Lula reage a Milei no Mercosul e critica ‘ultraliberalismo’ e ‘nacionalismo arcaico’

Presidente discursou na abertura da cúpula do Mercosul, em Assunção

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta segunda-feira, 8, o “ultraliberalismo” e o “nacionalismo arcaico”, durante a abertura da cúpula do Mercosul, em Assunção, capital Paraguai. O discurso de Lula foi quase integralmente calibrado para reagir à chegada do libertário Javier Milei, presidente da Argentina, no Mercosul e o impacto de sua agenda de guerra cultural, com viés liberal e conservador. Sem citá-lo, Lula disse que “falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”.

“Os bons economistas sabem que o livre-mercado não é uma panaceia para a humanidade. Quem conhece a história da América Latina reconhece o valor do estado como planejador e indutor do desenvolvimento. No mundo globalizado não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista. Tampouco há justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdades em nossa região”, disse o presidente.

Os presidentes do Mercosul se reuniram no Paraguai, sem Javier Milei Foto: Divulgação/Presidência do Paraguai

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Embora Milei tenha boicotado a cúpula - ele faltou ao que seria sua estreia na reunião de presidentes -, os últimos dias de negociação ficaram marcados por embates promovidos pela delegação argentina. Liderados pela chanceler Diana Mondino, os representantes de Milei fizeram propostas de flexibilizar a negociação de acordos comerciais bilaterais e defenderam um “choque de adrenalina” no Mercosul.

Sob a intervenção de aliados próximos de Milei, os argentinos passaram a defender uma reforma para atualizar a dinâmica interna do Mercosul, a tomada de decisões e revisar o orçamento. Bloquearam temas de gênero e identitários, como a proposta paraguaia de promover um subgrupo de Comércio e Gênero. A guinada ideológica sobre temas sociais, direitos humanos e femininos é atribuída a Karina Milei, irmã do presidente e secretária-geral da Casa Rosada.

Presidente Lula participa da cerimônia de abertura de encontro do Mercosul Foto: Ricardo Stuckert/Presidencia da Republica

Milei desistiu de comparecer depois de reiterar que considera Lula “corrupto” e “comunista” e se recusar a pedir as desculpas exigidas pelo petista. O libertário ainda decidiu fazer sua primeira visita ao Brasil, ignorando Lula, para encontrar com o principal líder opositor no País, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em Santa Catarina, ele evitou citar Lula, que ameaçava retaliação diplomática, mas criticou as liberdades no Brasil, o socialismo e aliados do petista.

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Lula pregou que os países devem resolver suas diferenças “dentro do bloco e não fora dele”. Ele respondeu diretamente à agenda de Milei para o Mercosul, apresentada pela chanceler. “A pseudo-reforma afasta o Mercosul de suas bases sociais e nos enfraquece. Apagar a palavra gênero de documentos só agrava a violência cotidiana sofrida por mulheres e meninas”, reagiu o petista. Segundo Lula, o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH) e o Instituto Social do Mercosul (IMS) precisam ter recursos para combater a fome a a desigualdade e preservar direitos.

Lula também defendeu a articulação regional dos países para fazer frente a catástrofes climáticas como as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Pantanal. A pauta ambiental sofre desprezo por parte do atual governo argentino.

O petista disse que o Mercosul nunca foi marcado por uma união em que todos pensam da mesma forma, e que a diversidade de opiniões sem extremismo e intolerância é bem-vinda” por ser parte da democracia e levar a escolhas melhores.

Ele afirmou que o Mercosul segue como a principal aposta de inserção internacional do Brasil, enquanto a ausência de Milei levanta dúvidas sobre sua prioridade. Lula disse não ver contradição entre participar do bloco e manter relações privilegiadas com países externos, de outras regiões.

Bolívia

No início do discurso, Lula afirmou que a Bolívia passou por uma tentativa de golpe de Estado. Essa é a versão oficial do governo Luis Arce, que formalizou o ingresso do país andino no Mercosul, e denunciou uma movimentação irregular de tropas militares em La Paz, há cerca de dez dias.

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Essa versão foi contestada por oficialmente Milei, na esteira da reação de opositores da direita boliviana e até do ex-presidente Evo Morales, hoje rival interno de Arce. Eles acusam o mandatário boliviano de montar uma farsa com fins de melhorar sua popularidade e angariar apoio. O ex-comandante do Exército general Juan José Zúñiga fez a denúncia depois de ser preso.

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Todos os presidentes na cúpula expressaram solidariedade a Arce. A representante argentina, a chanceler Diana Mondino, disse apenas que “nenhum golpe de Estado ou ataque à democracia é aceitável”.

O boliviano agradeceu o apoio “inquebrantável” dos países do Mercosul e disse que a manifestação foi “fundamental para evitar a ruptura” da ordem democrática. “Lamentamos declarações infundadas e pouco sérias sobre um suposto autogolpe, quando se tratava de um clássico golpe de Estado”, disse Arce. Ele afirmou que militares, civis e ex-militares estão sob investigação.

O presidente uruguaio Lacalle Pou mandou dois recados indiretos ao colega argentino Milei, de quem busca marcar distância ideológica, apesar de ambos compartilharem o campo político. Lacalle Pou disse que não importa contra quem seja a alteração da ordem constitucional, deve ser condenada se o líder foi eleito democraticamente. Ele se solidarizou com Arce e afirmou que os governos não podem se cegar a depender da afinidade de pensamento: “Se a valorização da democracia é subjetiva, já não existe”.

O uruguaio também criticou a ausência de Milei. Disse que não importa somente a mensagem, mas também o mensageiro. “Não quero menosprezar ninguém, mas se o Mercosul é tão importante deveríamos estar aqui todos os presidentes”, queixou-se Lacalle Pou.

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A foto oficial das delegações presentes ao Mercosul, em frente ao Palácio de López, em Assunção, Paraguai Foto: Divulgação/Presidência do Paraguai

França e Reino Unido

Lula celebrou as vitórias da esquerda nas eleições parlamentares na França e no Reino Unido: “Ambas são fundamentais para a defesa da democracia e da justiça social contra as amaças do extremismo”.

O presidente brasileiro afirmou que o Mercosul não foi capaz de concluir negociações de livre comércio com a União Europeia por causa das contradições internas dos europeus.

O uruguaio Lacalle Pou disse que o Mercosul apostava na capacidade de Lula de negociar o acordo, mas se surpreendeu com a reviravolta da França, que no fim do ano passsado bloqueou e sugeriu a renegociação total do acordo. Ele disse as mudanças políticas com as eleições europeias mostram que “não há uma linha lógica de avanço”.

“A ideologia está atrapalhando a união entre Mercosul e UE”, afirmou o uruguaio.

China

O petista também disse que o Brasil agora está aberto a aprofundar o diálogo do Mercosul para um “acordo abrangente” com a China. O governo brasileiro manda sinais de que poderia avançar em conversas, desde que em conjunto. Antes o País era mais refratário a essa negociação.

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O presidente do Uruguai reagiu positivamente e afirmou que a proposta uruguaia será retomar as conversas e que a abordagem de buscar um acordo bilateral com Pequim “não era por capricho”. O governo Lacalle Pou sugere que os países negociem em ritmos diferentes, dado o peso do intercâmbio comercial com Pequim para sua economia.

Lacalle Pou assumiu a presidência temporária do Mercosul para o segundo semestre. Ele celebrou as manifestações do governo brasileiro, ainda que a favor de uma negociação em conjunto, apenas como bloco.

Minerais e moedas

O presidente Lula propôs ainda que os países do bloco sul-americano lancem uma aliança de produtores de minerais críticos para sua inserção na cadeia internacional de fabricação dos semicondutores. Ele pediu que o Uruguai se dedice a aprimorar o sistemas de pagamentos entre os países usando moedas locais.

Ao falar sobre as guerras em curso no mundo, Lula voltou a defender uma conferência internacional que reúna russos e ucranianos como forma de engajamento ideal para promover a paz e chamou de “matança indiscriminada” de mulheres e crianças a ação militar de Israel contra os terroristas do Hamas na Faixa de Gaza.

Lula lembrou que o Brasil foi o primeiro membro do bloco a ratificar e fazer entrar em vigor, dias atrás, um acordo de livre comércio assinado em 2011, entre os países do Mercosul com e a Palestina. O gesto irritou a chancelaria argentina, já que Milei prioriza a aliança total com Israel no contexto da guerra em Gaza.

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