Lula retoma agenda internacional com visitas a Egito, Etiópia e Caribe; saiba o que está em jogo

Principal série de viagens ao exterior de Lula em 2024 tem viés essencialmente político e trata de guerra no Oriente Médio e disputa territorial na América do Sul

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou no Egito, nesta quarta-feira, dia 14, dando início ao seu primeiro - e até agora principal - giro internacional previsto para ocorrer em 2024. No continente africano, o presidente também vai à Etiópia, antes de regressar à América do Sul, com uma parada na Guiana. Em seguida, voará a São Vicente e Granadinas, no Caribe.

Com viés essencialmente político, as quatro viagens de Lula têm como objetivo sinalizar prioridades de relacionamento entre o Brasil e países africanos e latino-americanos do chamado Sul Global, eixo que marcou mandatos anteriores do petista na Presidência.

O presidente Lula chegou ao Cairo, Egito, ao lado da primeira-dama Janja da Silva Foto: Ricardo Stuckert/PR

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Em pauta estão temas como a reforma das instituições multilaterais, sobretudo das Nações Unidas, clima e financiamento internacional. Segundo assessores, Lula também vai aproveitar para levar adiante a mensagem de combate à fome e à pobreza, outra pauta que elegeu para o Brasil como prioritária, à frente do G-20.

Outra pauta da viagem será a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas e seus desdobramentos em conflitos na região, que envolvem o Irã. Na viagem ao Caribe, a atenção estará voltada para a disputa entre Venezuela e Guiana sobre o Essequibo.

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O governo espera que o Brasil recupere espaço como ator econômico, por meio de comércio e investimentos, e geopolítico relevante tanto na África quanto no Caribe. No setor de serviços de engenharia, por exemplo, o país perdeu posições de liderança e viu o avanço de empresas de China, Índia e Europa. Os chineses se tornaram nos últimos anos um dos principais credores no continente, onde fazem investimentos de infraestrutura, com a Nova Rota da Seda, e rivalizam até com a influência militar da Rússia.

Discursos

O presidente Lula vai participar de três cúpulas com líderes políticos: a 37ª Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da União Africana, a 46ª Cúpula do Mercado Comum e Comunidade no Caribe (Caricom) e a VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).

O formato oferece a oportunidade de diplomacia presidencial em que Lula pode falar a grupos de chefes de Estado e de governo e depois de se reunir à parte com alguns deles, os chamados encontros bilaterais. Ao confirmar a intenção de discursar nas cúpultas, Lula afirmou que desejava falar aos demais líderes sobre “democracia, sobre reforma da ONU e financiamento”.

Países africanos, o Egito e a Etiópia são dois dos novos membros do Brics, grupo de economias emergentes até o ano passado formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O bloco passou por um processo de expansão e deverá contar agora com dez membros, após a recusa do convite oficializada pelo novo presidente da Argentina, Javier Milei.

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Além disso, o governo Lula convitou o Egito a participar do G-20, fórum de cooperação atualmente presidido pelo Brasil, e que contará a partir da edição de 2024 com a União Africana como integrante permanente, o que foi aprovado com apoio do Brasil no ano passado.

Cairo

A única visita bilateral é ao Egito, com encontros principais nesta quinta-feira, dia 15, no Cairo. O presidente voltou ao país onde esteve logo após sua vitória nas eleições de 2022 e antes da posse, quando participou da cúpula climática das Nações Unidas, a COP-27, em Sharm El-Sheikh, a convite do governo egípcio.

No primeiro dia, o presidente fez passeios com a primeira-dama Janja da Silva. Visitou monumentos do país, como as Pirâmides e a Esfinge de Gizé e um novo museus de antiguidades. Ganharam de presente uma réplica da Esfinge do faraó Tutancamon. A viagem ocorre no ano em que os países celebram 100 anos de relações diplomáticas.

Lula conversará pessoalmente com o presidente do Egito, o general Abdel-Fattah el-Sissi, um dos principais atores nas questões que envolvem os países árabes, sobretudo a histórica disputa entre palestinos e israelenses.

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Fica no Cairo a sede da Liga dos Estados Árabes, onde Lula também passará para conversar com o secretário-geral da organização, embaixador Ahmed Gheit, ex-chanceler egípcio. Na ocasião, o petista proferir um discurso extraordinário sobre a guerra e a situação dos palestinos, além de falar sobre relações do Brasil com o grupo de 22 países, diante de representantes deles.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, os presidentes vão tratar de comércio e investimentos e cooperação técnica, em educação e em defesa. Há cerca de dois anos, os países discutem a retomada de um voo direto, da Egypt Air, entre Cairo e São Paulo, ainda pendente de confirmação.

Estão previstas assinaturas de acordos bilaterais em bionergia e ciência, tecnologia e inovação. O Itamaraty credita ao Egito “ator geopolítico fundamental em diversas questões de paz e segurança mundiais” e “importante parceiro do Brasil em foros internacionais”.

O governo reputa como “fundamental” o apoio do Egito na repatriação de 115 cidadãos brasileiros da Faixa de Gaza, por meio da passagem de Rafah. Houve intensa coordenação e contatos entre autoridades dos dois governos nos últimos meses, desde os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023. O Egito é o único país, ao lado de Israel, a ter fronteira com a Faixa de Gaza, sendo, portanto, país-chave na entrada de socorro humanitário e na saída de feridos e estrangeiros.

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Como mostrou o Estadão, o governo brasileiro ainda tenta a repatrição de 19 brasileiros que permanecem em Gaza e não conseguiram deixar a zona de guerra. A situação preocupa porque Isarel promove bombardeios na região de Rafah e ameaça fazer uma incursão militar terrestre.

“Tal operação, se levada a cabo, terá como graves consequências, além de novas vítimas civis, um novo movimento de deslocamento forçado de centenas de milhares de palestinos, como vem ocorrendo desde o início do conflito”, disse o Itamaraty, em nota.

Para evitar que os brasileiros sejam alvo, a diplomacia costuma compartilhar a localização de onde estão abrigados com as Forças de Defesa de Israel. Do lado israelense, autoridades reconhecem que há um refém brasileiro - Michel Nisenbaum - entre os 136 em poder do Hamas. A situação dele é desconhecida.

O Brasil pressiona Israel a não promover a ação, assim como o Egito, que tem receio do deslocamento em massa mais palestinos, agora para o Sinai, e prometeu militarizar sua fronteira com tanques e romper o acordo de paz assinado há 45 anos com Tel Aviv. O embaixador do Brasil no Cairo, Paulino Franco de Carvalho Neto, considera que o Egito desempenha um papel de “moderador na solução pacífica do conflito”.

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Adis Abeba

Entre os dias 16 e 18, Lula visitará a sede da União Africana, em Adis Abeba, Etiópia, e discursará na reunião de cúpula. No ano passado, o presidente prometeu retomar linhas de financiamento à África, defendeu a renegocião da dívida externa dos países do continente e já autorizou a abertura de embaixadas em Kigali (Ruanda) e Freetown (Serra Leoa), atualmente em processo de montagem. O presidente também sinalizou com cooperação técnica em setores como saúde e agricultura.

Lula deve se encontrar pessoalmente com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, também convidado para a cúpula em Adis Abeba. Nas últimas semanas, o Lula fez uma série de gestos a favor dos palestinos: aunciou socorro financeiro - cujo valor não foi divulgado - à Agência da Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNWRA), que teve receitas bloqueadas por acusão de colaborar com o Hamas; endossou politicamente a acusação contra Israel de genocídio, levada à Corte Internacional de Justiça pela África do Sul; visitou a Embaixada da Palestina em Brasília, onde plantou uma muda de oliviera com o embaixador Ibrahim Alzeben, a quem já tinha recebido em audiência no Palácio do Planalto; e ainda acusou, em discursos, Israel de promover “genocídio” e “terrorismo” em resposta militar que considera “desproporcional” ao Hamas.

Georgetown e Kingstown

Nos dias 25 a 28, Lula voará a Georgetown, capital da Guiana, para discursar na Caricom, que reúne 20 países (15 membros e 5 associados), em sua maioria insulares. Um deles é o Haiti, que vive uma crise política, social e humanitária, e onde o Brasil liderou por 13 anos uma missão de paz das Nações Unidas.

Neste ano, o país será palco de uma missão policial de segurança, de caráter multinacional, na tentativa de ajudar a polícia local a controlar o terrirtório, em grande parte dominado por grupos criminosos.

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A Comunidade do Caribe é um bloco de cooperação política e econômica, sob forte influência dos Estados Unidos, mas de interesse e presença comercial e política crescente também da China - quatro países caribenhos mantêm relações diplomáticas com Taiwan.

No fim do ano passado, Lula anunciou a reabertura da embaixada do Brasil em Kingstown (São Vicente e Granadinas), como forma de retomar a relevância do País no comércio com a região, com foco no petróleo, minério de ferro, produtos de ferro e aço e alimentos.

Lula vai ainda esticar a viagem para comparecer à Cúpula da Celac, em Kingstown, no dia 1º de março, quando também deve discursar. Assim como a Caricom, o governo brasileiro defende que a questão do Essequibo seja mediada também por meio da Celac, para evitar que a presença dos Estados Unidos, em fóruns como a OEA (Organização dos Estados Americanos), influencie as tratativas.

Uma primeira reunião entre presidentes ocorreu em Argyle (São Vicente e Granadinas) em 14 de dezembro. Os dois líderes se comprometeram que suas nações “não ameaçarão ou usarão a força uma contra a outra sob quaisquer circunstâncias, incluindo aquelas decorrentes de qualquer controvérsia existente entre ambos os Estados”.

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O presidente brasileiro voltará a conversar com o presidente Irfaan Ali, especialmente sobre as negociações em andamento com vezenuelanos, para mediação pacífica sobre o Essequibo. O Brasil sediou uma reunião de delegações de chanceleres de Guiana e Venezuela em janeiro.

A presença de Lula em Georgetown é interpretada na diplomacia e por analistas como um gesto de apoio à integridade territorial da Guiana e um aviso à Venezuela.

Já em Kingstown, Lula tem uma plataforma para voltar a conversar com o regime chavista sobra a questão do Essequibo e sobre a necessidade de normalização na Venezuela, com promoção de eleições, no momento em que Maduro e aliados agem para sufocar a oposição, rompendo os Acordos de Barbados. Ele poderá se reunir com o próprio ditador venezuelano, caso ele compareça à cúpula.

Oficialmente, o Brasil colocou-se como mediador da divergência, e Lula tem discursado reiteradas vezes contra um confronto militar. Maior país da América do Sul e com maior poder político e militar, o Brasil é visto como um ator-chave na estabilidade da região.

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Lula tem relação de afinidade política e emprestou prestígo à reabilização do internacional do ditador chavista Nicolás Maduro, que realizou um referendo para angariar apoio político no ano passado e ameaçar tomar à força o território do Essequibo, reivindicado historicamente por Caracas.

A região representa 70% do território da Guiana, com cerca de 160 mil quilômetros quadrados. Faz parte da Amazônia, é rica em recursos naturais, como petróleo, gás e minerais, e escassamente povoada, por isso a cobiça.

A Venezuela moveu e concentrou tropas na região, assim como o Brasil levou blindados para a fronteira. A Guiana também deslocou recursos de defesa, embora exista enorme assimetria entre o poderio bélico de suas tropas em comparação com a Força Armada Nacional Bolivariana da Venezuela (FANB).

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