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Lula promete incentivo a exportações brasileiras para Argentina a quatro meses da eleição

Alberto Fernández conseguiu promessa de ajuda do governo brasileiro em sua quarta visita ao País; presidente não disputará a reeleição e apoiará seu ministro da Economia na disputa

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta segunda-feira, dia 26, que o Brasil avança no desenvolvimento de ações de socorro à economia da Argentina, durante visita de Estado do presidente Alberto Fernández ao País. Eles se encontraram dois dias depois de a esquerda definir o ministro da Economia, Sergio Massa, como candidato governista às eleições presidenciais de outubro. A Argentina vive uma grave crise econômica, com a inflação passando de 100% ao ano e com o governo buscando fontes externas de financiamento no exterior.

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Embora não tenha citado a conclusão dos projetos, com os quais Massa está diretamente envolvido, Lula deu sinais positivos no atendimento de propostas do governo peronista. Desde janeiro, o governo argentino tentava convencer o governo brasileiro a promover o financiamento de empresas brasileiras que exportam produtos para o mercado argentino e também aquelas envolvidas na construção do gasoduto da região de Vaca Muerta até o Brasil. Essa segunda linha de crédito é do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A baixa popularidade de Fernández e a gestão da crise prejudicam o peronismo nas pesquisas de opinião feitas até então. A oposição ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, por enquanto, lidera, ainda que esteja dividida entre a ex-ministra do Interior Patricia Bullrich e o prefeito de Buenos Aires Horacio Larreta. O ultraliberal Javier Milei corre por fora, mas tem tirado votos de áreas que costumavam votar no kirchnerismo, sobre tudo em Buenos Aires.

Os presidentes discutiram sobre o cenário eleitoral, no Palácio do Planalto. Lula tem manifestado preocupação com o crescimento da extrema direita na região. Milei é identificado com o bolsonarismo.

Lula e Fernández durante reunião em Brasília: promessa de apoio Foto: WILTON JUNIOR

Financiamento para exportações

“Fico muito satisfeito com as perspectivas positivas de financiamento do BNDES à exportação de produtos para construção do gasoduto Nestor Kirchner”, disse Lula, durante declaração à imprensa ao lado de Fernández, no Palácio do Itamaraty. “Estamos trabalhando na criação de uma linha de financiamento abrangente das exportações brasileiras para a Argentina. Não faz sentido que o Brasil perca espaço no mercado argentino para outros países porque esses oferecem crédito e nós não. Todo mundo tem a ganhar, as empresas, os trabalhadores brasileiros e os consumidores argentinos.”

Segundo os argentinos, sem o suporte de bancos públicos as empresas brasileiras perdem espaço para as chinesas, e o gasoduto pode suprir a demanda energética do Brasil. O gasoduto leva o nome do ex-presidente Nerstor Kirchner, homenageado por Lula no discurso, e pode se transformar numa alternativa real de acesso a energia mais barata, como fonte próxima na região, capaz substituir o suprimento, diante da queda na produção do gás boliviano, atualmente o principal fornecedor nacional.

A Argentina enfrenta uma inflação acima de 100% ao ano, e que pode chegar a 149% em 2023, segundo projeções de agências de risco. O peso argentino perde valor diariamente e há escassez de dólares, o que prejudica o fluxo de pagamentos da dívida externa e de compromissos internacionais das empresas locais. Com os financiamentos, as empresas brasileiras teriam riscos de operação reduzidos, não precisariam esperar tanto pelo pagamento nem receber em pesos já desvalorizados para pagar dívidas em reais. Cerca de 210 empresas nacionais podem se beneficiar.

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Dados do governo brasileiro dão conta de uma perda de US$ 6 bilhões na balança comercial com a Argentina. A China assumiu esse espaço. A Argentina é o terceiro principal parceiro comercial do Brasil. Em 2022, as exportações brasileiras para a Argentina alcançaram o valor de US$ 15,3 bilhões. As importações de produtos argentinos, por sua vez, chegaram a US$ 13 bilhões. Lula lançou a meta de que o intercâmbio volte a superar a cifra de US$ 40 bilhões, registrada em 2011.

O presidente classificou a integração econômica como verdadeira “interdependência” e disse que ela cria cerca de 100 mil empregos na região, com produtos de alto valor agregado.

Moeda comum

Lula defendeu ainda a adoção de uma moeda de referência, específica para o comércio regional entre os países, sem eliminar as moedas nacionais. O real e o peso argentino continuariam existindo. Essa moeda para comércio exterior seria usada apenas nessas transações. A ideia também já vinha sendo discutida antes.

Os dois países já possuem um acordo vigente para facilitar essa negociações, com pagamento em moedas locais, o real e o peso, assinado entre os respectivos bancos centrais em 2008.

Há um mês, Lula falou em criar uma moeda comum para transações comerciais em toda a América do Sul, durante reunião dos presidentes no Itamaraty. A proposta, porém, não evoluiu desde então, nem constou do consenso de Brasília, um documento adotado por todos os presidentes.

Segundo Lula, Brasil e Argentina adotaram nesta segunda-feira um plano de ação, com 100 frentes, para o desenvolvimento da integração econômica.

5º encontro

Essa foi a quinta reunião entre Fernández e Lula neste ano, a quarta visita do argentino a Brasília. A cerimônia celebrou os 200 anos de relação diplomática e teve a condecoração do presidente argentino e de sua esposa, Fabiola Andrea Yáñez. Ele recebeu a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul; ela, a Ordem de Rio Branco. Lula disse que o casal é “amigo” do Brasil e que os brasileiros têm “respeito e afeto” pela Argentina.

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“Reafirmamos hoje que a integração é uma política de Estado e que nossa parceira deve ser cultivada no mais alto nível”, disse Lula, com indireta a Jair Bolsonaro, seu antecessor que tinha divergências explícitas com o governo kirchnerista no plano político.

“Minha primeira viagem internacional no presente mandato foi a Buenos Aires e nossos frequentes encontros deixam evidente a importância que damos à aliança estratégica entre nossos países. Compartilhamos valores indispensáveis no mundo de hoje. Temos compromisso com a democracia e os direitos humanos, com a erradicação da fome e da pobreza e com o desenvolvimento sustentável. Somos parceiros na criação de uma ordem multipolar e de um multilateralismo mais representativo e eficaz. Defendemos o Atlântico Sul como zona de paz e cooperação, sem disputas de natureza geopolítica.”

Em discurso, Lula fez homenagens e citou nominalmente os ex-presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín, que lançaram as bases do Mercosul, além do próprio Kirchner, de quem era amigo próximo. E elogiou a resistência às ditaduras militares - o “passado de autoritarismo” - por parte de movimentos políticos, sociais, estudantis e sindicais.

Portunhol

Fernández também destacou a integração entre os países. Durante discurso no Itamaraty, ele disse que a união entre Brasil e Argentina é “indissolúvel” e que os países já compartilham cultura e histórias e de um idioma informal. “Nossos idiomas cada vez se parecem mais. Estamos inventando o ‘portunhol’. E isso funciona”, disse o argentino.

O peronista afirmou que Lula é um amigo e, citando a concepção de amizade similar de poetas como Vinicius de Mores e Atahualpa Yupanqui, disse se enxerga em Lula e que amigos não se escolhem, mas se reconhecem.

“Nós não escolhemos amigos, nós os encontramos na vida. Nós argentinos encontramos os brasileiros. Eu pessoalmente encontrei um enorme homem e adorável amigo, que se chama Lula da Silva. Como diria Atahualpa, eu não o procurei, ele simplesmente apareceu. Esse é o Alberto com a outra cara”, disse o presidente argentino. “Vocês têm um amigo com problemas. Mas o que faz um amigo com problemas? Pede ajuda aos amigos, e os amigos sempre estão aí.”

O presidente Fernández também citou que Brasil e Bolívia se manifestaram no passado contra o domínio britânico nas Ilhas Malvinas, uma questão central da política externa argentina.

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Plano de ação

O plano de ação divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores inclui, entre outros assuntos:

.Esporte: prevenção e combate do racismo, da xenofobia e formas correlatas de discriminação no ambiente esportivo

.Transportes: negociação de novo Acordo Bilateral de Transporte Marítimo

.Aviação Civil: fortalecimento da conectividade aérea entre Brasil e Argentina

.Energia: manter coordenação sobre o comércio bilateral de gás e perspectivas futuras para o setor; fortalecer e aprofundar os instrumentos interministeriais sobre intercâmbio de energia;

.Gasotudo: estruturar e decidir sobre operação de crédito para financiar as exportações de produtos brasileiros para a construção do Gasoduto Presidente Néstor Kirchner

.Exportações: continuar estudando alternativas para a estruturação de uma linha de crédito para a exportação de produtos brasileiros para a Argentina

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.Defesa: Estruturar e decidir sobre operação de crédito para financiar a exportação de blindados Guaranis

.Telefonia Móvel: Trabalhar para a aprovação parlamentar e a implementação do Acordo para a Eliminação da Cobrança de Encargos de Roaming Internacional no Mercosul.

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