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Lula diz que indígenas têm ‘pouca terra’ no Brasil e cobra dinheiro de países que desmataram

Petista rebate ruralistas e vê francês anunciar recursos para bioeconomia e combate ao garimpo e ‘interesses econômicos de curto prazo que ameaçam floresta’

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BELÉM - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta terça-feira, dia 26, que há poucas terras indígenas demarcadas no Brasil, em reação à crítica de setores do agronegócio brasileiro, aos quais chamou de “conservadores e latifundiários”. Ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, Lula cobrou que países mais industrializados “que já desmataram” ajudem financeiramente os demais na preservação de florestas tropicais.

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“Queremos convencer o mundo de que o mundo que já desmatou tem que contribuir de forma importante para que países que ainda tem florestas mantenham a floresta de pé. Esse é um compromisso nosso”, afirmou Lula, que tem ampliado a cobrança de que os países ricos doem US$ 100 bilhões por ano para ações climáticas, previsto no Acordo de Pais, mas nunca concretizado.

Lula reiterou o compromisso assumido pelo Estado brasileiro de zerar o desmate na Amazônia até 2030 e disse que fará da “luta contra desmatamento uma profissão de fé”. Segundo ele, essa é uma decisão soberana do País, não condicionada por nenhuma convenção.

O francês anunciou que ambos vão investir 1 bilhão de euros ao todo, em cada lado da cooperação na Amazônia brasileira e da Guiana Francesa, em iniciativas para promoção da biodiversidade, desenvolvimento econômico dos indígenas e atividades que favoreçam a preservação florestal.

Os recursos serão obtidos com verba pública e participação da iniciativa privada - e deverão ser alcançados ao longo de quatro anos. Diplomatas envolvidos na negociação do acordo dizem que a maior parte do dinheiro deverá vir do lado francês - não há expectativa de uma divisão equilibrada.

Macron e Lula assinaram e lançaram dois documentos: o “Chamado Brasil-França à ambição climática de Paris a Belém” e o “Plano de Ação sobre a Bioeconomia e a Proteção das Florestas Tropicais”.

O primeiro, apelidado de “Apelo de Belém”, é endereçado a mudanças climáticas em âmbito global e atuação da COP-30, enquannto o segundo programa conjunto tem metas e rumos em favor da bioeconomia, que inclui uma coalização de empresas em favor da obtenção dos recursos.

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Presidentes Lula e Emmanuel Macron em visita a Belém, 26 de março de 2024. Foto: Ludovic Marin / AFP

Segundo Macron, o projeto conjunto com o Brasil tem como objetivo aproximar os territórios dos dois lados do rio Oiapoque - referindo-se à Guiana Francesa, que visitou na véspera - e “lutar contra o garimpo e interesses financeiros de curto prazo que ameaçam a floresta”.

O presidente francês disse que os dois países podem conectar reservas e formar o maior parque florestal do mundo e prometeu estimular o intercâmbio de pesquisa entre antropólogos e cientistas.

Lula e Macron fizeram os anúncios na Ilha do Combú, rodeados de lideranças dos povos indígenas brasileiros, após a França condecorar o cacique Raoni Metuktire.

Macron havia prometido no ano passado destinar 500 milhões de euros à preservação florestal no Brasil. Ele não detalhou se os recursos se sobrepõem ou são novos.

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O francês não anunciou a adesão da França ao Fundo Amazônia, como antecipou o Estadão. A diplomacia francesa não conseguiu aval para um volume de recursos significativo a ser doado ao fundo e optou por não aderir com baixa participação.

A reportagem apurou que a cifra disponível agora era de cerca de 1 milhão de euros (R$ 5,4 milhões), muito aquém das doações de noruegueses, alemães, suíços e estadunidenses, que somam cerca de R$ 3,5 bilhões - majoritariamente da Noruega. Há ainda contratos com britânicos e japoneses, além de promessa da União Europeia.

Ruralistas

Ao discursar ao lado do convidado francês, Lula fez uma provocação aos ruralistas. O presidente reagiu à crítica de que as terras indígenas demarcadas representam cerca de 14% do território nacional e se comprometeu a dar andamento a novas demarcações, bem como à criação de mais unidades de conservação florestal.

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Lula disse ao líder francês que no Brasil há muita disputa para promover a reforma agrária a trabalhadores que dependem de terras, reconhecer e legalizar territórios quilombolas, para que descendentes de escravos possam reconquistar terrenos.

“Os conservadores, os latifundiários brasileiros e os que são contra a participação do povo costumam dizer o seguinte: ‘o povo indígena já tem muita terra no Brasil, 14% é muito terra para indígena’. O que eles não percebem é que os indígenas já tem 14%, quando os portugueses chegaram em 1500 era tudo deles. O fato de eles terem 14% é pouco diante do que precisam para viver, para manter sua cultura e jeito de viver”, afirmou Lula, dizendo que foi o governante que mais demarcou e vai continuar demarcando terras aos indígenas e reservas.

Presidentes Emmanuel Macron e Luiz Inácio Lula da Silva participam de homenagem ao cacique Raoni, 26 de março de 2024.  Foto: Ueslei Marcelino/ REUTERS

Lula respondeu a um apelo do cacique Raoni por mais demarcações, recursos orçamentários para a Funai e para que se oponha à construção da ferrogão. Mas não citou como vai se posicionar a respeito da ferrovia: “Os companheiros indígenas vão continuar brigando e reivindicando e nós vamos continuar atendendo.”

O petista afirmou que deseja “compartilhar com o mundo a exploração da riqueza e biodiversidade” amazônicas, incluindo os indígenas para que usufruam das terras, e não transformar o bioma em “santuário da humanidade”.

Ao comentar a presença do francês na cúpula climática das Nações Unidas (COP-30), a ser realizada em Belém em 2025, Lula afirmou que Macron “vai ter o privilégio de participar da melhor organização de COP que já aconteceu no mundo”.

Correção: Uma versão anterior deste texto citava a cifra de US$ 2 bilhões no total em compromisso ambiental assumido pelos dois presidentes, sendo US$ 1 bilhão de cada país. A informação foi assim traduzida do discurso de Macron pela transmissão oficial do governo federal. O Palácio do Planalto chegou a divulgar a mesma cifra, em nota publicada no site da Presidência. Mas, segundo o Palácio do Eliseu e diplomatas franceses ouvidos posteriormente pela reportagem, tratou-se de um equívoco na tradução de uma expressão usada por Macron e também de erro a respeito da moeda. Conforme consta em documento dos dois países, o valor do programa conjunto é de 1 bilhão de euros. O francês se equivocou ao misturar conceitos de dois documentos conjuntos publicados.

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