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Países que Trump quer anexar têm minérios estratégicos que definirão rumo da Guerra Fria com a China

Controle sobre a cadeia de suprimentos de minerais críticos e terras raras tornou-se uma questão estratégica para os EUA

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Foto do author Luiz Raatz

No começo, parecia uma patacoada.

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Antes mesmo de voltar à Casa Branca, em janeiro, Donald Trump voltou a ventilar a ideia de que os Estados Unidos deveriam comprar a Groenlândia da Dinamarca.

Mais ou menos na mesma época, o republicano começou a se referir ao Canadá como o 51º Estado americano e sugeriu que os EUA deveriam anexar o vizinho do norte. A proposta dominou o noticiário, e alguns comentaristas a desqualificaram como apenas mais uma pirotecnia retórica do novo presidente. Era só Trump sendo Trump, diziam eles.

Mas os gracejos pararam depois de o republicano chegar de fato à Casa Branca e começar a negociar o fim da guerra da Ucrânia. Entre suas demandas, estava o acesso às riquezas subterrâneas de Kiev em troca da ajuda militar que os EUA deram a Volodmir Zelenski nos últimos três anos.

“Eu quero ter segurança sobre as terras raras,” disse Trump em 3 de fevereiro. “Estamos investindo centenas de bilhões de dólares na Ucrânia e eles têm ótimas terras raras. E eu quero as terras raras.”

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Foi quando algumas fichas começaram a cair. Trump estava falando sério.

Em um encontro com empresários no dia 7, o então premiê canadense Justin Trudeau disse que Trump falava em tornar o Canadá um Estado por estar de olho em seus minerais de terras raras, estimados pelo governo local em 15 milhões de toneladas.

Em 4 de março, ele disse publicamente que suspeitava das intenções de Trump. “O presidente planeja um colapso total da economia canadense, pois isso facilitará a nossa anexação”, disse.

Ameaçados pela retórica agressiva de Trump, Canadá, a Groenlândia e a Ucrânia têm algo em comum. Eles estão entre os dez países com maiores reservas dos chamados metais de terras raras.

Nessa lista, China é a primeira colocada, com 41 milhões de toneladas. O Brasil é o segundo, com 21, seguido do Canadá, que diz ter 15 milhões de toneladas comprovadas. A Ucrânia teria reservas estimadas em 6 milhões de toneladas, mas, em meio à guerra, estudos mais definitivos foram interrompidos.

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Pequim domina amplamente a extração e o refino das terras raras. Os chineses têm 50% das reservas mundiais e controlam 70% da produção. Os EUA vêm num distante segundo lugar, com 11%, segundo levantamento do Serviço Geológico americano.

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E por sua importância estratégica na produção tanto de produtos de alto valor agregado, quanto na construção de infraestrutura de energia limpa e de Defesa, o controle sobre a cadeia de suprimentos desses minerais tornou-se uma questão estratégica para os EUA.

Segundo Gracelin Baskaran, diretora do Programa de Segurança de Minerais Críticos no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), nos últimos 30 anos, a China se tornou o principal ator na cadeia global de suprimento de minerais. Pequim controla a extração e o refino não só de terras raras, mas também de uma categoria mais ampla, a dos chamados minerais críticos. Essas commodities, que incluem metais como lítio, cobalto, níquel e grafite, são usadas hoje em dia nos setores mais estratégicos da economia mundial.

“Esse domínio é o resultado de anos de planejamento industrial e iniciativas de política externa de Pequim”, diz. “Embora a China produza apenas 10% dos metais críticos, ela importa quantidades suficientes para processar de 65% a 90% do suprimento global desses metais.”

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Mas, afinal, o que são terras raras?

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A maioria dos alunos de Ensino Médio, quando apresentada a uma tabela periódica, tem de decorar algumas frases de fácil memorização, como a do título acima, para aprender os símbolos dos elementos encontrados na natureza.

Mas ninguém precisa decorar a tabela inteira. Enquanto elementos como berílio, magnésio e cálcio caem nas provas de química há décadas, minerais de terras raras como neodímio, disprósio e gálio passam batido da maioria dos alunos. Mas, conforme o século 21 avança, essa “tradição” tem tudo para acabar.

Esses minérios estão ficando cada vez mais conhecidos por sua utilização na fabricação de carros elétricos, semicondutores, drones e telefones celulares, além de terem aplicação nas áreas de geração de energia e Defesa.

Um tesouro dentro da terra

O professor da Escola Politécnica da USP Fernando Landgraf, especialista no tema, explica que esses metais, de raros, não têm nada. Eles são abundantes na natureza, mas surgem em condições muito específicas. “As terras raras costumam aparecer associados a vulcões, que trazem lá do núcleo da terra um monte de coisa, entre elas minerais com baixos teores de terra rara”, diz.

As aplicações das terras raras na indústria são estudadas desde os anos 60. Mas o jogo mudou na década de 80, com a descoberta do super-ímã de neodímio. “O que é um ímã? É um material que resiste à desmagnetização. As terras raras são os elementos que conseguem aumentar essa resistência à desmagnetização, e com isso a força do ímã”, explica Landgraf. “Elas são muito melhores que qualquer coisa que a gente tinha antes da sua descoberta.”

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Os ímãs de alta performance construídos com neodímio e disprósio têm várias aplicações, mas a mais conhecida delas é em motores de carros elétricos. Funciona assim: a bateria fornece eletricidade para o motor. Essa eletricidade cria um campo eletromagnético. Dentro do motor, os super-ímãs, reagem a esse campo magnético numa espécie de “dança”, fazendo uma peça dentro do motor girar. Essa rotação é levada para as rodas e o carro anda.

Mas as terras raras e seus super-ímãs também são usados na construção de celulares, turbinas eólicas, painéis solares e na indústria de Defesa. Um caça F-35, a joia da coroa da Força Aérea americana, por exemplo, usa 400 quilos desses minerais para construir seus radares, motores elétricos e componentes eletrônicos. Em submarinos e destroieres, o volume é ainda maior: de duas a quatro toneladas, segundo um estudo do Ministério de Defesa da Alemanha.

Um processo complexo

Só que a extração de desses metais é um processo complexo. Para começar, em média, apenas 2% do que é minerado corresponde aos óxidos de terras raras. Mas o problema não para por aí, porque os 17 elementos de terras raras encontrados na natureza geralmente estão juntos e precisam ser separados.

“Depois de extrair esses 2%, eu preciso pegar esses óxidos de terra rara e ver quais dos 17 que me interessam. No caso do mais usado, o neodímio, ele responde em média a 15% desses 2% que foram extraídos”, acrescenta.

Esse trabalho todo gera uma indústria que gera, por ano, US$ 12 bilhões, segundo a consultoria americana Imarc. É pouco, mas é um mercado que deve crescer num ritmo de mais de 10% ao ano e chegar a US$ 37 bilhões em 2034.

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Segundo Hakon da Silva Hyldmo, pesquisador PHD do Departamento de Geografia e Antropologia Social da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), quando falamos em terras raras precisamos falar também de minerais críticos.

“A China não controla apenas a extração e a mineração de terras raras e minerais críticos, mas também grandes partes da cadeia de valor, já que domina também a produção de microchips, baterias e carros elétricos”, diz. “Esses materiais são fundamentais para crescimento econômico com corte de emissões.”

Gracelin Baskaran, do CSIS, acrescenta que é esse domínio chinês que coloca os EUA numa posição difícil. “A competitividade nos setores onde esses minerais são usados será fundamental para determinar a posição dos Estados Unidos como superpotência global ”, diz. “ O domínio chinês cria vulnerabilidades estratégicas, expondo os Estados Unidos a possíveis interrupções no fornecimento, e proteger essa cadeia de suprimento é um imperativo de segurança nacional.

Trump discute com Zelenski na Casa Branca Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Fragilidade estratégica americana

Diante dessa fragilidade estratégica, ainda no governo Biden, o Departamento de Estado criou um fórum para discutir a exploração de minerais críticos e terras raras em países ricos nessas reservas. A primeira reunião, no ano passado, reuniu, entre outros, Canadá, Groenlândia, e Ucrânia, justamente os países que Trump tem ameaçado.

Desde 2022, o governo americano publica uma lista com 50 minerais críticos que julga necessitar de uma reserva estratégica. Destes, 41 são importados da China, de acordo com um levantamento feito pelo CSIS. Pequim é o maior produtor de 29 deles.

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Para Klaus Dodds, professor de geopolítica do Royal Holloway, na Universidade de Londres, a recente decisão chinesa de bloquear a exportação de terras raras para os EUA, motivada pelas tarifas de Trump, é uma evidência da exposição americana a esse controle de Pequim sobre a cadeia de logística desses minerais.

“A China há muito tempo entendeu que tem potencial de influência sobre os outros países nesse mercado estratégico e explora isso tanto por meio de suas próprias riquezas minerais, como no caso das terras raras, ou usando acordos comerciais para exercer influência sobre terceiros”, diz.

Eleição na Groenlândia: território que quer independência da Dinamarca vem sendo cobiçado por Trump Foto: Evgeniy Maloletka/AP

O neoimperialismo de Trump

Enquanto Biden procurava garantir uma diversificação do acesso americano a esses metais estratégicos por meio dos canais convencionais de negociação e diplomacia, Trump retornou à Casa Branca chutando a porta.

“Trump é implacável em sua busca pela sua agenda da América em primeiro lugar. Não há mais aliados. Há países com os quais os EUA fazem negócios. Trump está falando sério quando diz que o Canadá será o 51º Estado e que a Groenlândia poderá ser comprada”, acredita Dodds.

A obsessão de Trump com recursos usados na transição verde podem parecer apenas focados nas necessidades do Pentágono ou de seu principal financiador, o empresário Elon Musk, dono da Tesla. Mas o professor da Universidade de Londres vê um outro objetivo nas movimentações do presidente.

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“Trump pensa da seguinte maneira: se os EUA têm uma vantagem militar, isso também pode ser transformado em uma vantagem comercial. Na Groenlândia e na Ucrânia, ele pode usar seu poder financeiro e militar superior para obter ganhos comerciais. No longo prazo, ambas podem oferecer aos EUA recursos valiosos que podem ser usados como poder de barganha sobre outros países”, diz Dodds. “No final das contas, estamos assistindo à rivalidade entre grandes potências e à criação de novas esferas de influência.”

Militar canadense participa de exercício estratégico no Ártico: país também teme retórica de Trump Foto: Cole Burston/COLE BURSTON

A opção europeia

Nesse cenário, quem aparece como um parceiro confiável e menos belicoso é a União Europeia. O bloco tem poucas reservas de terras raras e minerais críticos, e, assim, como os EUA, já se prepara para construir uma reserva estratégica.

A Noruega tem algumas reservas de terras raras, mas elas estão perto de jazidas de urânio, o que traz consequências ambientais graves para a exploração, além de encarecer o processo.

Com essa disputa cada vez maior entre EUA e China, a UE se vê acuada. Para Hakon da Silva, isso provocou a necessidade de os europeus buscarem soluções domésticas e em outros parceiros pelo mundo.

“A Europa basicamente compra as terras raras da China, mas com Trump intimidando todo mundo cada vez mais, você vê um cenário em que a União Europeia começa a pensar: “Bem, vamos precisar refinar isso no Brasil, no Canadá ou no Vietnã'”, explica. “É uma certa reconfiguração de estratégias.”

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Instalações de beneficiamento de óxidos de terras raras em Minaçu (GO) da mineradora Serra Verde  Foto: Divulgação/Mineração Serra Verde

Um caminho para o Brasil

Quem pode ganhar com isso é o Brasil. Segundo uma fonte da diplomacia francesa, o presidente Emmanuel Macron tem interesse em ampliar as relações do país e da União Europeia com o País na exploração de minerais críticos.

O Brasil tem uma das maiores reservas mundiais de níquel, grafite e nióbio. No caso das terras raras, o País ainda tem uma vantagem adicional: a presença de argila iônica, um tipo de material onde as terras raras são encontradas de refino mais simples e menos poluente, por conter menos urânio, um material radioativo.

“O teor de terra rara na argila iônica é menor, mas é fácil de extrair”, explica o professor Landgraf.

Ainda de acordo com ele, o Brasil tem uma vantagem em relação aos outros países ricos em terras raras porque os nossos vulcões têm uma formação geológica antiga, com mais de 60 milhões de anos.

“O desgaste geológico ao longo das eras não só pulverizou a pedra como também concentrou os níveis de terras raras. Se você pegar um vulcão da Groenlândia, com rochas relativamente recentes, você vai ter que moer aquilo até virar talco. E isso custa muito caro”, diz.

“Por isso a argila iônica é uma maravilha. ela não precisa ser quebrada e o ataque químico da chuva ‘lavou’ aquilo. E pra sorte de quem tem argila iônica, não só o urânio foi embora (o que diminui o custo ambiental), mas a cesta de terra rara que ela tem potencialmente tem mais valor. "