THE WASHINGTON POST - Foi nos Andes peruanos que Saúl Luciano Lliuya encontrou a paz. A beleza intocada garantiu seu sustento como guia turístico e o fluxo constante de água fresca manteve a fazenda da família. O gelo eterno que brilhava na crista escarpada da cordilheira mostrava o que parecia um mundo em equilíbrio.
Agora, quando olha para a montanha Palcaraju, ele não vê mais equilíbrio. O gelo se derrete por causa do aquecimento global, fazendo com que a água azul-turquesa se acumule em lagos, aumentando o risco de que ela desça pela encosta após qualquer avalanche ou deslizamento, e inunde a cidade de Huaraz, onde vivem 120 mil pessoas.
Por testemunhar as mudanças climáticas, Lliuya foi convidado por ativistas alemães para encabeçar um processo judicial inovador, em 2014: cobrar uma reparação em um tribunal pelos danos causados pelas mudanças climáticas. Ele aceitou. E há sete anos essa é sua luta.
A ação foi concebida por Christoph Bals, diretor da ONG Germanwatch, ao observar pesquisas no campo conhecido como “ciência de atribuição” – que identificam como as emissões de gases estufa contribuem para desastres climáticos específicos. Com a pessoa certa, talvez, o caso abrisse um precedente para o uso desses estudos para responsabilizar poluidores.
Com o aval do peruano, a ONG contratou a advogada Roda Verheyen, que passou a procurar o alvo correto para o processo: uma entidade que se beneficiou da queima de combustíveis fósseis, mas não sofreu as consequências. Após análise, chegou ao nome da RWE, empresa alemã de energia, responsável por 0,47% de todas as emissões produzidas por pessoas na era industrial, segundo o estudo.
O porcentual das emissões foi a base de cálculo para o valor da demanda, fixado em US$ 20 mil (R$ 120 mil), o equivalente a parte do custo total previsto de uma obra de infraestrutura para reduzir os riscos na Laguna Palcacocha, que ameaça a região onde vive Lliuya.
O processo começou em 2015. Um painel de três juízes do tribunal estadual superior de Hamm aceitou o caso e avançou para a fase de coleta de evidências. Especialistas foram nomeados e enviados para Huaraz. Os juízes não devem tomar uma decisão até 2023, mas a defesa comemora o fato do reconhecimento da ação – um precedente que abre abrindo caminho para outros processos parecidos.
Do topo dos Andes, Lliuya nunca imaginou que o caso chegaria tão longe. Ele diz que muitas vezes se perguntou se os culpados seriam responsabilizados, já que os grandes emissores têm poder. “Imagine o Peru fazendo exigências à Alemanha? Seria muito louco”, afirma. “Um único peruano exigindo mudanças é ainda mais louco.”
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