Lula e Xi Jinping assinam 37 acordos, sem adesão formal à nova Rota da Seda

Governo admite participação em iniciativa chinesa, mas quis evitar ingresso pleno na Nova Rota da Seda por entender que isso poderia levar à perda de autonomia gepolítica

PUBLICIDADE

Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da China, Xi Jinping, assinaram nesta quarta-feira, dia 20, um conjunto de 37 acordos bilaterais nas áreas de agricultura, indústria, investimentos e infraestrutura. Entre eles, está uma parceria conjunta de investimentos criada sob medida para evitar os desgastes geopolíticos que uma adesão plena à Iniciativa Cinturão e Rota (conhecida como a Nova Rota da Seda) poderia trazer ao País.

PUBLICIDADE

Na prática, isso quer dizer que os dois países desenvolverão projetos e investimentos conjuntos. Do lado chinês, a parceria contará com a execução, no Brasil, de alguns projetos presentes na Rota da Seda. Já do lado brasileiro, estão previstas parcerias com o plano Nova Indústria Brasil (NIB), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Programa Rotas da Integração Sul-Americana e o Plano de Transformação Ecológica.

Para que os investimentos avancem, serão criadas duas forças-tarefas para selecionar quais serão os projetos conjuntos prioritários. O prazo de trabalho dos grupos são dois meses. “Queremos adensar a cadeia de valor em nosso território, além de ampliar e diversificar a pauta com nosso maior parceiro comercial”, afirmou o presidente Lula, em declaração à imprensa, no Palácio da Alvorada.

“Chegamos a novos consensos estratégicos sobre o futuro do desenvolvimento das relações China-Brasil”, afirmou Xi Jinping. Ele relatou que os países estão determinados a “identificar, responder e aproveitar as mudanças” na configuração global e classificou a parceria para aproximar os planos como o resultado mais importante da visita de Estado ao Brasil.

Publicidade

Adesão informal

Como o Estadão antecipou, embora tenha recusado aderir plenamente agora, o governo Lula admitiu participar de projetos selecionados na Nova Rota da Seda. Criada em 2013, a iniciativa global foca principalmente em infraestrutura, mas acaba por ampliar a presença e a influência política e econômica da China.

O governo adotou o argumento da busca de “sinergias” para sair do impasse, o que implica na prática a uma alternativa à adesão plena no megaprojeto trilionário de Xi Jinping, que já envolve 151 países.

O governo Lula não quis fazer agora o ingresso pleno na Nova Rota da Seda por entender que poderia levar à perda de autonomia geopolítica, com cobranças de fidelidade, e que já existem outros mecanismos bilaterais criados para permitir investimentos conjuntos.

O presidente da China, Xi Jinping, e Lula, durante reunião em Brasília Foto: Evaristo Sa/EVARISTO SA


Prevaleceu a tese de que o Brasil aderir seria um gesto político muito forte pró-China e poderia colocar em risco seu não-alinhamento, quando o mundo se prepara para mais tensões na disputa global por liderança entre a China e os Estados Unidos.

Publicidade

O governo Lula estava sob pressão, sobretudo, dos Estados Unidos, que enviou recados claros anti-China, dados por altos funcionários de Washington enviados ao País.

Com Lula e Xi Jinping à mesa, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, Zheng Shanjie, assinaram o plano de cooperação entre os países, em busca de “sinergias” entre suas próprias estratégias de desenvolvimento. O plano tem 10 anos de duração.

“Estamos determinados a alicerçar nossa cooperação pelos próximos 50 anos em áreas como infraestrutura sustentável, transição energética, inteligência artificial, economia digital, saúde e aeroespacial”, disse Lula. “Por essa razão, estabeleceremos sinergias entre as estratégias brasileiras de desenvolvimento, como a Nova Indústria Brasil (NIB), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Programa Rotas da Integração Sul-Americana, e o Plano de Transformação Ecológica, e a Iniciativa Cinturão e Rota.”

Agora, os países também adotam uma linguagem diplomática que reflete interesses mútuos e a linguagem de Pequim para definir sua relação. Os laços foram estabelecidos 50 anos atrás, em 1974. Um Parceria Estratégica foi lançada em 1993. Ela seria elevada a Parceria Estratégia Global em 2012.

Publicidade

“O presidente Xi e eu decidimos elevar a Parceria Estratégica Global ao patamar de Comunidade de Futuro Compartilhado por um Mundo mais Justo e um Planeta Sustentável”, disse Lula. “Estou confiante de que a parceria que o presidente Xi e eu firmamos hoje excederá todas as expectativas e pavimentará o caminho para uma nova etapa do relacionamento bilateral.”

Inserção de empresas brasileiras na China

O presidente Lula anunciou ainda investimentos privados brasileiros na China e citou a presença da WEG, da Suzano e da Randon. Ele destacou que o Brasil ajuda a segurança alimentar da China, sendo desde 2017 seu maior fornecedor de alimentos.

“A BRF deverá investir cerca de US$ 80 milhões na aquisição de uma moderna fábrica para processamento de carnes na província de Henan, na China”, afirmou Lula.

Mercosul-China

O presidente também citou as discussões em andamento entre a China e o Mercosul, por um acordo de livre comércio. Manifestou apenas concordância em dar seguimento. As tratativas são lideradas pelo Uruguai, que tenta emplacar um formato de negociação da China com cada país do Cone Sul individualmente, o que vai contra o princípio do bloco.

Publicidade

Florestas e viagem

Lula sugeriu que há “interesse chinês pelo Fundo Florestas Tropicais para Sempre, proposto pelo Brasil para remunerar a preservação desses biomas”. O Estadão apurou que havia uma sugestão de alocação de recursos em um fundo brasileiro voltado à recuperação de pastagens degradadas.

O Brasil tentou amarrar a venda de 20 aviões comerciais da Embraer para companhias chinesas, mas não emplacou novamente a aquisição milionária. O acerto era esperado para a visita de Lula a Pequim, em abril de 2023, mas Xi Jinping não deu aval.

Lula convidou o líder chinês a voltar ao Brasil no ano que vem, para Cúpula do Brics, em julho, e para a COP-30, em novembro. Ele afirmou que deve visitar a China mais uma vez, durante reunião do Fórum China-CELAC.

“A China gostaria de trabalhar com o Brasil e com os demais países para elevar a novos patamares a cooperação entre a China e a região”, disse Xi sobre a presença na América Latina.

Publicidade

Acordos

Durante a visita de Estado de Xi Jinping a Brasília, os dois países firmaram ao todo 37 atos de cooperação bilateral. As iniciativas são nas áreas de agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura.

Veja abaixo a lista:

1) Declaração Conjunta entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre a Formação Conjunta da Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável;

2) Plano de Cooperação do Governo da República Federativa do Brasil e do Governo da República Popular da China para o estabelecimento de sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana, e a Iniciativa Cinturão e Rota;

Publicidade

3) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento da Cooperação para o Desenvolvimento Internacional entre a Agência Brasileira de Cooperação da República Federativa do Brasil e a Agência de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da República Popular da China;

4) Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Bioeconomia entre o Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;

5) Contrato de Captação entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o China Development Bank (CDB);

6) Protocolo de Requisitos Fitossanitários para Exportação de Uvas Frescas de Mesa do Brasil para a China entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China;

Publicidade

7) Protocolo sobre os Requisitos de Inspeção e Quarentena para a Exportação de Gergelim do Brasil para a China entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China;

8) Protocolo entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China para a Importação de Farinha de Peixe, Óleo de Peixe e outras Proteínas e Gorduras derivadas de Pescado para Alimentação Animal do Brasil para a China;

9) Protocolo entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Aduanas da República Popular da China sobre Requisitos Fitossanitários para a Exportação de Sorgo do Brasil para a China;

10) Carta de Intenções entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e a Administração Estatal de Regulação de Mercados (SAMR) da República Popular da China para promover a cooperação técnica, científica e comercial no setor agrícola;

Publicidade

11) Memorando de Entendimento para o Intercâmbio e a Colaboração sobre Tecnologia e Regulação de Pesticidas entre o Ministério da Agricultura e Pecuária da República Federativa do Brasil e o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da República Popular da China;

12) Мemorando de Entendimento entre o Ministério das Cidades da República Federativa do Brasil e o Ministério da Habitação e do Desenvolvimento Urbano-Rural da República Popular da China para o Fortalecimento da Cooperação na Área de Desenvolvimento Urbano;

13) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da República Popular da China sobre Cooperação na Indústria Fotovoltaica;

14) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e a Autoridade de Energia Atômica da China sobre Cooperação Estratégica em Aplicações de Tecnologia Nuclear;

15) Memorando de Entendimento sobre o Programa Sino-Brasileiro de Fonte de Luz Síncrotron entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;

16) Memorando de Entendimento para o Aprimoramento da Cooperação no Desenvolvimento de Capacidades em Inteligência Artificial entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;

17) Memorando de Entendimento sobre o Estabelecimento do Laboratório Conjunto em Mecanização e Inteligência Artificial para Agricultura Familiar entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República Federativa do Brasil e o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China;

18) Memorando de Entendimento entre Telecomunicações Brasileiras S.A. Telebras, Empresa Vinculada ao Ministério das Comunicações do Brasil (“Telebras”) e a Shanghai Spacesail Technologies Co., Ltd., Empresa Chinesa Cujo Objetivo Social é o Provimento de Serviços e Soluções de Telecomunicações via Satélite (“Spacesail”);

19) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento da Cooperação na Economia Digital entre o Ministério das Comunicações da República Federativa do Brasil e a Administração Nacional de Dados da República Popular da China;

20) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o China Media Group sobre Cooperação Audiovisual;

21) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e o China Film Archive;

22) Memorando de Entendimento entre o Ministério da Cultura da República Federativa do Brasil e a China Film Administration;

23) Carta de Intenções sobre a Promoção da Cooperação de Investimento para Desenvolvimento Sustentável entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;

24) Plano de Ação para Promoção do Investimento Industrial e Cooperação 2024-2025 entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;

25) Memorando de Entendimento para Promoção da Cooperação Econômica e Comercial sobre Micro, Pequenas e Médias Empresas entre o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;

26) Memorando de Entendimento sobre Cooperação Esportiva entre o Ministério do Esporte da República Federativa do Brasil e a Administração Geral de Esporte da República Popular da China;

27) Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Transformação Ecológica e Desenvolvimento Verde entre o Ministério da Fazenda da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China;

28) Memorando de Entendimento sobre o Fortalecimento do Intercâmbio e da Cooperação sobre Reforma e Desenvolvimento de Empresas Estatais e Governança Corporativa entre a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais da República Federativa do Brasil e a Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais do Conselho de Estado da República Popular da China;

29) Memorando de Entendimento entre o Ministério de Minas e Energia da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China sobre Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Mineração;

30) Plano de Ação entre o Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional da Saúde da República Popular da China na área de Saúde para os anos 2024-2026;

31) Memorando de Entendimento entre o Ministério do Turismo da República Federativa do Brasil e o Ministério da Cultura e Turismo da República Popular da China para Fortalecer a Cooperação em Turismo;

32) Memorando de Entendimento entre o Ministério do Planejamento e Orçamento da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da República Popular da China para o Fortalecimento de Intercâmbio e Cooperação no âmbito do Desenvolvimento Econômico;

33) Memorando de Entendimento entre a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República Federativa do Brasil e o Grupo de Mídia da China;

34) Acordo de Cooperação Técnica entre a Empresa Brasil de Comunicação S.A. - EBC - e China Media Group – CMG;

35) Memorando de Entendimento entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Tsinghua sobre o Programa de Resposta da Juventude Latino-Americana e Chinesa a Desafios Globais;

36) Memorando de Entendimento entre o Grupo de Mídia da China - CMG e a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA; e

37) Acordo de Cooperação entre a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e a Administração Estatal para Regulação do Mercado (Administração Nacional de Normalização) da República Popular da China (SAMR/SAC).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.