Lula vai à Europa com acordo UE-Mercosul emperrado e visitas a líderes que criticaram sua prisão

Macron sediará em Paris uma cúpula multilateral com a presença do petista, que aproveitará viagem para discursar em festival promovido pela banda Coldplay em meio uma semana política quente no Brasil

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A ROMA- O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca para uma visita de quatro dias para a Itália, Vaticano e a França nesta semana. Na primeira parte da viagem, o petista deve se dedicar a reuniões com líderes e personalidades que o apoiaram na prisão, como o papa Francisco, com quem trocou correspondências, e o sociólogo italiano Domenico de Masi, um dos principais pensadores da esquerda italiana.

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Na França, o presidente se encontra com Emmanuel Macron, em meio a incertezas sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que tem a França como uma das principais opositores aos produtos nos quais o Brasil é competitivo. Macron sediará em Paris uma cúpula multilateral com a presença do presidente brasileiro.

Com uma comitiva ministerial enxuta, já que será acompanhado apenas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula aproveitará a passagem na capital francesa para uma espécie de agenda positiva. No dia 23, o petista discursará em um festival de música promovido por Chris Martin, vocalista da banda Coldplay.

Na avaliação da colunista do Estadão Eliane Cantanhêde, a visita “mamão com açúcar” ajudará Lula a evitar temas difíceis, enquanto a temperatura política em Brasília estará alta com o Copom definindo a taxa de juros, o Senado votando o arcabouço fiscal, sabatina Cristiano Zanin para o Supremo e o TSE julgando a inegibilidade ou não do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Lula em reunião com o papa Francisco no Vaticano em 2022 Foto: Lula/Instagram

Lava Jato

O segundo “eurotour” de Lula terá um viés político reforçado, com acenos a personalidades que se solidarizaram com ele na cadeia entre 2018 e 2021, quando o petista foi condenado por corrupção na Operação Lava Jato. O processo foi anulado pelo STF.

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O próprio papa Francisco trocou cartas com Lula no cárcere. Um dos intermediários foi o ex-chanceler Celso Amorim, hoje assessor especial de Lula no Palácio do Planalto. Após deixar a prisão, Lula visitou o pontífice no Vaticano, em fevereiro de 2020, em uma de suas primeiras viagens internacionais. A audiência foi privada e costurada com ajuda do presidente da Argentina, Alberto Fernández.

Em 2022, o papa afirmou que o julgamento de Lula na Lava-Jato havia sido influenciado por “notícias falsas”. As ações resultaram em duas condenações nos processos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, ambas anuladas por ordem do Supremo Tribunal Federal.

Lula ainda vai visitar na Itália o sociólogo e escritor Domenico de Masi. Em 2019, ele foi ao encontro do petista na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Saiu de lá dizendo que, mesmo encarcerado, ”Lula continuava a ser um grandíssimo líder político, talvez o mais importante neste momento no mundo”.

Lula sem ministros

A delegação que decola de Brasília nesta segunda-feira, dia 19, à noite será enxuta comparada a viagens anteriores. Para além do chanceler Mauro Vieira, um dos únicos ministros de Estado confirmados - e apenas em Paris - é o titular da Fazenda, Fernando Haddad.

O ministro da Defesa, José Múcio, confirmou ao Estadão que viajará também somente à França, por causa também de um segundo compromisso, uma feira de tecnologia e equipamentos de uso militar em Le Bourget - Paris Air Show.

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Na sexta-feira, dia 22, Múcio vai encontrar o presidente para uma reunião de discussão sobre o projeto franco-brasileiro de fabricação de submarinos, o Pro-Sub, um deles a propulsão nuclear.

Seja na Itália ou na França, foram descartadas missões empresariais da Apex-Brasil, como que a que causou “overbooking de empresários”, na China, e a que despertou interesse e representou o PIB nacional em Portugal e Espanha.

Dúvida com Meloni

Na Itália, o foco é mesmo o papa Francisco. Caso o pontífice não se recuperasse da recente cirurgia abdominal, a viagem seria postergada. Mas o Vaticano não só confirmou o encontro como o líder católico reapareceu neste domingo, dia 18, diante dos fiéis para oração do Angelus.

De última hora, o governo federal também organizou uma visita de cortesia ao presidente da Itália, Sergio Matarella. Contudo, a diplomacia tentou e ainda não obteve confirmação de uma agenda com a primeira-ministra, Giorgia Meloni - a governante é um ícone da direita no país. A agenda prevista inclui uma visita ao prefeito de Roma, Roberto Gualteri. Não há uma lista significativa de acordos a serem assinados, nem sequer uma pauta de discussão acertada.

Diplomatas dos dois lados consideram que a ausência do encontro um mau sinal político, já que os dois países participam do G-20 e recentemente estiveram no G-7. Além disso, a praxe nesses casos é uma cortesia entre chefes de Estado e de governo. Além de Lula e Meloni, os governos tentam organizar um encontro de ministros das Relações Exteriores, entre Mauro Vieira e Antonio Tajani.

UE-Mercosul

Já Macron havia feito o convite a Lula antes. Ambos negociam desde o fim do ano passado uma série de encontros e visitas bilaterais. Em 2021, Lula foi recebido com honras de ex-chefe de Estado pelo francês, no Palácio de Eliseu. A cena deve se repetir.

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Além desta cúpula, Macron já havia prometido a Lula uma viagem ao Brasil. A expectativa de diplomatas franceses é que ele retribua o gesto e confirme presença na Cúpula do Tratado de Cooperação Amazônica, que Lula promoverá em agosto, em Belém (PA).

Apesar disso, a viagem ocorre em meio a discussões difíceis envolvendo o acordo entre União Europeia e Mercosul. Na semana passada, durante visita da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, Lula cobrou o fim das desconfianças da União Europeia em relação ao Brasil para a conclusão do acordo comercial.

Na ocasião, o petista reclamou de potenciais sanções ao agronegócio brasileiro, previstas na proposta de compromisso ambiental adicional exigida pelos europeus, e na recente lei anti-desmatamento do bloco, que pode banir produtos agrícolas brasileiros do mercado.

Segundo ele, essa legislação trouxe “desequilíbrio” aos termos do acordo, cujas tratativas haviam sido concluídas em 2019, mas jamais foi assinado.

A representante dos europeus afirmou, por sua vez, que as negociações devem transcorrer ao menos até o fim do ano, quando espera que o acordo possa ser assinado. Havia expectativa, de ambos os lados, de encontrar uma solução para assinar o acordo até julho, quando os presidentes dos países do Mercosul viajarão a Bruxelas, para participar de uma cúpula de chefes de Estado entre membros da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) e da União Europeia.

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O que falta para o acordo?

O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi firmado em junho de 2019, depois de duas décadas de negociação. A conclusão completa do texto e o começo do processo para sua implementação ficaram travadas nos últimos anos, pois os europeus resistiam em tratar do assunto com o governo Jair Bolsonaro, diante da piora nos índices de desmatamento na Amazônia. Agora, apesar do trabalho dos dois lados para concluir o acordo ainda neste ano, há negociações adicionais colocadas à mesa pelos europeus e pelo governo Lula.

Os sinais de boa vontade dos dois lados para tirar o acerto do papel foram dados no início deste ano, com o estabelecimento de um cronograma para encerrar até julho todas as pendências.

Em março, no entanto, a União Europeia enviou ao Mercosul um protocolo adicional, com novas condicionantes na área ambiental. O movimento foi considerado “desbalanceado” por Brasília, que discorda da ideia de ter um acordo adicional vinculante, do enfoque considerado punitivista e da abordagem sobre meio ambiente feita pela União Europeia.

O foco europeu, segundo os negociadores do Mercosul, está apenas em um pilar do conceito de “desenvolvimento sustentável” — o ambiental —, mas ignora o desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o bloco sul-americano deve aproveitar a negociação aberta para reforçar a discussão sobre manter produtos nacionais nas compras governamentais, tema defendido por Lula.

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