O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará nesta terça-feira, 19, a sua reestreia na Assembleia-Geral da ONU depois de 14 anos. Como manda a tradição, o brasileiro será o primeiro a discursar em Nova York. Dessa vez, no entanto, falará a um plenário esvaziado, numa instituição pressionada pela tensão entre Ocidente e emergentes e depois de uma série de declarações alinhadas à China e Rússia que põem em xeque o equilíbrio da diplomacia do País.
Com os líderes dos principais países emergentes ausentes, como Vladimir Putin, Xi Jinping e Narendra Modi, o petista deve retomar uma agenda similar a de suas intervenções anteriores no púlpito das Nações Unidas, como, por exemplo, a reforma do Conselho de Segurança e defesa de um pacto de desenvolvimento para os países do chamado Sul Global, além de pedidos para que os países ricos financiem o combate à mudança climática. Em paralelo, Lula terá o desafio de evitar novas declarações sobre a guerra na Ucrânia vistas como simpáticas à Rússia.
O problema do petista é que hoje a posição do Brasil na política externa exige um equilíbrio muito mais complexo que em seus dois mandatos anteriores. “A grande diferença para os dias de hoje tem a ver com a configuração da ordem global: com China e Rússia despontando como rivais dos EUA e da Europa, sobretudo em torno de uma rivalidade entre democracias e autoritarismos, fica mais difícil para países como o Brasil manterem certa equidistância diante de interesses antagônicos”, diz Guilherme Casarões, cientista político e professor da FGV EAESP.
Para o professor de relações internacionais da FAAP Lucas Leite, um reflexo dessa dificuldade é o próprio esvaziamento da ONU como foro de decisões globais. “Os mecanismos multilaterais mais amplos como as Nações Unidas já não conseguem servir de fórum geral para as principais discussões existentes, já que, nas palavras dele, grupos como o G-7, o G-20 e o Brics, hoje são considerados mais plurais que a própria ONU, cujo órgão decisório tem apenas China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia, como membros permanentes”, diz.
‘Licença para falar besteira’
Nos últimos testes sobre a posição equânime do Brasil entre os dois atuais polos de poder no mundo, Lula fracassou. Na mais recente controvérsia, o presidente disse que Vladimir Putin poderia visitar o Brasil sem medo de ser preso. Em seguida, o presidente voltou atrás, mas questionou as credenciais do Tribunal Penal Internacional e chegou a sugerir que poderia tirar o Brasil da Corte de Haia.
“A questão do TPI foi uma barbárie. O presidente fingindo que não sabia do que se tratava enquanto o Brasil sempre foi defensor de mecanismos internacionais, em particular o Tribunal Penal Internacional. São coisas que comprometem”, aponta Carlos Gustavo Poggio, professor do departamento de ciência política do Berea College (EUA).
Em uma aparente tentativa de reconstruir pontes com a Ucrânia, o petista deve se reunir com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, na quarta-feira, após diversas rusgas nos últimos meses. Lula e Zelenski protagonizaram uma saia justa em Hiroshima, no Japão, quando um encontro entre os dois não aconteceu. A justificativa oficial foi uma incompatibilidade de agendas, mas o desencontro pesou ainda mais o clima entre o brasileiro e o ucraniano, que repetidas vezes se mostrou incomodado com as falas do petista.
“Com a presença de Zelenski, seria interessante que Lula calibrasse a posição sobre a guerra”, sugere Poggio. “Lula tem a vantagem de ser comparado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que se comportava como um pária internacional, mas não tem uma licença para falar besteira.”
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Uma reforma improvável
O enfraquecimento da ONU e a tensão crescente entre os países da Otan e emergentes tem impacto direto na na demanda brasileira por uma reforma do Conselho de Segurança. Para Casarões, nenhuma reforma deve avançar agora dadas as circunstâncias geopolíticas cada vez mais tensas envolvendo a China e, em menor grau, a Rússia.
“Mesmo que russos e chineses apoiem o Brasil, o formato das negociações é um impeditivo concreto para a realização do pleito brasileiro”, diz.
Os Estados Unidos até propuseram avaliar uma reforma, que incluiria mais membros permanentes. O problema, concorda Poggio, é que existe um discurso para fora e outro discurso para dentro. Além disso, a estrutura da ONU, por si só, cria empecilhos para ampliação do seu corpo decisório.
O professor de Relações Internacionais da FAAP Lucas Leite vai na mesma linha e diz que o movimento é mais um aceno a países como Brasil e Índia do que efetivamente uma proposta concreta de mudança do Conselho de Segurança. Na avaliação do analista, a ampliação não é factível neste momento porque nenhum dos cinco membros permanentes têm de fato interesse em diluir o próprio poder para aumentar o número de Países com capacidade de vetar discussões relacionadas à segurança internacional.
Lula também deve aproveitar o discurso para abordar questões como o combate às mudanças climáticas, que têm sido um tema frequente dentro nessa nova fase da política externa, avaliam analistas ouvidos pelo Estadão. Lucas Leite espera que o petista deve, mais um vez, fazer cobranças duras para o financiamento de ações contra a crise do clima e cobrar mais empenho das nações desenvolvidas.
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