Lula promete doar mais dinheiro a agência da ONU acusada por Israel de colaborar com ataque do Hamas

Presidente anuncia em jantar com embaixadores árabes reforço ao caixa da agência para refugiados palestinos; 16 países suspenderam doações após Israel apontar em dossiê colaboração de funcionários com terroristas e ONU já fala em ‘infiltração’

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai aumentar a doação de recursos públicos do Brasil à agência das Nações Unidas destinada a ações humanitárias de suporte aos refugiados paletinos. O principal órgão da ONU na Faixa de Gaza está no centro de uma crise relacionada à guerra entre Israel e os terroristas do Hamas. Doze funcionários da agência foram acusados pela inteligência de Israel de participarem dos ataques promovidos pelo Hamas em 7 de outubro, o que levou a um bloqueio no financiamento internacional do órgão, demissões e à abertura de uma investigação interna.

Em reação ao que o governo brasileiro entende ser uma ameaça à continuidade do trabalho em Gaza, o presidente Lula prometeu ampliar os repasses à agência. O anúncio foi feito durante visita à Embaixada da Palestina em Brasília, na noite desta quinta-feira, dia 8.

Lula da Silva e o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, plantam uma muda de oliveira no no jardim da embaixada em Brasília, em gesto de apoio político Foto: Ricardo Stuckert / PR Foto: Ricardo Stuckert/PR

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“O Brasil exorta a comunidade internacional a manter e reforçar suas contribuições para o bom funcionamento das suas atividades. Meu governo fará aporte adicional de recursos para a agência”, assegurou Lula, conforme discurso divulgado nesta sexta-feira, dia 9, pelo Palácio do Planalto. “O Brasil também integra a Comissão Consultiva da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA). As recentes denúncias contra funcionários da UNRWA precisam ser devidamente investigadas, mas não podem paralisá-la.”

O valor adicional a ser transferido pelo Brasil não foi divulgado. Consultados pelo Estadão, integrantes das equipes do Palácio do Planalto, do Ministério da Fazenda e do Ministério das Relações Exteriores disseram que ainda não há uma cifra definida.

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A agência depende de contribuições voluntárias. Cerca de 95% do orçamento vem de transferências governamentais. Conforme balanços recentes, a UNRWA teve orçamento de US$ 1,17 bilhão, em 2022. Os maiores doadores foram países membros da União Europeia (US$ 520 milhões) e os Estados Unidos (US$ 344 milhões). O Brasil transferiu apenas US$ 75 mil.

A atuação e o financiamento da Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) viraram uma crise política e diplomática, decorrente da guerra em Gaza.

Em janeiro, o governo de Israel acusou - com dossiê entregue aos EUA - colaboradores da agência de envolvimento direto nos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro, que causaram a morte de 1.200 pessoas, a captura de 250 reféns e deflagraram a guerra em andamento na região.

Dos 12 acusados, nove foram demitidos, dois ainda precisam ser identificados e um morreu. A ONU já fala em uma “infiltração” do Hamas.

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ONU tenta evitar a paralisia dos serviços da UNRWA em Gaza, após Israel acusar 12 funcionários de participar dos ataques terroristas de 7 de outubro 

Segundo Israel, cerca de 190 colaboradores da agência que distribui alimentos, fornece abrigo e educação aos refugiados palestinos teriam algum tipo de militância em grupos radicais que promovem atos terroristas, como o Hamas e a Jihad Islâmica.

Nos primeiros 125 dias de guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, um total de 154 funcionários da agência em Gaza foram mortos, durante os bombarbeiros e incursões das Forças de Defesa de Israel (FDI).

Ao todo, 27,9 mil pessoas morreram em Gaza, de acordo com dados do Ministério da Saúde controlado pelo braço político do Hamas - os números carecem de verificação independente. A guerra levou ao deslocamento forçado de 1,7 milhão de palestinos dentro da Faixa de Gaza. Eles agora se concentram ao Sul, onde Israel também promove bombardeios, aumento o risco para civis.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, tem apelado pelo desbloqueio dos recursos para a agência. Ele prometeu agir imedidamente, caso receba qualquer nova informação a respeito da “infiltração” do Hamas na ONU, em qualquer nível.

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Guterres também afirmou que 3 mil colaboradores estão diretamente envolvidos na ação humanitária emergencial em Gaza, de um quadro de pessoal de 13 mil no local, e que seus serviços são insubstituíveis.

Em decorrência das acusações, países ocidentais aliados de Israel interromperam as contribuições, consideradas fundamentais para a continuidade do atendimento humanitário em Gaza.

Os EUA anunciaram nesta sexta-feira, dia 9, que não vão retomar a colaboração até que a investigação seja concluída. No início do mês, a União Europeia decidiu manter repasses por avaliar que são essenciais para sobrevivência dos refugiados, mas considerou as denúncias “muito graves” e cobrou uma auditoria na agência.

O Itamaraty já havia dito, em nota, que acompanha com atenção a apuração interna em curso nas Nações Unidas:

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“O Brasil confia em que as investigações, ora em curso, conduzidas pelo Escritório de Serviços de Supervisão Interna das Nações Unidas (OIOS), e que resultaram na demissão de funcionários da Agência, chegarão a bom termo. As referidas denúncias não devem, entretanto, ensejar redução das contribuições imprescindíveis ao funcionamento da UNRWA, em cenário que pode levar ao colapso das atividades da agência, em contexto de grave crise humanitária em Gaza e em prejuízo do cumprimento de recente decisão, de caráter juridicamente vinculante, pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), sobre o imperativo de garantir o acesso humanitário aos cidadãos de Gaza. A população civil palestina na região e os esforços de ajuda humanitária têm na UNRWA um ponto de apoio indispensável.”

O governo tem defendido um cessar fogo, com a libertação de reféns israelenses e a liberação de estrangeiros civis que manifestam desejo de deixar Gaza. Historicamente, o Brasil defende a coexistência de dois Estados, a Palestina e Israel.

Lula jantou com embaixadores de países árabes e muçulmanos na embaixada da Palestina em Brasília
Foto: Ricardo Stuckert / PR Foto: Ricardo Stuckert

A promessa de ampliar a doação é mais um gesto de Lula em favor dos palestinos, numa sequência que incluiu declarações de que os militares israelenses promovem “terrorismo” e “genocídio” do povo palestino na Faixa de Gaza. A decisão mais importante até agora foi o endosso político do Brasil, a pedido dos palestinos, ao processo movido pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), cobrando medidas urgentes sob acusação de genocídio.

A decisão gerou protestos da comunidade judaica no Brasil e da chancelaria israelense, além de ter provocado críticas internas a Lula, por parte da oposição, e reação de analistas com experiência diplomática, como o ex-chanceler Celso Lafer.

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Viagem

O anúcio do aporte à agência e a visita à embaixada antecedem a viagem de Lula ao Norte da África. Ele irá ao Cairo, no Egito, e a Adis Abeba, na Etiópia. Durante a viagem, entre 15 e 18 de fevereiro, o petista conversará sobre a guerra em Gaza com o presidente do Egito, o general Abdel Fattah El-Sissi, com a liderança da Liga Árabe e com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, a quem Lula chamou de “amigo”.

O presidente também disse que rechaça “todas as manifestações de islamofobia e antissemitismo” e que condena com igual veemência os ataques terroristas do Hamas e a reação desproporcional de Israel. Ele incentivou que a Autoridade Palestina e Israel retomem o diálogo de forma urgente.

“É chegada a hora de dar uma basta à catástrofe humanitária que se abateu sobre os mais de 2 milhões de palestinos que vivem em Gaza. Já são quase 30 mil mortos, em sua maioria crianças, idosos e mulheres indefesas. Mais de 80% da população foi objeto de transferência forçada e os sistemas de saúde, de fornecimento de água, energia e alimentos estão em colapso. Basta de punição coletiva. Por esses motivos, entre outros, o Brasil se manifestou em apoio ao processo instaurado na Corte Internacional de Justiça pela África do Sul. As medidas cautelares da Corte devem ser acatadas”, afirmou aos embaixadores.

Após quatro anos de declarada simpatia política de Jair Bolsonaro e inclinação diplomática a favor dos pleitos de Israel, Tel Aviv tem protestado, desde o início do governo Lula, de que o Brasil agora se mostra muito mais favorável aos apelos da Palestina.

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Em um claro gesto político, Lula foi na noite desta quinta-feira, dia 8, recebido em jantar na Embaixada da Palestina, em Brasília. O convite partiu do Conselho de Embaixadores Árabes no Brasil e dos Embaixadores dos Estados Membros da Organização de Cooperação Islâmica (OCI).

Foi o primeiro compromisso público de Lula em uma embaixada estrangeira, divulgado de última hora. A cerimônia foi restritida a embaixadores árabes e muçulmanos.

Além de ter discursado no jantar aos embaixadores, Lula plantou uma árvore com auxílio do embaixador da Palestina, decano do corpo diplomático estrangeiro, Ibrahim Mohamed Alzeben, o anfitrião. Ele já havia sido recebido por Lula em audiência no Palácio do Planalto, ocasião em que conseguiu convencer Lula a dar o apoio do Brasil ao processo contra Israel na CIJ.

“Plantando esperança para o mundo”, escreveu Lula, ao divulgar o vídeo plantando a muda de oliveira. “O senhor está plantando esperança para o povo palestino e para o mundo, se Deus quiser”, disse o embaixador Alzeben, na gravação nos jardins da embaixada.

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Tel Aviv

A visita à embaixada palestina ocorreu na mesma semana em que Tel Aviv despachou a Brasília o diplomata Omer Katz, diretor do Departamento de Brasil e Caribe no Ministério das Relações Exteriores, para contatos com o governo federal.

A diplomacia israelense tem um relacionamento conturbado com o governo. São recorrentes as críticas de Israel e da comunidade judaica a manifestações do PT e aliados de Lula.

O presidente ficou irritado ao ver, no ano passado, o embaixador de Israel, Daniel Zonshine, em uma reunião para exibir imagens dos ataques do Hamas a parlamentares da oposição no Congresso Nacional, à qual o ex-presidente Jair Bolsonaro, principal adversário político de Lula, compareceu. O embaixador afirmou que não sabia previamente da presença de Bolsonaro. Parlamentares do PT sugeriram que ele fosse expulso do País.

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