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Opinião|Guerra Fria entre EUA e China tem um novo palco: a natação olímpica

Nova superpotência, Pequim desafia americanos em esportes que eles sempre dominaram, como a natação

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Foto do author Luiz Raatz
Atualização:

A Olimpíada de Paris está repleta de cenas marcantes, como o duelo entre Rebeca Andrade e Simone Biles na ginástica, o domínio absoluto de Teddy Rinner no judô e a foto fantástica de Gabriel Medina flutuando sobre o mar. Mas uma cena que passou desapercebida para a maioria do público me chamou a atenção: a ascensão da China na natação.

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Os chineses conquistaram dois ouros. Um nos 100 m livre, com Pan Zhan-le, com direito a quebra de recorde mundial, e outro com a equipe de revezamento 4x100 medley. Esta última medalha foi especialmente simbólica, porque, com ela, os chineses derrubaram uma hegemonia americana de 64 anos na prova.

O bom desempenho chinês, que dobrou o número de medalhas em relação a Tóquio, criou polêmicas. A equipe chinesa foi acusada de recorrer ao doping, sobretudo em razão da vitória de Pan, que colocou um segundo e um corpo sobre o segundo colocado. Algo que, na opinião do treinador australiano Brett Hawke, ex-técnico de Cesar Cielo, é impossível.

Equipe chinesa do revezamento 4x100 medley comemora ouro em Paris Foto: Brynn Anderson/AP

Embora haja diversos casos de doping nos últimos anos com nadadores chineses, a maioria defendida como casos de contaminação, os chineses atribuem a acusação ao preconceito. Em Pequim, por exemplo, Usain Bolt correu 100m raros em 9s69, algo que se pensava humanamente impossível (ele ainda baixaria o recorde para 9s58 um ano depois).

O fato é que a ascensão olímpica da China coincide com sua transformação em superpotência global. Em Paris, os chineses lutam medalha a medalha com os Estados Unidos pelo topo do quadro. A tendência é que a disputa dure até o final. Com três dias de competição pela frente, o placar de ouros está 30 a 29 para os americanos.

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Não seria a primeira vitória chinesa no ranking geral da Olimpíada. Em 2008, em casa, o país terminou os Jogos em primeiro pela primeira vez, com 48 ouros, contra 36 dos americanos. À época, o governo chinês apostou em um largo programa estatal de esportes, com foco em modalidades individuais que traziam um grande número de medalhas, como o levantamento de peso e os saltos ornamentais, por exemplo.

Vinte anos antes, em Seul, quando a ascensão econômica chinesa ainda era um tímido plano de Deng Xiaoping, os chineses ficaram em 11º, com apenas cinco ouros. Um desempenho similar ao do Brasil nos dias de hoje.

A diferença da vitória chinesa em Pequim para Paris é justamente que os chineses estão bem em modalidades que não tinham tradição, e a natação é o exemplo mais significativo disso.

Em Tóquio, os americanos levaram a melhor sobre os chineses por apenas um ouro. Paris dá sinais de que a disputa também irá até o último dia.

Em algumas modalidades onde antes eram absolutamente dominantes os Estados Unidos vêm dando nas últimas décadas sinais de defasagem. O atletismo de velocidade viu o domínio da Jamaica por três ciclos olímpicos com o fenômeno Bolt. Mesmo no basquete, onde são dominantes, tomaram um susto em 2004, com a derrota para a geração dourada da Argentina de Manu Ginobili e Luis Scola.

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A derrota fez a NBA rever a sua estratégia nos Jogos. Em Pequim, o time da redenção (Redeem Team, em inglês), comandado por LeBron James e Kobe Bryant ganhou o ouro, e desde então a tradição se manteve. Essa história, inclusive, é contada num excelente documentário de mesmo nome, disponível na Netflix.

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A Rússia, por sua vez, ficou fora dos Jogos, por causa da invasão da Ucrânia. Seu líder, Vladimir Putin, um saudosista da União Soviética, já tinha visto seus atletas serem punidos em Tóquio por causa do escândalo de doping patrocinado pelo Estado russo.

Mas não é só no topo do quadro de medalhas que a geopolítica dá suas caras nas Olimpíadas. Cuba, que nos anos de Fidel Castro era uma potência olímpica, anda mal das pernas. Está em 22º lugar, com apenas dois ouros, uma prata e três bronzes. Na primeira Olimpíada depois da queda do Muro de Berlim, em Barcelona, a ilha foi a quinta no quadro de medalhas. Esportes antes tradicionais como o vôlei e o atletismo já não rendem como antigamente.

Rebeca Andrade é a maior medalhista olímpica da história do Brasil Foto: Gabriel Bouys/AFP

Na outra ponta, não deixa de encher os olhos a evolução do Brasil. Em Barcelona foram apenas 3 medalhas, com Rogério Sampaio, o vôlei masculino e Gustavo Borges. Agora, a cada Olimpíada o País briga a cada ciclo para quebrar seu recorde no número de medalhas.

O sucesso olímpico também reflete a melhora do país, que se estabilizou economicamente a partir da década de 90 com o controle da inflação e se aproveitou do ciclo das commodities para expandir a classe média.

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Se no passado, nosso principal esporte era a Vela, praticado por uma pequena elite de imigrantes nórdicos, hoje o judô, com seus projetos sociais que revelaram talentos como Rafaela Silva, se tornou o esporte que mais deu medalhas ao Brasil. E nossa maior medalhista da história é uma mulher da periferia de Guarulhos que ascendeu no esporte o seu principal talento. Que venham muitas outras Rebecas, Rafaelas, Bias e Fadinhas.

Opinião por Luiz Raatz

É jornalista formado pela PUC-SP. Subeditor de internacional do Estadão, tem 20 anos de experiência em coberturas na América Latina e Oriente Médio.

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