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Opinião | O que Trump prometeu e o que ele efetivamente está fazendo?

Desde 20 de janeiro, o republicano assinou 38 decretos. O ritmo é o mais agressivo desde 1945, quando Harry Truman herdou a presidência de Franklin Roosevelt

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Foto do author Luiz Raatz

Como todo narcisista, Donald Trump é um adepto do exagero. Se o seu vocabulário modesto limita a ânsia pela grandeza a “Vamos fazer a América de grande de novo” e mais duas ou três frases de efeito é inegável que o que ele mais gosta é de pôr o próprio nome nas coisas: Trump Tower, Trump University, Trump Bible, Trump Sneakers e por aí vai.

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Desde 20 de janeiro, o republicano assinou 38 decretos. O ritmo é o mais agressivo desde 1945, quando Harry Truman herdou a presidência de Franklin Roosevelt com a 2ª Guerra já caminhando para o fim e em 100 dias assinou mais de 50 decretos, como mostra um levantamento do Axios. Trump também caminha para bater o segundo na lista, seu antecessor Joe Biden.

Os decretos tem como objetivo acelerar a implementação das propostas de Trump na campanha. Filtrando toda a espuma que envolve as ameaças à Colômbia e ao Panamá, a mudança do nome do Golfo do México e as grosserias ditas à premiê dinamarquesa como parte de sua campanha para adquirir a Groenlândia, o fato é que Trump age em quatro frentes para remodelar a América à sua imagem e semelhança: imigração, energia, relações internacionais e burocracia federal.

Donald Trump conversa com imprensa antes de assinar mais um decreto executivo na Casa Branca. Foto: Roberto Schmidt/AFP

Pode-se acusá-lo de muitas coisas, menos de estelionato eleitoral. O Projeto 2025 está a todo vapor e fevereiro ainda nem começou.

A maior parte dos decretos de Trump tem como objetivo endurecer o combate à imigração ilegal nos EUA. Em apenas dez dias, ele tentou, na canetada, abolir a cidadania de filhos de estrangeiros nascidos América, decretou emergência na fronteira e usou uma lei de 1798 para autorizar militares a prender imigrantes ilegais, além de decidir usar Guantánamo como um campo de prisioneiros para quem entrou nos Estados Unidos sem autorização.

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Mas, se o presidente pode muito, ele não pode tudo. O decreto que retirava a cidadania de filhos de imigrantes nascidos nos EUA, por exemplo foi considerado inconstitucional pela Justiça.

Na campanha, Trump prometeu expulsar todos os imigrantes ilegais dos Estados Unidos, estimados entre 11 milhões e 14 milhões de pessoas. No domingo, o Departamento de Imigração e Alfândega prendeu 1,2 mil imigrantes, o recorde desde o início do governo. Insatisfeito com os números de detenções, Trump estabeleceu uma cota diária de prisões, de 1,8 mil por dia.

Numa conta de padaria, se o ICE conseguir manter essa média de 1,2 mil prisões até o fim do mandato, deteria 438 mil pessoas por ano. Em quatro anos, esse número pularia para 1,75 milhão. Se “La Migra” conseguir cumprir a cota de Trump e prender 1,8 mil pessoas por dia até o fim do mandato, melhora um pouco. Seriam 657 mil por ano e 2,63 milhões ao longo do mandato.

Ou seja, na melhor das hipóteses, Trump conseguiria expulsar menos de um em cada quatro ilegais que vivem no país, isso se a meta que ele próprio estabeleceu para seus agentes for cumprida. Nesse ritmo, os 11 milhões de imigrantes só seriam expulsos dos EUA em 2041, quando o presidente, se tiver saúde e Deus lhe guardar, completará 95 aninhos.

Mas é claro que o propósito de Trump nunca foi expulsar todo mundo.

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Trump opera com base na intimidação. Se a comunidade internacional fosse um grande colégio interno, Trump seria o estudante que faz bullying com todos os outros, roubando lanches, agredindo os mais fracos e colocando medo até nos mais fortes.

Isso ficou claríssimo no entrevero entre o magnata republicano e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro na semana passada. Petro ousou negar receber um voo com expatriados colombianos e Trump reagiu agressivamente, ameaçando a Colômbia com tarifas de até 50% a suas exportações para os EUA.

Na nossa metáfora do colégio interno, depois de ter sido ridicularizado em frente de todo recreio, Petro não teve alternativa que não fosse dar a lancheira cheia de doces para o autor do bullying.

A intimidação, no entanto, não acontece só na lógica das relações internacionais.

Por mais que Trump expulse um número ínfimo de imigrantes, a vitória não vem da promessa cumprida. Ela vem da lógica com a qual a sociedade americana passará a ver a imigração a partir de agora. A lógica do medo e da intimidação.

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Nos últimos dias, pipocam relatos na imprensa e nas redes sociais de apreensões de imigrantes em locais públicos, como igrejas e escolas, por exemplo.

E se um vizinho com green card resolver fazer uma denúncia anônima de alguém não regularizado?

Ou se um empregador preferir não contratar um venezuelano que entrou ilegalmente no país depois de Trump cancelar o status de refugiado aos que fogem da ditadura chavista?

Os Estados Unidos são a democracia mais avançada do planeta fundamentalmente em razão do império da lei e da eficiência de seu Estado de direito. Quando ambos funcionam corretamente, são o melhor antídoto contra a intimidação, afinal, são uma garantia de que os seus direitos serão preservados.

E é aí que chegamos no segundo ponto da agenda de Trump. O presidente abusou da figura do perdão presidencial para, também numa canetada, perdoar quase todos os condenados pela invasão ao Capitólio, a maior ameaça à democracia americana desde a Guerra Civil.

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(É verdade que Biden fez o mesmo ao perdoar seus filhos, familiares e aliados políticos, o que só mostra o nível de esgarçamento do tecido institucional americano, mas nenhum dos beneficiários do perdão democrata invadiu o Congresso tentando enforcar o vice-presidente da República).

Além de perdoar os seus, Trump também puniu os rivais. Retirou credenciais de segurança e a proteção do serviço secreto de desafetos como John Bolton e Mike Milley, críticos de seu primeiro mandato e da sua negativa em transferir o poder pacificamente para Biden em 2021.

Em outro decreto, Trump também ofereceu a demissão voluntária a 2,3 milhões de trabalhadores do funcionalismo federal americano, sob a justificativa de agilizar a máquina estatal, mas também tendo em mente sua promessa de desmontar o “deep state”, que, segundo ele, estaria alinhado aos democratas.

Ele também congelou programas de assistência social do governo federal, ainda que essa decisão tenha sido revertida na Justiça.

Todo esse corte de gastos, no entanto, tem um outro objetivo. Os republicanos pretendem no fim do ano estender o corte de impostos para os mais ricos aprovado por Trump em 2017. Para financiá-lo terá de haver cortes. Esses cortes virão provavelmente de benefícios sociais e de demissões no funcionalismo.

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Trump tem compromissos de campanha e ainda que tenha muito poder, deve favores a muita gente. Por mais que ele domine completamente o partido e o seu carisma e apoio político tenham rendido uma vitória não só na Casa Branca, mas também na Câmara e no Senado, doadores e a cúpula do partido exigem que o coração da agenda republicana - a diminuição do tamanho do Estado - seja aprovada.

É nesse contexto que deve ser observada também a retirada de Trump do acordo de Paris, a liberação da exploração de petróleo no Ártico e até mesmo o fim do incentivo a carros elétricos.

Por mais que Elon Musk seja seu novo melhor amigo, o presidente deve, e muito, à indústria do petróleo. Musk gastou US$ 277 milhões para apoiar Trump na eleição. As petrolíferas gastaram US$ 445 milhões no ciclo eleitoral - quase o dobro.

Opinião por Luiz Raatz

É jornalista formado pela PUC-SP. Subeditor de internacional do Estadão, tem 20 anos de experiência em coberturas na América Latina, Estados Unidos e Oriente Médio.

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