BUENOS AIRES - O presidente da Argentina, Mauricio Macri, anunciou nesta quarta-feira, 14, medidas econômicas para reverter sua baixa popularidade, depois da derrota para o kirchnerista Alberto Fernández nas prévias de domingo.
O alvo das medidas é a classe média baixa, que nas prévias migrou os votos para a chapa de Fernández e da ex-presidente Cristina Kirchner, candidata a vice, e evitar que a reação negativa dos mercados à primária de domingo agrave ainda mais a crise econômica no país.
Entre os anúncios estão um abono salarial para empregados públicos e privados e uma espécie de restituição no imposto de renda no valor de 2 mil pesos (cerca de R$ 140). Ele chegou a anunciar o congelamento da gasolina por 90 dias, mas, 12 horas depois, o governo deu um passo atrás e disse que a medida ainda não entraria em vigor, pois seria necessário um diálogo com as petrolíferas. “Não é um recuo definitivo, mas vamos conversar”, informou a Secretaria de Energia, acrescentando que esse congelamento deve ser realizado de acordo com as empresas.
O presidente também anunciou um aumento no salário mínimo e medidas para pequenas e médias empresas, além de um aumento em bolsas de estudo para jovens universitários de 40%.
Com o anúncio e ao longo de todo o dia, Macri tentou acalmar os argentinos e os mercados. “Minha tarefa é garantir a governabilidade. O diálogo é o único caminho”, disse o presidente.
Mais tarde, o presidente conversou com Fernández e disse que o rival se comprometeu a acalmar o mercado caso seja eleito. “Ele prometeu colaborar no que foi possível para que o processo eleitoral afete o menos possível a economia dos argentinos”, afirmou Macri.
Fernández disse, por sua vez , que as medidas não são ruins, mas o pacote é tardio. “É como dar a extrema-unção a um ateu”, afirmou. “Não adianta.”
Impacto paliativo na economia
Segundo o governo, o custo das medidas foi estimado em US$ 634 milhões. Os recursos virão de obras públicas que serão adiadas em um primeiro momento. O economista Ignacio Almirón, da Universidade de Buenos Aires, calcula um impacto de 0,15% do pacote no PIB argentino.
"O impacto deve ser paliativo porque a desvalorização do peso desde a eleição terá um peso muito grande no custo de vida, da ordem de 30%", explicou. " Os recursos anunciados pelo governo recuperariam apenas 20% dessa desvalorização."
Ainda de acordo com o economista, o aumento nas bolsas de estudo, que são maiores, de cerca de 40%, não cobrirão a inflação anual porque o benefício não era reajustado desde o início do ano. Além disso, os aposentados, bastante afetados pela alta dos preços, não foram contemplados no anúncio.
Analistas veem anúncio com cautela
“O objetivo dos anúncios é amenizar a crise na classe média - uma porção do eleitorado que o abandonou no domingo e estava com ele em 2015”, disse ao Estado Facundo Galván, da Universidade Católica de Buenos Aires. “Os anúncios fazem parte de um pacote que busca melhorar a situação em um contexto de crise, principalmente na classe média.”
Ainda de acordo com o analista, ainda é cedo para dizer se essas medidas se mostrarão acertadas. "Em outubro saberemos se Macri conseguiu convencer os descontentes com a crise e sua liderança", acrescentou.
Para Ignacio Labaqui, também da UCA, dificilmente as medidas terão um impacto na eleição. "Trata-se de um paliativo para uma situação bastante complexo e é difícil reverter o resultado das primárias", avaliou. "talvez Macri consiga tirar votos de Lavagna, impulsionado pelo medo da volta do kirchnerismo, mas isso deve render a ele apenas alguns pontos porcentuais."
Pequeno produtor e oposição dizem que medidas são insuficientes
Entidades patronais disseram que as medidas são bem-vindas, porém insuficientes. A Associação Nacional de Empresários disse em nota que esperava mais mudanças. "O que foi anunciado é insuficiente e distante do necessário para recuperar pequenas e médias empresas", afirma o texto. "Hoje na Argentina mais de 100 empresas estão fechando por dia."
Fernández disse que as novas medidas econômicas anunciadas por Macri nesta quarta-feira, incluindo impostos mais baixos e subsídios para o bem-estar, são positivas, mas aconteceram tarde demais. Ele também disse que não faz sentido se encontrar com Macri, mas que ajudará o governo.
Macri afirmou que está disposto a se reunir com a oposição quando anunciou as novas medidas econômicas.
Derrota em primária surpreendeu Macri
Fernández obteve no domingo, 11, 47% dos votos nas primárias para a eleição de outubro, com uma vantagem de 15 pontos sobre Macri. Com as candidaturas definidas por consenso, as prévias no país tornaram-se um termômetro da disputa presidencial. Assim, o prognóstico para a reeleição de Macri é sombrio.
Caso confirmada a tendência de ontem em outubro, Fernández seria eleito em primeiro turno, já que na Argentina bastam mais de 45% dos votos para evitar o segundo turno.
Ex-chefe de gabinete de Cristina e do ex-presidente Néstor Kirchner, Fernández nunca disputou uma eleição majoritária e conta com o potencial de transferência de votos da ex-presidente, que ainda é muito popular no país, e com sua habilidade política para unificar as diversas correntes do peronismo, para derrotar Macri.
Classe média migrou para o kirchnerismo
Com a economia argentina em mau momento, a instabilidade nos mercados deve contribuir para agravar os efeitos da crise no cotidiano da população, principalmente a classe média.
A inflação deve fechar o ano na casa dos 40%. A taxa de desemprego é a maior desde 2006 e a pobreza cresceu no ano passado quase 5 pontos porcentuais, atingindo três em cada dez argentinos.
“Com a reação dos mercados, a economia deve se deteriorar mais e isso prejudica mais a Macri”, disse ao Estado Mariel Fornoni, da consultoria Management & Fit. “É uma eleição muito difícil de reverter. Somadods, os votos das outras candidaturas não dariam a vantagem ao presidente contra Fernández.”
Para Ignacio Labaqui, da Universidade Católica de Buenos Aires, com menos de três meses para a eleição, Macri terá pouco tempo para oferecer uma melhora na economia.
Além disso, o foco na campanha também não possibilita que o presidente se concentre na crise. “As turbulências financeiras provocadas pela vitória de Fernández jogam contra Macri”, resumiu./ Com EFE
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