BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai discutir com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, a exportação de maconha medicinal para o Brasil. O assunto é um dos temas prioritários da reunião ampliada entre governos que ambos promoverão na semana que vem, em Bogotá.
Lula viajará à Colômbia nos dias 16 e 17 de abril. O Estadão apurou que a exportação de maconha medicinal ao País é um dos temas em pauta de interesse do governo colombiano. O Brasil foi listado como um dos sete mercados na mira dos fabricantes da Colômbia.
Um documento preparatório da visita presidencial mostra que os colombianos querem discutir com o governo brasileiro a “homologação regulatória em matéria farmacêutica/acesso de cannabis medicinal de origem colombiana ao Brasil”.
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Uso no Brasil
O uso da cannabis para fins de tratamento médico é permitido no Brasil, dentro de uma série de regras, mas o cultivo da planta não, à exceção de casos determinados pela Justiça. No ano passado, foi proibida a importação de flores e outras partes da maconha in natura para uso medicinal.
Permitidos desde 2015, os medicamentos com cannabidiol, portanto, são necessariamente importados. Pacientes podem requerer a importação para uso próprio, por até dois anos, desde que tenham receita médica. A autorização cabe à Anvisa.
O medicamento é usado sobretudo para minimizar dores, por pacientes com síndromes raras e distúrbios neurológicos. Pacientes reclamam que o procedimento é burocrático, demorado e com alto custo, além da estigmatização social.
O plano de Petro
Petro quer ampliar o ingresso de produtos terapêuticos derivados da maconha no Brasil. O setor privado colombiano criou no ano passado um projeto de “rota para internacionalização” da cannabis originária do país. O Brasil é um dos sete mercados-alvo.
A projeção é de que o mercado para produtos do país no Brasil atinja US$ 123 milhões de dólares até 2025, com oportunidades para produtos farmacêuticos, segundo o Observatório Colombiano da Indústria de Cannabis. Os demais são Alemanha, Austrália, Chile, Peru e Reino Unido.
No ano passado, uma comitiva de três funcionários da Anvisa (Agência Brasileira de Vigilância Sanitária), responsável pela autorização dos medicamentos e controle da importação, visitou Bogotá e Medellín - capitais das duas maiores regiões produtoras de maconha medicinal no país. O objetivo era conhecer os métodos de produção e processos adotados na Colômbia.
Mercado brasileiro na mira
Estudos do governo colombiano e de entidades privadas indicam que o país pode ser um fornecedor privilegiado, por questões logísticas. A maconha medicinal produzida no país já abastece o Brasil. Ao longo de 2022, o mercado brasileiro absorveu cerca de 14% das exportações de 13 empresas sediadas na Colômbia, atrás apenas da Argentina, com 40%. O Brasil é visto por eles como o principal mercado em potencial na América Latina, com cerca de 3,4 milhões de pacientes.
A Colômbia se tornou um dos principais países produtores e exportadores de maconha para fins medicinais do mundo, com investimento de cerca de U$ 300 milhões, principalmente de empresas de origem canadense. O governo cita como fatores, além da regulação, condições ambientais e geográficas favoráveis, com ao menos 12 horas de incidência solar, que permitem quatro colheitas por ano.
A chegada do governo Petro, em 2023, impulsionou o setor. O presidente colombiano de esquerda é um crítico da chamada política de guerra às drogas e propôs uma série de mudanças no enfrentamento e na saúde pública. As empresas e o setor público trabalham para melhorar o acesso a crédito rural e promovem o uso de sociedades de exportação.
O país passou a regulamentar o uso da cannabis durante o governo de Juan Manuel Santos. Em dezembro de 2015, ele assinou um decreto para autorizar o cultivo, a transformação, a importação e a exportação da erva, com licenças emitidas pelo governo. Em 2016, o Congresso colombiano aprovou uma lei para permitir a plantação e o uso da maconha para fins medicinais e científicos.
No ano passado, o Senado rejeitou uma mudança na Constituição que descriminalizaria a compra e venda para fins recreativos da maconha na Colômbia, uma derrota para o governo Petro. A posso é autorizada, até 20 gramas, por ordem da Justiça.
Descriminalização em pauta no Brasil
O tema está em discussão no Brasil, no Supremo Tribunal Federal, mas o julgamento foi interrompido no mês passado por um pedido de vista. O placar está 5 a 3 em favor de descriminalizar o porte para consumo próprio.
Projetos de lei em discussão no Congresso Nacional tentam aprovar regras mais amplas que incluem o cultivo, produção, comercialização, controle e prescrição no País dos produtos medicinais à base do cannabidiol. Também tentam instituir uma política nacional de distribuição gratuita desses medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS). Remédios com cannabidiol começarão a ser distribuídos na rede pública em São Paulo em maio.
Vacina da dengue
Além do acesso ao Brasil, os colombianos também buscam a transferência de tecnologia para produção da vacina da dengue no país. O Instituto Butantan desenvolve atualmente um imunizante nacional, em terceira fase de estudos. Trata-se da a última fase antes do pedido do registro junto à Anvisa, o que deve ocorrer em setembro.
Enquanto a vacina Butantan-DV não está disponível, o governo distribui as vacinas Qdenga, produzidas pelo laboratório japonês Takeda - elas poderão ser fabricadas também na Fiocruz, ampliando a disponibilidade, a partir de um acordo com transferência de tecnologia. As partes estão em negociação e, segundo o governo federal, a expectativa é somente para o ano que vem. Outra vacina, a Dengvaxia, da farmacêutica Sanofi, tem doses oferecidas no mercado privado.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, a dengue coloca em risco cerca de 500 milhões de pessoas nas Américas. No ano passado, foram registrados 4,5 milhões de casos, segundo a Opas, incluindo 2.340 óbitos. A tendência de 2024 é de alta. A OMS associa o aumento de casos a efeitos climáticos, como calor e excesso de chuvas, que favorecem o transmissor mosquito aedes aegypti.
Livros, Energia, Internet e Infraestrutura
Os dois governos também devem discutir outros projetos comuns, como o acordo para interconexão com fibra ótica das cidades fronteiriças de Letícia, na Colômbia, e Tabatinga (AM), a interligação elétrica das Américas com fontes de energia renovável, por meio da ISA-CTEEP, e o acordo para homologação de convalidação de títulos universitários.
Integrantes dos dois governos vão conversar sobre a reativação de um projeto de corredor bioceânico, que ligue o Pacífico colombiano ao Atlântico brasileiro. O projeto de infraestrutura multimodal, por vias fluviais e terrestres, vem sendo discutido há anos e tem como marcos as ligações entre as cidades de Tumaco, Puerto Asís e Belém (PA). Os colombianos querem atrair investimento da China para alavancar a construção.
Além da reunião bilateral, com um momento privado e outro ampliado na Casa de Nariño - a sede da presidência colombiana -, os dois presidentes irão juntos à abertura da 36ª edição da Feira Internacional do Livro de Bogotá. O Brasil recebeu uma homenagem na feira: é o país convidado de honra, pela terceira vez.
Agenda
Lula deve chegar a Bogotá na noite de terça-feira, dia 16, e concentrará as atividades no dia 17, quarta-feira que vem. Ele pode ainda pernoitar em Bogotá para visitar o pavilhão brasileiro na feira, no dia 18, quinta-feira. O espaço terá cerca de 3 mil metros quadrados.
Uma comitiva com 26 escritores, escritoras e quadrinistas representará o Brasil - entre eles Ailton Krenak, mais novo membro e primeiro indígena a ingressar na Academia Brasileira de Letras. O governo também promete levar editores, livreiros, mediadores e promotores de leitura para atividades da feira e rodada de negócios.
Os dois presidentes vão participar do encerramento do Fórum Empresarial Brasil-Colômbia, organizado pelas agências Apex Brasil e ProColombia, no Hotel Grand Hyatt, base da delegação brasileira. Lula planeja levar ministros e a primeira-dama, Janja da Silva.
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