ATUALIZAÇÃO: A juíza federal negou o pedido da defesa de Donald Trump de uma "ordem temporária de restrição" aos promotoressobre o exame do material recolhido no dia 9 de abril, na busca e apreensão em propriedades do advogado Michael Cohen.A juíza não decidiu sobre a indicação de observadores que decidam o que é relevante ou não para o processo criminal contra Cohen, o que deixa aberta a porta para o acesso preliminar aos documentos, pelas defesas de Trump e Cohen. O caso continua a tramitar no tribunal de Manhattan.
Advogados do Trump pediram, ontem à noite, que promotores federais não examinem milhares de documentos apreendidos na residência, escritório e quarto de hotel de Cohen, no dia 9, até que a defesa do presidente possa determinar o que constitui material privilegiado entre cliente e autor. Os promotores alegam que precisam levar o caso adiante, sugeriram risco de destruição de provas, mas concordaram em esperar a decisão da juíza do Southern District, o Distrito Sul. O tribunal, aberto em 1789, é o mais antigo em atividade nos EUA e por ele passaram casos como o desastre do Titanic e os Papeis do Pentágono, envolvendo o New York Times durante a guerra do Vietnã.
A juíza federal Kimba Wood, que exigiu a presença de Cohen hoje, depois que ele foi visto fumando charuto com amigos na rua longe do tribunal, durante a audiência com seus advogadona sexta-feira, tem fama de durona, e tem também uma história colorida.
A seguir os personagens da trama que se desenrola em Nova York:
Donald Trump - O presidente se encontra em oposição oposta ao seu Departamento de Justiça, que emprega os promotores federais processando seu advogado. Sua defesa quer que ele seja o primeiro a ver o que foi recolhido na batida do FBI.Advogados do Departamento de Justiça, argumentaram hoje, que o pedido do presidente estabelece um "perigoso precedente" jurídico. Fontes da Casa Branca sugeriram que Trump tem mais a temer com uma investigação criminal conduzida no Southern District de Nova York do que com a investigação do conselheiro Robert Mueller sobre conluio com a Rússia e possível obstrução de justiça. Pelo conteúdo dos documentos arquivados no tribunal em Manhattan, os promotores alegam que Cohen agia frequentemente como facilitador de negócios e "faxineiro" de problemas pessoais de Trump, o que excluiria a confidencialidade de comunicações entre advogado de defesa e cliente.
Michael Cohen - O advogado teve basicamente um só cliente, na última década - o presidente americano. Ele admitiu pagar US$ 130 mil a Stormy Daniels, pouco antes da eleição presidencial de 2016, em troca do silêncio da atriz sobre o caso que diz ter tido com Trump, o que ele nega. Nos últimos meses, quando a história do pagamento a Daniels foi revelada, Cohen fez pressão para que ela continuasse calada e ameaçou cobrar da atriz multas de milhões de dólares por quebrar o contrato de confidencialidade. Agora é processado por Daniels por difamação. Na batida do FBI, segunda-feira passada, os agentes procuraram também documentos ligados a outra mulher cujo silêncio foi comprado em troca de não revelar um alegado romance com Donald Trump, a ex-coelhinha da Playboy Karen McDougal. Agora, McDougal processa o tabloide sensacionalista National Enquirer, que comprou seu silêncio por US$ 150 mil antes da eleição de 2016 e cujo proprietário é velho amigo de Donald Trump.
Stormy Daniels - A atriz, que chegou cercada de forte segurança, não tem motivo para estar no tribunal, a não ser para obter mais publicidade e provocar nervosismo em Michael Cohen, cuja situação legal, na última semana, se revelou bem mais vulnerável. Daniels, cuja carreira, segundo ela, foi beneficiada pelo escândalo, quer contar sua história.
Michael Avenatti - O advogado californiano de Stormy Daniels, contratado há poucos meses, é experiente em litígios e conhecido por ganhar uma causa de quase meio bilhão de dólares contra um gigante da indústria farmacêutica por material cirúrgico defeituoso, em 2017. Ele move uma ação para forçar o presidente Trump a depor durante até duas horas e responder perguntas sobre sua suposta relação com Daniels. Avenatti é calmo, articulado e explora ao máximo a notoriedade da nova cliente, além de fazer múltiplas aparições em talk shows. Na manhã de segunda-feira, Avenatti colocou no Twitter uma citação do filósofo espanhol George Santayana - "Aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la" - sobre uma manchente do New York Times, de 1991, anunciando que o lugar-tenente do lendário chefe mafioso John Gotti ia começar sua delação premiada. Isto depois de um fim de semana em que o ex-diretor do FBI, James Comey, demitido em maio passado por Trump, comparou o presidente aos chefes mafiosos que processou no passado.
Kimba Wood - A juíza federal de 71 anos, elogiada pelo intelecto e conhecida como dura, frequentou manchetes desairosas em 1993. Foi escolhida pelo então presidente Bill Clinton como Secretária de Justiça e teve que desistir do cargo quando revelaram que ela tinha empregado uma babá imigrante sem documentos. Pouco depois, a juíza enfrentou outro pequeno escândalo, quando o diário de um milionário casado com que ela mantinha um romance, foi apresentado no tribunal como prova da "outra mulher." Wood tem um doutorado em Direito pela Universidade de Harvard, é respeitada por seus pares e foi quem julgou o primeiro grande caso da farra dos anos 1980 em Wall Street, condenando Michael Milken, o "rei dos junk bonds" (papeis podres) a dez anos de prisão. E, como cereja narrativa nesta trama que desafia a imaginação, Kimba Wood, enquanto cursava a London School of Economics há meio século, passou cinco dias treinando para ser coelhinha da Playboy.
Cliente número 3 - Michael Cohen declarou no tribunal, nesta segunda-feira, que durante o último ano, só teve três clientes. O primeiro é Donald Trump; o segundo é Elliott Broidy, proeminente arrecadador de fundos do Partido Republicano, casado, que acaba de renunciar em desgraça por ter, através de Cohen, pago US$ 1.6 milhões a outra coelhinha da Playboy que ficou grávida dele e fez um aborto; e um "cliente número 3" que insiste em não ser identificado. O anonimato durou pouco. O advogado de Cohen acaba de ser forçado pela juíza Kimba Wood a revelar no tribunal o nome do Cliente número 3: ele é Sean Hannity, âncora da Fox News e um apaixonado defensor do presidente, além de propagador de variadas teorias conspiratórias.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.