Em conversa com o ditador venezuelano Nicolás Maduro, na manhã deste sábado, 9, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os países da América do Sul têm “crescente preocupação” com a questão do Essequibo - região da Guiana que a Venezuela ameaça anexar e sobre a qual reivindica controle.
Segundo o Palácio do Planalto, Maduro telefonou para Lula, e os dois conversaram sobre a declaração conjunta aprovada na Cúpula do Mercosul, condenando “ações unilaterais”. Lula se ofereceu novamente para mediar a questão e disse que a América Latina é uma “região de paz com longa tradição de diálogo”.
A tensão entre Venezuela e Guiana é causada por uma disputa territorial centenária pela região do Essequibo. A região hoje faz parte do território da Guiana, mas é reivindicada pela ditadura de Maduro, que fez um plebiscito na semana passada propondo anexar quase 70% do território da Guiana. O local possui reserva vasta de petróleo e é motor para o crescimento econômico do país, o maior do mundo em 2022.
A anexação e eventual ocupação do território da Guiana pela Venezuela é criticada pela maior parte da comunidade internacional. Em busca de apoio, Maduro viaja na semana que vem para a Rússia, para se encontrar com Vladimir Putin, um aliado de longa data da Venezuela e a quem Maduro já elogiou pela invasão da Ucrânia.
“O presidente Lula transmitiu a crescente preocupação dos países da América do Sul sobre a questão do Essequibo. Expôs os termos da declaração sobre o assunto aprovada na Cúpula do Mercosul e assinada por Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina, Colômbia, Peru, Equador e Chile. Recordou a longa tradição de diálogo na América Latina e que somos uma região de paz”, disse o governo brasileiro em comunicado à imprensa.
Na conversa deste sábado, ainda segundo a assessoria de Lula, o presidente frisou que é “importante evitar medidas unilaterais que levem a uma escalada da situação”.
Lula voltou a oferecer o Brasil como mediador de um diálogo entre os dois países, assim como o presidente da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), Ralph Gonsalves.
Na declaração final da cúpula do Mercosul, os países condenaram eventuais “ações unilaterais”, em uma clara mensagem para a Venezuela. “Nesse contexto, (os países) alertam sobre ações unilaterais que devem ser evitadas, pois adicionam tensão, e instam ambas as partes ao diálogo e à busca de uma solução pacífica da controvérsia”.
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, 95% da população optou pelo sim no plebiscito.
A crise econômica da Venezuela e as concessões feitas por Maduro para a participação da oposição nas eleições marcadas para o ano que vem fizeram com que o regime buscasse meios para tentar oxigenar o seu movimento, avalia o professor de relações internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan. “Este plebiscito teve esse papel, de mobilizar a população. A existência de um inimigo externo é sempre um fator mobilizador”, ressalta o especialista.
A possibilidade de uma guerra iniciada por Caracas para a anexação de Essequibo é pequena, de acordo com Stuenkel e teria um custo diplomático muito alto para a ditadura de Maduro. A Venezuela conta com a flexibilização das sanções por parte dos Estados Unidos e União Europeia para respirar economicamente. O alívio do pacote de sanções para o regime de Maduro ocorreu em um contexto de maior busca por petróleo após o início da guerra da Ucrânia e foi condicionado a realização de eleições livres e justas no país em 2024.
Leia mais sobre a crise Venezuela e Guiana
As reservas de petróleo no território da Guiana são um fator chave para entender a disputa entre o único país de língua inglesa na América do Sul e a Venezuela. A descoberta de petróleo bruto no país em 2015 pela empresa americana do setor petrolífero ExxonMobil transformou a economia da Guiana. A ex-colônia britânica possui cerca de 11 bilhões de barris de reservas provadas de petróleo bruto, ou cerca de 0,6% do total mundial. A produção começou três anos atrás e agora está aumentando o ritmo.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o país cresceu 62% no ano passado e deverá somar mais 37% este ano. Essa é a taxa de crescimento mais rápida em qualquer lugar do mundo.
A situação do país vizinho é bem diferente, com o sucateamento da empresa estatal venezuelana de petróleo PDVSA, devido a diversos casos de corrupção e mau gerenciamento. A capacidade de produção de petróleo da Venezuela caiu de 3.4 milhões de barris para apenas 700,000 por dia.
Entenda o conflito entre Guiana e Venezuela
Mais de 95% dos 10,4 milhões de eleitores que participaram de um plebiscito promovido na Venezuela no último domingo, 3, aprovaram a reivindicação de Nicolás Maduro pelo território de Essequibo, que hoje é administrado pela Guiana. A consulta pública é o capítulo mais recente em uma disputa centenária entre os dois países, que nunca chegaram a um consenso sobre a quem pertence a área. Veja abaixo perguntas e respostas sobre o conflito territorial entre as duas nações sul-americanas.
O que é Essequibo?
A Venezuela e a Guiana lutam há mais de um século pelo território de Essequibo, uma região de 160 mil quilômetros quadrados rica em petróleo e minerais, administrada pela Guiana.
Onde fica Essequibo?
O território de Essequibo corresponde a 75% do que hoje é a Guiana. A Guiana é um país localizado no norte da América do Sul, com fronteiras, ao sul, com o Brasil, com a Venezuela no sudoeste e com o Suriname ao leste.
Que Estado brasileiro faz fronteira com a Guiana?
Roraima e Pará. A fronteira do Brasil com a Guiana tem extensão de 1.605,8 km. Especificamente a região reivindicada pela Venezuela faz fronteira com o território brasileiro só através do Estado de Roraima. Há uma ponte que conecta a cidade brasileira de Bonfim à cidade de Lethem.
Por que a Venezuela quer parte da Guiana?
A Venezuela sempre considerou Essequibo como seu território porque a região esteve dentro das suas fronteiras durante o período colonial espanhol. Após declarar independência da Espanha, em 1811, a Venezuela avançou em direção ao rio Essequibo. Três anos depois, o Reino Unido assumiu o controle do que hoje é a Guiana. A definição das fronteiras ficou em aberto, e a coroa britânica ficou então com o território. Então, em 1899, foi convocado um tribunal internacional e ficou decidido que o território pertencia a então à Guiana.
Cinco décadas mais tarde, a Venezuela voltou a contestar o território. Em 1966, a Venezuela e o Reino Unido (que comandava a Guiana) assinaram o Acordo de Genebra, para buscar uma solução para o conflito fronteiriço, reconhecendo a existência de uma controvérsia decorrente da sentença de 1899. Contudo, as tratativas associadas a esse acordo continuaram a se desdobrar ao longo do tempo, sem que se alcançassem resultados concretos. Agora, a Guiana pede à Corte Internacional de Justiça que a decisão de 1899 seja mantida enquanto a Venezuela usa a brecha de 1966 para reivindicar o território.
A disputa foi reavivada depois que a empresa americana ExxonMobil descobriu grandes reservas de petróleo na área. As tensões, no entanto, aumentaram depois de a Guiana anunciar um leilão de exploração de petróleo na área. Caracas alega que Georgetown não tem o direito de lançar concessões em áreas marítimas na região.
Por que a Venezuela propôs um plebiscito?
A Venezuela realizou no último domingo um plebiscito para fortalecer e reafirmar a reivindicação sobre o território. A consulta, não vinculante, não foi sobre autodeterminação, pois este território é administrado pela Guiana e seus 125 mil habitantes não votaram. Participaram da consulta mais de 10,4 milhões de votantes, metade do eleitorado da Venezuela, e mais de 95% concordaram que o Essequibo se torne uma província do país.
O que muda após o resultado do plebiscito?
O resultado não muda em nada o litígio que os dois países mantêm sobre a região na Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais alta instância judicial das Nações Unidas, cuja jurisdição Caracas não reconhece.
Entretanto, na terça-feira, 5, Maduro ordenou, à estatal petrolífera PDVSA a concessão de licenças para a exploração de recursos na região, a elaboração de uma lei especial para “proibir” a contratação destas empresas que operam na área sob concessões concedidas pela Guiana e a criação de uma “zona de defesa integral da Guiana Essequiba”.
Qual a posição do Brasil diante do conflito entre Venezuela e Guiana?
O governo brasileiro, assim como outros países sul-americanos, pediu para que os países resolvessem suas diferenças territoriais por meios diplomáticos. No fim de semana, antes do resultado do referendo, o presidente Lula pediu por “bom senso” em ambos os lados e declarou que “o que a América do Sul não está precisando é de confusão”.
Quantos militares têm a Venezuela?
Segundo o Anuário Militar de 2023 do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, de Londres), a Venezuela 123 mil militares na ativa, mais 220 mil paramilitares e equipamentos obtidos da Rússia e da China, duas potências militares globais.
Quantos militares têm a Guiana?
O país de 750 mil habitantes conta com apenas 3,4 mil soldados, dos quais metade estão em funções na segurança pública. Ou seja, são policiais, sem treinamento de combate. O país também tem poucos equipamentos militares: são seis blindados brasileiros Cascavel-EE9, fabricados pela extinta Engesa em 1984.
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