BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta segunda-feira, dia 3, uma “desescalada” da guerra na Ucrânia como caminho para negociações entre Kiev e Moscou. O presidente afirmou apoiar a realização de uma conferência internacional a fim de discutir a paz que garanta a participação também da Rússia.
“Uma desescalada seria um passo necessário para que as partes possam retomar o diálogo direto”, afirmou o petista, em discurso no Itamaraty, ao receber o presidente da Croácia, Zoran Milanović. “Apoiamos a realização de uma conferência internacional que seja reconhecida tanto pela Ucrânia como pela Rússia.”
As manifestações de Lula e seus representantes sobre a guerra na Ucrânia são frequentemente interpretadas como inclinação a favor da Rússia, com reprodução de preocupações de Moscou, o país agressor. Lula reiterou ao lado do presidente croata que “o Brasil condenou de maneira firme a invasão da Ucrânia pela Rússia”.
No fim de maio, o Brasil assinou um documento conjunto com a China - principal aliada estratégica da Rússia na arena global - em que defende uma proposta comum para a paz. O texto não condena a invasão unilateral da Ucrânia pelas forças militares russas, em fevereiro de 2022, tampouco exige a sua retirada.
A “desescalada” citada por Lula é detalhada na proposta sino-brasileira com três princípios: “não expansão do campo de batalha, não escalada dos combates e não inflamação da situação por qualquer parte”.
“Todos os atores relevantes devem criar condições para a retomada do diálogo direto e promover a desescalada da situação até que se alcance um cessar-fogo abrangente”, diz a proposta comum. “O Brasil e China apoiam uma conferência internacional de paz realizada em um momento apropriado, que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes, além de uma discussão justa de todos os planos de paz.”
A declaração do presidente Lula ocorre enquanto a Suíça tenta viabilizar uma conferência de paz com mais de 100 países, nos dias 15 e 16 deste mês, incentivada pela Ucrânia, e com destaque para membros do G-7, aliados de Kiev. A diplomacia ucraniana se queixa de manifestações de Lula simpáticas aos russos e pressiona o governo Lula a enviar representantes. Dias antes, Lula deve estar na Itália por ter sido convidado para a Cúpula do G-7. Mas sua presença na Suíça é remota.
O encontro global na Suíça exclui a Rússia e deve ser palco para discussão da fórmula de paz do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, rejeitada de antemão pelo presidente russo, Vladimir Putin. Os ucranianos e seus aliados exigem a retirada total das tropas russas do território invadido, enquanto Putin somente aceita retomar negociações com base na atual situação no terreno.
Com o recente aval dos Estados Unidos e da Otan (Aliança do Tratado do Atlântico Norte) para uso de suas armas enviadas às forças ucranianas contra o território russo, Putin reagiu promovendo um amplo bombardeio no país vizinho, com mísseis e drones. O alvo era mais uma vez a infraestrutura crítica de energia elétrica da Ucrânia.
Laços com o Kremlin
Integrantes do governo dizem que o Brasil não pretende se engajar nessa plataforma de discussões. A China declinou de comparecer. Os Estados Unidos enviarão a vice-presidente Kamala Harris.
Assim como a China, o Brasil não só rechaçou adotar sanções contra a Rússia como aprofundou o comércio. Em 2023, o comércio bilateral alcançou US$ 11,3 bilhões, um recorde, segundo o Itamaraty.
O presidente Zelenski reclamou recentemente da aproximação do Brasil com a Rússia - segundo ele por interesses econômicos - e questionou “como o Brasil pode priorizar a relação com o agressor?”.
Desde o ano passado, o principal emissário de Lula nas tratativas sobre a guerra na Ucrânia é o assessor especial Celso Amorim. Ele já participou de uma série de reuniões com atores internacionais e conferências em Paris, Davos, Copenhague e Pequim. Também viajou a Moscou e a Kiev. Amorim é contra a exclusão da Rússia e afirma que o Brasil tem buscado a “paz possível” e não a “paz ideal”.
Busca por protagonismo
O presidente Lula se colocou como possível mediador, insistiu na formação de uma espécie de “clube de paz” com esforços internacionais e pediu várias vezes por um cessar-fogo imediato, que permitisse o início de negociações. Apesar de se dizer pacifista e argumentar que jamais tomou lado, suas propostas jamais avançaram.
Em mais de uma entrevista, petista igualou responsabilidades pelo início da guerra entre Zelenski e Putin e criticou o financiamento e o apoio militar a Kiev enviado por EUA e Europa, por, segundo ele, prolongar o confronto. Lula desautorizou a exportação de armas e munições fabricados no Brasil que pudessem ser repassados por países europeus à defesa ucraniana.
Ao mesmo tempo, Lula fez uma série de declarações contrárias ao isolamento de Putin, afirmou que ele não seria preso se viajasse ao Brasil para o G-20 em novembro, mesmo tendo contra si uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional, e que não precisa reagir com o mesmo nervosismo dos europeus.
O petista chegou a sugerir que a Ucrânia aceitasse discutir terreno e ceder a Crimeia, ocupada pela Rússia em 2014, como forma de avançar numa negociação para encerrar a guerra.
Lula e Zelenski já conversaram por telefone e encontraram-se pessoalmente, em Nova York, mas a relação entre eles ficou marcada por desencontros, declarações atravessadas, versões divergentes e dificuldades de mais interações pessoais, ao passo que o governo tem interlocução frequente com representantes de Putin. O ucraniano agora deseja estar presente na Cúpula de Líderes do G-20, no Rio, em novembro, já que Putin é aguardado no Brasil.
Eleições no Parlamento Europeu
Lula também tratou com o visitante croata das eleições para o Parlamento Europeu, que devem ser marcadas por um avanço da extrema-direita. A votação ocorre nos 27 países membros da União Europeia entre 6 e 9 de junho. Eles vão eleger os 720 novos eurodeputados.
A partir de então, os novos deputados elegerão o presidente da Comissão Europeia, que funciona como órgão executivo do bloco. A alemã Ursula von der Leyen é candidata à reeleição para chefiar a comissão da UE
Lula defendeu que forças democráticas se unam contra os extremistas. “Nossas regiões estão ameaçadas pelo extremismo político, pela manipulação da informação, pela violência que ataca e silencia minorias. A vitalidade da democracia é fundamental no momento em que vivemos. Para vencer o totalitarismo será preciso unir todos os democratas”, afirmou o petista.
Guerra em Gaza
O presidente também elogiou o reconhecimento do Estado palestino por países da Europa, como Noruega, Espanha e Irlanda. A medida é defendida pelo governo como forma de solucionar o histórico conflito entre israelenses e palestinos e a guerra em curso na Faixa de Gaza.
Ele afirmou que o Brasil continuará trabalhando por um cessar-fogo permanente que permita a entrada da ajuda humanitária em Gaza e pela libertação imediata de todos os reféns pelo Hamas.
“Foi com grande pesar que recebemos a notícia do falecimento do brasileiro Michel Niesembaum”, afirmou o presidente, referindo-se ao brasileiro morto ao ser feito refém pelos terroristas do Hamas, no ataque de 7 de outubro. “A violação cotidiana do direito humanitário é chocante e tem vitimado milhares de civis inocentes, sobretudo mulheres e crianças.”
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