BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não enviar um substituto para assumir o posto de embaixador do Brasil em Israel, após remover em definitivo do cargo o embaixador Frederico Meyer. A partir de agora a embaixada em Tel-Aviv passará a ser chefiada, por tempo indeterminado, pelo encarregado de negócios Fábio Farias.
O decreto de Lula com a remoção de Meyer foi publicado no Diário Oficial da União desta quarta-feira, dia 29, e assinado na véspera. O Itamaraty diz que a embaixada funcionará normalmente, embora a representação política tenha sido rebaixada.
A decisão do presidente é uma forma de protesto diplomático em relação a Israel. O Palácio do Planalto e o Itamaraty consideram que o embaixador foi humilhado - assim como o próprio País - pelo governo do premiê Binyamin Netanyahu. Um embaixador a par da decisão afirmou que não havia clima para retomar a relação como se nada tivesse acontecido.
Em nota, a Conib (Confederação Israelita do Brasil), lamentou a retirada do embaixador. “Os dois países têm uma rica história de cooperação e afeto, iniciada desde a aprovação da partilha da Palestina pela ONU, em 1947, em votação na Assembleia Geral da organização conduzida pelo brasileiro Oswaldo Aranha. Desde então, as relações prosperaram e os laços entre os países se fortaleceram em benefício mútuo de seus povos”, afirmou.
E continua: “A medida unilateral do governo brasileiro nos afasta da tradição diplomática brasileira de equilíbrio e busca de diálogo e impede que o Brasil exerça seu almejado papel de mediador e protagonista no Oriente Médio.”
A Federação Israelita de São Paulo (Fisesp) expressou pesar e falou em falta de sensibilidade em sua nota sobre o caso. “Em vez de se abrir para o diálogo e entender, por exemplo, o drama dos reféns sequestrados, vítimas das mais trágicas torturas que o ser humano possa imaginar, o presidente mais uma vez estica a corda, complicando ainda mais as relações diplomáticas entre os países e ignorando a necessidade de uma representação ativa e empática em Israel”, afirmou Marcos Knobel, presidente da Fisesp.
Embora divergissem em diversos assuntos e principalmente na questão Israel x Palestina, a crise entre os governos escalou em fevereiro. Em viagem à Etiópia, na qual encontrou-se com lideranças políticas palestinas, Lula comparou as ações militares de Israel na Faixa da Gaza ao extermínio em massa de judeus por Adolf Hitler, comparação que foi considerada ofensiva pela comunidade judaica.
Em reação, Meyer fora convidado pelo chanceler Israel Katz para uma visita conjunta ao memorial do Holocausto, o museu Yad Vashem. Diante de câmeras e ao lado do embaixador, o ministro israelense anunciou uma reprimenda ao governo brasileiro e declarou que Lula era considerado persona non grata no país até que se desculpasse. Na ocasião, o embaixador foi colocado no que integrantes do governo consideraram uma espécie de “armadilha”. Ele não fala nem compreende hebraico, e ficou exposto diante da imprensa local, sem poder esboçar reação.
As declarações de Lula provocaram intensas reações e condenações da comunidade judaica, além do governo de Israel. A analogia também provocou manifestações contrárias de chefes de Estado e chancelarias no Ocidente. Lula já havia acusado, reiteradas vezes, o governo israelense de promover genocídio em Gaza e de praticar atos de terrorismo na guerra declarada contra o Hamas, em reação ao massacre promovido pelo grupo terrorista em 7 de outubro de 2023.
Próximo a políticos de direita e sem trânsito no governo Lula, o embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine, foi chamado ao Ministério das Relações Exteriores para ouvir as queixas brasileiras e o Frederico Meyer foi convocado de volta ao País para consultas temporariamente.
Na sexta-feira, dia 26, Meyer viajou a Tel-Aviv pela primeira vez, após um período de três meses no Brasil para consultas junto ao presidente e ao ministro Mauro Vieira. A viagem, contudo, não era para que ele reassumisse o cargo. O embaixador foi designado representante especial do Brasil junto à Conferência do Desarmamento, em Genebra, na Suíça.
Nesse período, o governo de Israel fez diversas cobranças por retratação, por meio do chanceler Katz nas redes sociais, e passou a investir ainda mais na relação com o espectro político de oposição ao petista no Brasil. Netanyahu convidou o ex-presidente Jair Bolsonaro a visitar o país e recebeu os governadores de oposição Ronaldo Caiado (Goiás) e Tarcísio de Freitas (São Paulo).
O ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, indicou em passagem pela China na semana passada que a tendência era que Meyer não permanecesse em Israel, mas que não sabia ainda se Lula enviaria outro embaixador em seu lugar.
Para substituir Meyer, Lula precisaria submeter ao Senado o nome de outro diplomata, que deveria ser sabatinado e aprovado por maioria de votos, no momento em que o governo sofre reveses no Congresso. Era esperado mais uma vez que a oposição questionasse a política externa lulista para o Oriente Médio e a crise com Israel.
Prevaleceu no governo a avaliação de que as “ofensas foram muito graves” e que Netanyahu não mudou sua postura de embate e desqualificação com governantes e líderes mundiais críticos a suas ações militares na guerra contra os terroristas do Hamas. Além disso, ignora as determinações da Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Diplomatas citam o exemplo da Espanha. O mesmo chanceler Katz tem usado as redes sociais para ironizar e provocar em embate direto com o premiê Pedro Sánchez, que anunciou a decisão do governo espanhol de reconhecer o Estado palestino. “O Hamas agradece seus serviços”, escreveu ele, ao publicar um vídeo direcionado ao país. O chefe da chancelaria israelense ainda acusou o chefe do governo da Espanha de ser cúmplice de crimes de guerra e do assassinato de judeus. Irlanda e Noruega também sofreram críticas por terem seguido a decisão espanhola e reconhecido o Estado da Palestina.
A remoção de Meyer se concretizou dias após um ataque aéreo matar ao menos 45 refugiados palestinos Rafah, motivo de protestos amplos na comunidade internacional e apesar de apelos do Brasil e de uma série de países, inclusive aliados israelenses como os Estados Unidos, para que as Forças de Defesa de Israel se abstivessem de operações na cidade. O primeiro-ministro israelense afirmou que o bombardeio foi um “acidente trágico”.
Rafah, na fronteira com o Egito, concentra cerca de 70% da população em Gaza, deslocada para lá a mando dos militares israelenses no início da guerra, após os ataques terroristas de 7 de outubro. Diversos governantes e as Nações Unidas tentararam demover Netanyahu, dizendo que a incursão em Rafah seria uma tragédia anunciada, mas Israel segue com operações aéreas e terrestres na região.
Apesar de as postagens de Katz terem rareado, integrantes do governo avaliam que não houve nenhum sinal de arrefecimento na crise diplomática entre os países, que se arrasta desde fevereiro, e agravou-se agora com o gesto do petista de remover seu embaixador sem indicar outro. Lula sempre rejeitou a possibilidade de se retratar.
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