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Lula diz que Brics tem de falar da guerra na Ucrânia e paz é ‘dever coletivo e imperativo’

Assunto é incômodo para os países do bloco, e não há consenso de posições; apenas o Brasil condenou a ação em votações na ONU, e demais líderes preferiram abordar outros temas

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu principal discurso na 15ª Cúpula do Brics para defender que os demais países do bloco discutam abertamente a guerra na Ucrânia. Lula disse que o Brics deve atuar para favorecer o entendimento e reiterou a disposição do Brasil de ajudar a mediar a paz.

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O discurso destoa de outras ocasiões em que o presidente brasileiro chegou a responsabilizar a Ucrânia pela guerra, e fez inúmeras declarações sobre a invasão da Rússia na Ucrânia. Desde o estopim do confronto, o petista já chegou a dizer que o presidente ucraniano Volodmir Zelenski “é tão responsável pela guerra quanto (Vladimir) Putin”, e que a Ucrânia deveria aceitar perdas territoriais para encerrar a guerra.

“Não podemos nos furtar a tratar do principal conflito da atualidade que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais. Não subestimamos as dificuldades para encontrar a paz, tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e destruição que aumentam a cada dia”, afirmou Lula, durante discurso aberto em Johannesburgo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa da 15ª Cúpula do Brics Foto: Gianluigi Guercia/AP

“Achamos positivos que um número crescente de países, entre eles do Brics, também estejam engajado em contato direto com Moscou e Kiev. Busca pela paz é um dever coletivo e imperativo para desenvolvimento justo e sustentável. Os Brics devem atuar como força pelo entendimento e cooperação. Nossa disposição está expressa na contribuição da China, da África do Sul e do meu próprio País para a solução do conflito na Ucrânia.”

Na prática, porém, Lula ficou isolado na cúpula, mesma situação que a diplomacia brasileira enfrenta, em relação aos demais membros do Brics, quando há votações nas Nações Unidas sobre a guerra. A exceção foi uma resposta do presidente russo, Vladimir Putin, e um comentário curto do anfitrião sul-africano, Cyril Ramaphosa, após a intervenção de ambos.

Fora Lula, nenhum dos quatro outros líderes pautou o assunto guerra na Ucrânia espontâneamente em seus discursos. Houve no máximo menções a conflitos pelo mundo, de forma genérica.

O indiano Narendra Modi, por exemplo, preferiu propor novas formas concretas de cooperação, como um consórcio para exploração espacial, um repositório de conhecimentos de medicina tradicional e até a criação de uma rede de proteção de felinos de grande porte, como o tigre asiásito, o guepardo, o leão, e a onça pintada. “Espécies raras de grandes felinos podem ser encontradas em todos os países do Brics. Com uma aliança internacional, podemos fazer esforços para a proteção desses felinos”, disse Modi.

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Último a falar, o chinês Xi Jinping falou em desenvolvimento econômico, inteligência artificial, intercâmbio de pessoas, negócios e disse apenas que a “mentaliadde da guerra fria ainda assombra o mundo e que a situação geopolítica está cada vez mais tensa”. “Temos que defender acordos políticos quando houver tensão para reduzir a temperatura”, afirmou Xi. Segundo ele, os membros do Brics devem agir com solidariedade e se opor à tentativa de criação de blocos exclusivos, opondo-se à divisão.

Lula e os demais líderes já haviam tido conversas reservadas durante a cúpula. Mas, segundo seus assessores, Lula vinha de longa data planejanto pautar o assunto no Brics e queria discutir o tema frente a frente com Putin. Levar o tema para a sessão aberta fez com que o petista se posicionasse em público.

Em privado, a delegação do Brasil pressionou para que uma declaração sobre a guerra conste ainda no documento final da cúpula atual. O texto foi aprovado, mas reflete também a divisão dentro do Brics e não emite posicionamento. No ano passado, os países usaram a palavra “situação” para se referir à à guerra, o que demonstra como cada palavra é calculada.

Embora não estivesse presencialmente em Johannesburgo, o presidente russo Vladimir Putin assistia ao discurso do brasileiro por meio de uma conexão em vídeo.

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O assunto é um incômodo para os países do bloco, e não há consenso de posições. Além do envolvimento direto da Rússia, país responsável por invadir militarmente um país vizinho em 2022, de todos os demais somente o Brasil condenou a ação, em votações nas Nações Unidas. Os demais se abstiveram.

“Brasil tem posição histórica de defesa da soberania e da integridade territorial e de todos os princípios das Nações Unidas”, recordou Lula.

Em aceno aos dois lados, o petista afirmou que não vai reconhecer as exigências unilaterais de cada lado, seja a proposta de paz de Kiev ou de Moscou, e reconheceu que o entendimento ainda passa por “dificuldades”. O presidente tem defendido um cessar fogo imediato, para que então os dois países envolvidos iniciem rodadas de discussão para encerrar a guerra e se colocou à disposição para contribuir no processo.

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“O Brasil não contempla fórmulas unilaterais para a paz. Estamos prontos para nos juntar a um esforço que possa nos efetivamente contribuir pra um pronto cessar fogo e para paz justa e duradoura”, disse o petista.

Em campanha no Brics para obter um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, Lula afirmou que a guerra na Ucrânia evidencia as “limitações” do conselho e que “muitos outros conflitos e crises estão por vir”.

“Enfrentamos um cenário mais complexo do que quando nos reunimos pela primeira vez. Em poucos anos retrocedemos de uma conjuntura de multipolaridade benigna, para uma que retoma a mentalidade obsoleta de guerra fria e da competição geopolítica. Essa é uma insensatez que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo, sabemos bem onde esse caminho pode nos levar. O mundo precisa compreender que os riscos envolvidos são inaceitáveis para a humanidade”, alertou Lula.

Clima

Em outro gesto duro, Lula culpou novamente os países desenvolvidos – em recado aos europeus – pela crise climática global. O presidente exigiu que eles deixem de “terceirizar” a culpa ao Sul Global – grupo de nações entre os quais o Brasil se inclui – e cumpram compromissos de contribuir com recursos para os países menos desenvolvidos poderem investir em proteção ambiental.

“Os grandes responsáveis pelas emissões de carbono que causam a crise climática foram aqueles fizeram revolução industrial e alimentaram o extrativismo colonial predatório. Eles têm divida histórica com o planeta terra e a humanidade. Precisamos valorizar o Acordo de Paris e a Convenção do Clima em vez de terceirizar a responsabilidade climática para o Sul Global”, reagiu o petista.

“É muito difícil combater a mudança do clima enquanto países em desenvolvimento lutam contra fome, pobreza e outros tipos de violência. O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas mantém sua atualidade”, disse Lula.

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O presidente brasileiro pediu ainda mudanças no financiamento climático e de biodiversidade, com oferta de dinheiro “verdadeiramente novo e adicional em relação ao financiamento ao desenvolvimento”.

Segundo Lula, o endividamento externo de países pobres restringe o desenvolvimento sustentável. “Precisamos de um sistema financeiro que ajude países de média e baixa renda a fazer mudanças estruturais. É inadmissível que países pobres sejam penalizados com juros oito vezes mais altos do que os cobrados dos países ricos”, reclamou Lula.

Moeda

Lula disse que o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff, pode se tornar uma opção e defendeu a “criação de uma moeda para transações comerciais e de investimento entre membros do Brics”. Segundo Lula, ela aumenta opções de pagamento e reduz as vulnerabilidades. O assunto foi discutido entre os líderes, mas não houve decisão de adotar uma moeda comum neste momento.

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