Luta anticorrupção estagna na América Latina, aponta relatório da Transparência Internacional

Em seu índice anual de percepção da corrupção, a organização destacou os retrocessos em países como Venezuela e Nicarágua, além de citar diretamente líderes como Jair Bolsonaro e Nayib Bukele

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Por Redação

A América Latina está totalmente estagnada há 10 anos em sua luta contra a corrupção, o que abala a democracia e os direitos humanos. Há retrocessos alarmantes na Venezuela e em países da América Central, alerta a ONG Transparência Internacional (TI) em seu relatório anual.

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"Os líderes corruptos atacam ativistas e consolidam seu poder, ao mesmo tempo que atacam os direitos da imprensa, da liberdade de expressão e a liberdade de associação", denunciou Delia Ferreira Rubio, presidente da ONG.

As Américas como um todo se mantiveram estagnadas nos últimos seis anos, mas há sinais de piora até mesmo nos países mais bem pontuados. A média da região é de 43 pontos de 100. O Canadá, país mais bem avaliado da região, caiu 8 pontos entre 2017 e 2021 e hoje está com 74.

Na Colômbia, proposta de reforma tributária gerou revolta na população. Foto: Pablo Rodríguez/EFE

Nesses últimos 10 anos, o relatório destaca que apenas a Guiana (aumento de 11 pontos) e o Paraguai (aumento de 6 pontos) apresentaram melhoras em seus índices. Os demais países, ou retorcederam ou estagnaram.

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"Embora os piores resultados da região pertençam a países não democráticos - muitos dos quais estão passando por crises humanitárias -, democracias importantes e consolidadas também estagnaram ou tiveram piora no IPC", aponta o relatório.

Estados Unidos, que em 2021 vivenciaram o episódio da invasão ao Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, aparecem abaixo do Uruguai e empatados com o Chile nas Américas, com uma pontuação de 67.

Desde 1995, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da TI classifica 180 países e territórios em uma escala de zero (muito corruptos) a 100 (menos corruptos).

Dinamarca (88), Finlândia (88) e Nova Zelândia (88) são os países menos corruptos do mundo, de acordo com a TI, enquanto Somália (13), Síria (13) e Sudão do Sul (11) registram os índices de corrupção mais elevados.

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Venezuela e Uruguai, os extremos

Muito perto dos países abalados por guerras está a Venezuela (14), com a pior pontuação da América Latina e que não para de piorar desde 2013. De acordo com o documento, no país "a grande corrupção provoca graves violações aos direitos sociais, incluindo educação, saúde e alimentação".

A TI alerta ainda que o sistema judicial venezuelano perdeu sua independência e "se tornou um instrumento de repressão contra a dissidência" e "as violações dos direitos humanos são invisibilizadas e permanecem impunes".

A ONG lamenta que, apesar da existência de muitas leis sobre o tema e um compromisso regional de atuar contra este flagelo, a corrupção continua enfraquecendo a democracia e os direitos humanos na região e destaca que são necessárias ações contundentes para reverter a tendência e proteger a sociedade civil.

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Em sua fotografia geral de 2021, a Transparência Internacional critica que alguns presidentes, como Jair Bolsonaro no Brasil ou Nayib Bukele em El Salvador, usaram a luta contra a corrupção como bandeira de campanha para atrair um eleitorado decepcionado com os políticos tradicionais e cansado da corrupção.

Mas estes líderes "não apresentaram avanços na luta contra a corrupção e, sim, adotaram medidas antidemocráticas e regressivas".

"Em países como Brasil, Venezuela, El Salvador e Guatemala, os governos usaram intimidação, difamação, notícias falsas e ataques diretos contra organizações da sociedade civil, jornalistas e ativistas - incluindo aqueles que combatem a corrupção - como uma forma de desacreditar e silenciar os críticos", aponta o documento.

"Quanto mais democracia e gozo mais efetivo dos direitos fundamentais, mais difícil que floresça a corrupção" afirma Luciana Torchuaro, diretora da organização para a América Latina.

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No continente, o país com melhor pontuação é o Uruguai (73), "um exemplo de como a estabilidade e solidez das instituições democráticas são chaves para que a corrupção não permeie as instituições públicas", afirma a TI, considerando que este contexto institucional permitiu ao país lidar de forma mais eficaz com a pandemia de coronavírus.

Os últimos da lista são, além da Venezuela, Nicarágua (20), Haiti (20) e Honduras (23).

A Argentina (39) foi o país da região que mais retrocedeu (quatro pontos) em 2021, devido à interferência do poder político na justiça e aos "abusos de poder" durante a pandemia, como a vacinação preferencial para funcionários públicos e parentes ou compras e contratos "pouco transparentes".

Na América Central, a luta contra a corrupção está na pior fase, afirma a TI. A Nicarágua é o exemplo mais flagrante. O país "não tem a transparência e o contrapeso ao Executivo necessários para combater a corrupção", segundo a ONG.

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A concentração de poder nas mãos do presidente Daniel Ortega, reeleito em novembro, e de sua esposa, Rosario Murillo, "permite que o governo viole os direitos humanos e burle o sistema eleitoral", destaca a TI.

Honduras (23) não fica atrás. Desde 2015 o país perdeu sete pontos e seu atual presidente, Juan Orlando Hernández, foi acusado de narcotráfico. A ONG destaca a chegada ao poder da esquerdista Xiomara Castro, que tomará posse esta semana e se comprometeu a eliminar as "leis da impunidade".

A TI também expressa preocupação com o cenário na Guatemala (25) e em El Salvador (34).

Estagnação mundial

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Embora a América Latina apareça como uma das regiões preocupantes devido ao tempo de estagnação e os grande retrocesssos recentes, o mundo todo se viu estagnado durante os últimos dois anos de pandemia.

"Apesar dos compromissos firmados oficialmente, 131 países ficaram sem avanços significativos contra a corrupção na última década e, neste ano, 27 alcançaram pontuações baixas recordes em sua avaliação no IPC", aponta o relatório. "Ao mesmo tempo, os direitos humanos e a democracia se encontram sob ataque no mundo inteiro."

Cerca de 2/3 dos países do mundo tiveram pontuação abaixo de 50, sendo que a média mundial é de 43. Segundo o documento, desde 2012, 25 países tiveram uma melhoria significativa em suas pontuações, mas 23 outros países tiveram uma piora considerável no mesmo período.

"Em contextos de autoritarismo, onde poucos detêm o controle, os movimentos sociais são o último entrave contra o poder. O poder coletivo das pessoas comuns, de todas as condições de vida, é o que garantirá a prestação de contas", afirma Daniel Eriksson, diretor-executivo da Transparência Internacional no documento.

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O documento ainda destaca que, mesmo democracias que costumam figurar o topo do ranking e abraçar a causa anticorrupção, sofreram deterioração em 2021. Além disso, esses locais com alta pontuação têm servido de abrigo para indivíduos corruptos que vêm do exterior./AFP