratas se livraram de um enorme peso.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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