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Análise | Nem a oposição, nem Trump: quem poderia derrotar a ditadura Maduro na Venezuela é a energia limpa

Casa Branca pode pressionar com sanções, mas sufocar economia venezuelana levaria milhares de imigrantes aos Estados Unidos

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Atualização:

Nicolás Maduro venceu, mais uma vez. Não nas urnas, claro, já que as evidências de fraude no 28 de julho são bastante consistentes. As atas reunidas pela oposição sugerem uma coisa, e o resultado que o chavismo tirou da própria cabeça, outra. Se a Venezuela fosse um país normal, Edmundo González teria sido eleito e estaria tomando posse nesta sexta-feira.

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Mas o realismo mágico não é nada perto do cotidiano da América Latina. Se letrado fosse, Maduro faria qualquer obra de Garcia Márquez parecer um relato insosso e burocrático da realidade. A Venezuela é coisa de maluco.

O ditador chavista começa hoje seu terceiro mandato e se chegar no mínimo a 2027, superará Hugo Chávez como líder mais longevo da ditadura bolivariana. Mas Chávez e Maduro são animais políticos distintos, ainda que ambos sejam autoritários.

Ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, tomou posse após eleição marcada por denúncia de fraude.  Foto: Jhonn Zerpa/Presidência da Venezuela via AFP

Chávez tinha carisma, capital político, uma mensagem e, sobretudo, recursos para realizar sua chamada revolução bolivariana. Os dólares quase infinitos que obteve com a exploração de petróleo lhe renderam popularidade e votos, numa receita populista que lhe manteve no poder por mais de uma década. Não era necessário fraudar eleições porque ele tinha votos suficientes. E esses votos lhe deram a coragem para desmontar a democracia venezuelana. O barril a mais de US$ 100 financiou desde programas sociais à compra do apoio de empresários e militares.

Mas o câncer levou Chávez em 2013 e a presidência caiu no colo de Maduro. Sem carisma, sem capital político e sem mensagem, restou a ele apenas dizer que falava com passarinhos. Para piorar, em 2014, o preço do petróleo desabou, e com ele, a popularidade do regime.

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Maduro então optou pela repressão e por dividir o butim do dinheiro que ainda entrava do petróleo com a cúpula militar chavista, que lhe deu — e dá — aval até hoje. Milhões de pessoas fugiram da Venezuela, a posição se fragmentou após o endurecimento do regime e o ditador se isolou cada vez mais após as sanções impostas por Trump, ainda no primeiro mandato do americano.

A pandemia e a guerra na Ucrânia, no entanto, trouxeram de volta a necessidade de novas fontes de petróleo no Ocidente. Isso, junto com a necessidade de interromper o fluxo de milhares de venezuelanos que chegaram aos EUA no governo Biden, ajudou a reabilitar Maduro.

O acordo era simples: Os EUA retirariam parte das sanções e ele venderia mais petróleo. Em troca, Maduro receberia os imigrantes ilegais de volta e realizaria eleições livres.

Com isso, as exportações de petróleo venezuelano cresceram 10,5% no ano passado. A produção também aumentou e hoje está na ordem de 914 mil barris por dia. É ainda muito abaixo do auge dos anos de Chávez, mas representa uma recuperação consistente na comparação com os anos mais agudos da crise.

Assim, o dinheiro voltou a fluir. Uma certa liberalização econômica melhorou as condições do país e a vida voltou a ser boa para a elite chavista. Militares e a burocracia partidária voltaram a chupinhar os recursos do petróleo.

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O que o ditador nunca teve, no entanto, foi apoio popular. Inebriado pelo próprio poder, achou que seria aclamado nas urnas se barrasse Maria Corina Machado nas eleições do ano passado e a oposição colocasse um poste qualquer no lugar.

O problema é que preferiram o poste. Edmundo González, ao que tudo indica, teve mais votos, e os realistas mágicos de Miraflores tiveram que inventar um número qualquer para justificar uma vitória ilusória.

Com Trump de volta, Maduro segue com a carta da imigração na manga. Qualquer sanção ou rompimento pode automaticamente lançar milhares de pessoas pela selva do Darién para atravessar o Rio Grande para atrapalhar o sonho da América Grande de Novo.

Além disso, o petróleo segue tão importante no mundo quanto sempre foi, e a máxima republicana é explorá-lo até a última gota continua valendo como um dogma. Se houver quem quer comprar, haverá quem vender, e a galinha chavista seguirá botando seus ovos de ouro.

Milícias apoiadas pelo regime marcham em Caracas antes da posse.  Foto: Cristian Hernandez/Associated Press

Por outro lado, os militares estão fortes como sempre e comandam toda a economia do país, tanto a legal quanto a ilegal. E a oposição está mais dizimada e derrotada do que nunca.

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Diante de tudo isso, a única coisa que pode enfraquecer Maduro é o bolso. A petroditadura só se sustenta por causa de seu principal produto exportador, e esse volume de recursos está aumentando ano a ano.

Trump até poderia apostar em uma retomada de sanções, mas a questão migratória pode ser seu calcanhar de Aquiles. O próprio Maduro já sinalizou que pretende seguir colaborando com o republicano na questão.

O ditador só perderá o poder quando não puder mais bancar o Estado parasitário que criou. Nesse sentido, o avanço da transição energética e da substituição de combustíveis fósseis por renováveis em ampla escala não só salvaria o planeta como, de quebra, o livraria de um facínora.

Hoje foi divulgado que em 2024 o planeta passou pela primeira vez o limite de aquecimento de 1,5ºC, crucial para evitar uma catástrofe ainda maior. Ou seja, tanto a derrota do chavismo quanto do aquecimento global parecem improváveis.

Análise por Luiz Raatz

É jornalista formado pela PUC-SP. Subeditor de internacional do Estadão, tem 20 anos de experiência em coberturas na América Latina, Estados Unidos e Oriente Médio.

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