Declaração de Lula sobre o Tribunal de Haia atrapalha o Brasil na diplomacia, diz analista

Para a a diretora do programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Laura Trajber Waisbich, o presidente brasileiro pode minar a credibilidade do País com declarações e reduzir a possibilidade de alavancar áreas que o governo quer reformar

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Foto do author Daniel Gateno
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Foto: Reprodução/X
Entrevista comLaura Trajber WaisbichDiretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford

“O presidente Lula sabota a sua construção de projeto de reforma na governança global com as suas declarações infelizes a respeito do Tribunal Penal Internacional”, avalia a diretora do programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Laura Trajber Waisbich. A analista aponta que as afirmações do mandatário brasileiro em relação ao TPI minam a credibilidade do presidente para se colocar como um mediador para a guerra na Ucrânia e a vontade brasileira de uma reforma do Conselho de Segurança da ONU.

No sábado, 9, durante a cúpula do G-20, Lula afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, seria bem recebido para participar da próxima cúpula do G-20, marcada para novembro do ano que vem no Rio de Janeiro, ignorando o fato de que o Brasil é signatário do TPI, que emitiu em março um mandado de prisão contra Putin por crimes de guerra por causa de seu suposto envolvimento em sequestros e deportação de crianças de partes da Ucrânia ocupadas pela Rússia durante a guerra.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de coletiva de imprensa após a cúpula do G-20 em Nova Délhi, Índia  Foto: Sajjad Hussain/AFP

Nesta segunda-feira, 11, Lula recuou sobre a possibilidade de blindar Putin de uma eventual prisão, mas afirmou que o tribunal funciona somente com países “bagrinhos”, referência aos menos desenvolvidos e que nem sabia da existência do TPI. Ele deixou em aberto uma eventual retirada do Brasil do Estatuto de Roma, que estabeleceu a Corte. Lula afirmou que vai avaliar o caso e argumentou que integrantes do Conselho de Segurança das Nações Unidas nem sequer reconhecem a corte. É o caso Estados Unidos, Rússia e China.

“O Brasil não é o único país que tem questionamentos em relação a como está funcionando esse órgão, mas existem outras maneiras de contestar quando um órgão não está funcionando da melhor forma. Fazer isso em uma entrevista soa quase como uma provocação e não ajuda ninguém”, destaca a diretora do programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford.

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Confira trechos da entrevista

Na sua avaliação, as declarações do presidente Lula atrapalham o projeto multilateral brasileiro?

Eu avalio que as declarações do presidente Lula têm uma consequência e têm uma repercussão que é problemática.

A consequência já começa no nível discursivo porque historicamente o próprio presidente e o Brasil trabalham com uma ideia de fortalecimento do multilateralismo em paralelo com críticas contundentes e com iniciativas de reforma sobre esse multilateralismo é justamente isso que levou a própria construção do Brics e a aspiração brasileira pela reforma do do Conselho de Segurança.

Essa vontade do Brasil é central na política externa brasileira, além de Lula, mas o atual presidente é o grande expoente dessa ideia e aí de repente existe um certo conflito entre um discurso de reforma construtivo e uma menção infeliz de desrespeito ao Tribunal Penal Internacional.

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Nesse sentido é infeliz porque ele sabota a própria construção que tá sendo feita por ele mesmo e pelo seu governo em relação à reforma do multilateralismo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden e o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, participam de cerimonia durante a cúpula do G-20 em Nova Délhi, Índia  Foto: Kenny Holston /AFP

E isso não significa que o Brasil não possa debater a seletividade do Tribunal Penal Internacional e em que medida este órgão de Justiça internacional falha, como falhou por exemplo no julgamento de autoridades americanas no conjunto da guerra contra o terrorismo.

Como isso afeta a diplomacia brasileira no geral? Pensando nas diferentes frentes do Brasil com o Brics, presidência do G-20 e Mercosul?

Lula sempre foi e vai continuar sendo o maior diplomata do Brasil, né? Ele é um presidente diplomata e a diplomacia presidencial é característica do seu governo e vai continuar sendo agora e a longo prazo.

E muitas vezes o presidente dá uma declaração e depois revê o que falou. Já aconteceu diversas vezes em relação a guerra na Ucrânia e vai continuar acontecendo nos próximos anos durante o mandato de Lula porque faz parte da personalidade dele.

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No longo prazo, acredito que isso pode tirar a credibilidade do presidente em alguns assuntos, principalmente em uma possível mediação em relação a guerra na Ucrânia porque o Brasil ainda não acertou exatamente o discurso sobre isso.

Se Lula quer se colocar como mediador do conflito, ele precisa jogar com as regras do multilateralismo, né? Essa é uma atividade por essência de governança global e multilateral então discursivamente não faz sentido ele dizer que não respeita o que foi determinado pelo Tribunal Penal Internacional.

O Brasil não é o único País que tem questionamentos em relação a como está funcionando esse órgão, mas existem outras maneiras de contestar quando um órgão não está funcionando da melhor forma.

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Fazer isso em uma entrevista soa quase como uma provocação e não ajuda ninguém.

É possível que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, venha ao Brasil para participar da cúpula do G-20?

Putin já teve duas oportunidades de viajar para países do Brics, que são teoricamente países que não têm um discurso frontal contra a Rússia e não viajou para a Índia e nem para África do Sul.

No caso da África do Sul, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa pediu que o presidente russo não comparecesse a reunião do Brics.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma foto com o presidente da China, Xi Jinping, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov  Foto: Gianluigi Guercia / Reuters

Acredito que não será bom para o Brasil que Putin participe presencialmente da próxima reunião do G-20, assim como não teria sido bom para a África do Sul se o presidente russo tivesse ido a cúpula do Brics. Então a diplomacia brasileira deve tentar convencer os russos de que é melhor que Putin não venha ao Brasil para não colocar o País em uma situação complicada.

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Quais são os desafios da diplomacia brasileira e do próprio Lula para o futuro?

Eu acredito que o desafio é a afinar as criticas e torná-las produtivas.

Avalio que o papel histórico do Brasil e de Lula é de alavancar processos necessários de reforma de governança global e é necessário que atores inconformados protestem contra o atual sistema. Uma figura como a de Lula tem capacidade política e força para fazer uma critica mais forte, ele tem visibilidade e capacidade de articulação. O que falta é afinar este discurso.

As frases de efeito do presidente, as declarações não pensadas com calma, essa falta de cuidado pode prejudicar no longo prazo a construção para a cúpula do G-20 para o ano que vem.

É preciso negociar com diferentes membros para tornar viável um texto para alavancar áreas que o governo quer reformar sobre desenvolvimento sustentável e uma possível reforma do Conselho de segurança da ONU.

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Então Lula precisa fazer criticas concisas e embasadas e não declarações simples que podem minar a credibilidade do governo brasileiro.

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