Macron enfrenta semana fundamental na tentativa de mudar a França com reforma da previdência

Grandes multidões são novamente aguardadas para protestar contra o plano do presidente de aumentar a idade de aposentadoria antes de votação decisiva

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Por Roger Cohen

PARIS - Uma das frases favoritas do presidente francês, Emmanuel Macron, é que na vida “nós temos de arriscar”. Ele fez isso e se ergueu até assumir o governo da França aos 39 anos. Agora, seis anos depois, decidiu arriscar seu futuro político reconfigurando a França no ponto em que o país mais resiste à mudança.

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A batalha de Macron com as ruas francesas em razão de seu plano de elevar a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos deverá culminar nesta quinta-feira em uma decisiva votação em ambas as Câmaras do Parlamento. Antes disso, se as últimas semanas servem como guia, o presidente poderá esperar mais de 1 milhão de franceses nas ruas em protestos espalhados por todo o país, com esperança de derrotar a alteração. Em Paris, os manifestantes encontrarão ruas repletas de lixo não coletado por causa de greves.

Em sua tentativa de reformar o sistema de pensões, Macron tem se deparado com uma resistência feroz dos franceses a um mundo de capitalismo desenfreado, com o apego profundo do país à solidariedade social e com a visão predominante de que o esforço longo e árduo de trabalhar quase a vida inteira só pode ser compensado pelas liberdades da vida de pensionista. Trata-se de uma aposta enorme.

Presidente francês, Emmanuel Macron, escuta estudantes em uma escola em Jarnac  Foto: Stephane Mahe/Pool via AP - 28/2/2023

“Todo país tem uma alma, e a alma da França é a igualdade”, afirmou François Hollande, antecessor de Macron na Presidência. Lucrar continua sendo uma atividade suspeita para muitos franceses, que consideram o lucro um subterfúgio dos ricos. O 1,28 milhão de manifestantes nas ruas da França na semana passada — 3,5 milhões segundo os sindicatos — tinha uma mensagem inequívoca para Macron: “Trabalhar menos para viver mais”, conforme colocou um dos slogans.

Macron, de 45 anos, parece irreversível, resoluto em sua convicção de que a mudança é essencial para a saúde econômica da França porque os trabalhadores de hoje pagam as pensões de um número crescente de aposentados que vivem cada vez mais. Se a França quiser investir na transição para uma economia verde e em defesa, num tempo de guerra na Europa, ela não pode, na visão de Macron, acumular déficits financiando uma idade de aposentadoria que reflete durações de vida que eram menores.

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“É simples”, disse Macron no ano passado. “Se nós não resolvermos o problema dos nossos aposentados, nós não conseguiremos investir em todo o restante. Trata-se nada menos da escolha da sociedade que queremos.”

Isso pode ter lógica, mas o depósito de simpatia do qual Macron pôde desfrutar anteriormente evaporou. O ponto de inflexão de seu segundo mandato, que ainda não completou um ano e veio acompanhado de uma sensação de boiar à deriva, parece iminente.

Macron ganhou a reeleição no ano passado mais enquanto bastião contra Marine Le Pen, a candidata de extrema direita, do que qualquer outra coisa. O prodígio da Europa está ferido. Em certo nível, Macron está vulnerável. Ainda assim, ele insiste, no estilo quixotesco que demonstra com frequência, nas mudanças mais difíceis num momento em que 40% das famílias francesas afirmam enfrentar dificuldades para fechar as contas no fim do mês.

“A questão é o DNA dele”, afirmou Clément Beaune, ministro de governo que conhece bem Macron. “Como ex-ministro da Economia, ele quer uma França sólida, em crescimento, no centro da Europa. Quando lhe perguntam qual o legado mais importante de seu primeiro mandato, ele sempre responde que foi derrubar o desemprego.”

O índice de desemprego caiu para pouco mais de 7%, de 9,5% quando Macron assumiu, em 2017, reflexo de suas abrangentes mudanças no sentido de liberalizar o mercado de trabalho, o que ajudou a atrair mais investimento estrangeiro.

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Expandir a força de trabalho, contudo, não emocionou os franceses. Eles se emocionaram, isso sim, com seis dias de greves e manifestações ao longo dos dois meses recentes. Os protestos vieram acompanhados de uma simpatia crescente do público. Pesquisas sugerem que pelo menos dois terços dos franceses não querem que a idade mínima de aposentadoria se eleve.

Uníssono

Fundos de solidariedade pagam para os grevistas os dias de trabalho perdidos. Sindicatos de espectros políticos da extrema esquerda até o centro têm agido em uníssono incomum. Eles atacaram o relativo silêncio de Macron e qualificaram sua atitude como “um problema grave para a democracia, que leva inevitavelmente a uma situação que pode se tornar explosiva”, em uma carta endereçada ao presidente na semana passada.

A intensidade da explosão se revelará nos próximos dias.

O heterogêneo partido centrista de Macron, Renascimento — anteriormente conhecido como A República em Marcha! — deve prevalecer com os votos do Republicanos, de centro-direita. Mas o apoio parece estar titubeando, e o desfecho da votação no Parlamento é incerto. O Renascimento possui 260 assentos, o Republicanos, 61; para formar maioria são necessários 289 votos.

“A aprovação da reforma não é uma certeza”, afirmou o escritor e comentarista político Alain Duhamel. “Um mês atrás, eu teria dito que a chance de aprovação era de 80%; hoje eu diria que é de 60%. Macron fez uma aposta arriscada. A lógica é evidente, mas a urgência, não.”

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Com greve no país, lixo se acumula pelas ruas de Paris  Foto: Michel Euler/AP - 13/3/2023

Para Macron, afeito a ideias maiores, a urgência parece decorrer precisamente da lógica. A França é um ponto extremamente fora da curva. Na Europa, a idade mínima de aposentadoria se elevou em geral para mais de 65 anos. Na Alemanha, é de 65 anos e 7 meses. Na Itália, 67. Nos Países Baixos, subirá para 67 no próximo ano. E na Espanha, chegará a 67 anos em 2027. Mas como a França se considera um modelo à parte, os franceses tendem a não se impressionar com essas comparações.

Para Macron, a França tem de ser competitiva; o país não pode, acredita ele, ser tolhido por regulações antiquadas. “O valor central, a convicção dele é o trabalho”, afirmou Duhamel. “Trabalhar mais para crescer mais.”

Mas muitos franceses tiveram dificuldades para entender a mensagem de Macron, ou sua narrativa, a respeito da reforma nas pensões. Em diferentes momentos, ela tratou de justiça, contas públicas alarmantes e até de cumprir um programa da esquerda.

“A reforma das pensões é uma reforma da esquerda”, afirmou Olivier Dussopt, ministro do Trabalho, Emprego e Inclusão Social da França, ao diário francês Le Parisien. “Ela poderia ter sido promovida por um governo social-democrata.”

‘Macronismo’

Isso ocorreu na Alemanha duas décadas atrás, sob o chanceler social-democrata Gerhard Schröder. Mas não é o que está ocorrendo na França.

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Macron emergiu do Partido Socialista apenas para despedaçá-lo. Ele mostrou que tem ideias econômicas associadas mais geralmente à direita na França, o que ocasiona parte da fúria com frequência direcionada contra ele.

Ainda assim, o significado exato do “macronismo” — além do direito de mudar de ideia e de um movimento no sentido de ocupar todo o centro político — continua um mistério. Mas em relação à reforma nas pensões, assim como no comprometimento com a União Europeia, ele tem sido inabalável.

Se não alcançar aprovação no Parlamento, o governo poderia apelar para o Artigo 49.3 da Constituição francesa, que é usado para aprovar leis sem votação. Mas envolvendo uma questão de tamanha magnitude e tão disputada, isso quase certamente cheiraria a desprezo ao processo democrático e poderia cimentar acusações contra Macron de governar de forma indiferente e autoritária.

“Hoje, o que está ocorrendo é massivo”, disse, ao jornal Le Monde, Marylise Léon, vice-diretora da Confederação Francesa Democrática do Trabalho, o maior e mais moderado sindicato na França. “Macron não pode se comportar como se esse movimento não existisse. Seria loucura.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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