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Opinião | Promessas de Trump de trazer paz para Gaza e Ucrânia estão se mostrando uma ilusão perigosa

Tanto Netanyahu quanto Putin contam com a continuidade da guerra para manter sua agenda pessoal de poder

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Foto do author Luiz Raatz

Há uma gíria muito usada pela comunidade ítalo-americana em Nova York e New Jersey que Donald Trump deve conhecer: fugazi. A melhor tradução para o português talvez seja “conversa mole” e é usada para descrever algo falso, ilusório ou sem sentido.

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Ela ficou mais conhecida do grande público no filme Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, numa cena entre Leonardo Di Caprio e Matthew McConaughey, quando este último descreve o funcionamento de Wall Street como algo que, no fundo, não faz o menor sentido.

Não sei se Trump viu o filme - deveria, porque é ótimo -, mas seus planos de cessar-fogo em Gaza e na Ucrânia são exatamente como McConaughey descreve para DiCaprio: “Ninguém sabe se a bolsa vai subir ou descer...é tudo fugazi...não existe, não está na tabela periódica, não é real.”

Trump gosta de falar grosso. Antes da posse, fez uma série de ameaças ao Hamas e, por meio de seu enviado ao Oriente Médio, Steve Witkoff, conseguiu convencer o premiê Binyamin Netahyau a aceitar uma trégua e uma troca de reféns. O plano, em três fases, previa o fim progressivo das hostilidades e era praticamente o mesmo oferecido por Joe Biden e descartado por Israel meses antes.

A segunda fase da trégua, que previa a retirada de Gaza e a libertação de mais reféns, começaria em março, mas não avançou diante da oposição de membros radicais do governo israelense que sustentam a coalizão de Netanyahu, além da resistência do próprio Bibi, que sabe que o fim da guerra significa o fim de seu mandato e o retorno da lupa da Justiça sobre seus malfeitos.

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Na segunda-feira, Israel alegou a necessidade de um ataque preventivo contra o Hamas, violou a trégua, matou mais centenas de palestinos e disse que agora a conversa é “debaixo de bala”. Os familiares dos reféns se revoltaram e a população israelense voltou a protestar contra o premiê.

Netanyahu diz que a guerra só acaba quando Israel cumprir seus objetivos. O problema é que eles são quase impossíveis. Após 18 meses de combate, a destruição do Hamas está longe de acontecer. É verdade que os principais líderes do grupo terrorista foram mortos, seu arsenal diminuiu sensivelmente e a invasão israelense foi tão violenta que o país conseguiu reestabelecer uma razoável força de dissuasão. Em outras palavras, na próxima o Hamas vai pensar duas vezes.

Mas, ao mesmo tempo, a Terceira Lei de Newton é implacável. Como toda ação tem uma reação em igual força e em sentido oposto, os números de voluntários recrutados pelo Hamas desde os atentados já igualam as baixas em combate. E mais: se o 7 de outubro foi a resposta a ofensivas anteriores de Israel em Gaza, o próximo ataque do Hamas tem tudo para ser ainda mais brutal, e o substituto de Yahya Sinwar tem tudo para ser ainda mais psicopata que o antecessor. É um ciclo sem fim.

Crianças caminham em um acampamento abrigando palestinos deslocados, montado em um aterro na área de Yarmuk, em Gaza, em 20 de março de 2025 Foto: Omar Al-qattaa / AFP

Além disso, o plano de Trump e dos radicais do gabinete de Netanyahu de expulsar os palestinos de Gaza é simplesmente inviável. Os países árabes jamais aceitarão, sob pena de arruinar acordos de paz com Israel e transformar a região num barril de pólvora ainda mais explosivo.

Como diria Orwell, a guerra não é feita para ser ganha, mas para ser contínua.

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Nas estepes eslavas do Dnieper, acontece um processo similar. Trump prometeu acabar com a guerra " em 24 horas”. Obviamente, era uma bravata. As negociações para pôr fim à guerra se mostraram nada mais que um alinhamento aos objetivos estratégicos do Kremlin.

Trump desancou publicamente Zelenski naquele show de horrores do Salão Oval na sexta-feira de carnaval e se mostrou disposto a rifar a Ucrânia para encerrar a guerra nos termos favoráveis a Putin.

Zelenski durante encontro com chefes de Estado da União Europeia Foto: Ludovic Marin/AFP

Desde então, o que temos visto é uma mise-en-scène onde Trump quer projetar uma imagem de pacificador que não tem. Ele não exerce nenhum tipo de influência sobre a Rússia. A paz na Ucrânia se assemelha na verdade mais a uma espécie de reedição da partilha da Polônia, com os EUA interessados nas riquezas minerais e na tecnologia de energia nuclear de Kiev do que em intermediar um acordo real.

Putin aproveita isso para ganhar tempo. Ele usou a interrupção na ajuda militar e de inteligência americana para ganhar terreno em Kursk e tirar de Zelenski uma das poucas cartas que ele tem na mão para negociar território. Além disso, na pequena concessão que fez para topar uma trégua nos ataques a infraestrutura, Putin quer apenas evitar os principais danos que Kiev, por meio de seus drones de ponta, tem feito dentro da Rússia.

Os objetivos militares da Rússia não mudaram com as conversas de paz. O Kremlin quer a Ucrânia de joelhos, a Otan longe do leste da Europa e o enfraquecimento do Exército ucraniano. Se está mais perto de conseguir isso porque Trump lhe faz acenos gratuitos, por que teria de ceder?

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Opinião por Luiz Raatz

É jornalista formado pela PUC-SP. Subeditor de internacional do Estadão, tem 20 anos de experiência em coberturas na América Latina, Estados Unidos e Oriente Médio.

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