O presidente francês Emmanuel Macron recusou a renúncia do primeiro-ministro do país, o centrista Gabriel Attal, e pediu na segunda-feira, 8, para que permaneça temporariamente como chefe do governo após resultados eleitorais que deixaram o governo em um limbo.
Os eleitores franceses votaram no segundo turno da eleição da França neste domingo, 7. Nenhum dos principais blocos políticos obteve maioria absoluta na Assembleia Nacional. Contra todas as expectativas, o bloco de esquerda, a Nova Frente Popular, que engloba socialistas, comunistas, verdes e esquerdistas radicais, obteve 182 assentos na Assembleia Nacional, seguida pela coalizão Juntos, do presidente Emmanuel Macron, com 166 cadeiras, e pelo antes favorito Reagrupamento Nacional (RN), da direita radical, com 143 deputados.
Os resultados da votação de domingo aumentaram o risco de paralisia para a segunda maior economia da União Europeia. Especialistas dizem que o país pode estar caminhando para meses de instabilidade política, com a Assembleia Nacional dividida em três grandes blocos que parecem incapazes de trabalhar entre si.
Macron apostou que sua decisão de convocar eleições antecipadas daria à França um “momento de esclarecimento”, mas o resultado mostrou o contrário, a menos de três semanas do início das Olimpíadas de Paris, quando o país estará sob os holofotes internacionais. O principal índice de ações da França abriu em queda, mas rapidamente se recuperou, possivelmente porque os mercados temiam uma vitória esmagadora da extrema direita ou da coalizão de esquerda.
O primeiro-ministro, Gabriel Attal, disse que permaneceria no cargo se necessário, mas ofereceu sua renúncia na manhã de segunda-feira. Macron, que o nomeou há apenas sete meses, pediu para ele permanecer “para garantir a estabilidade do país”.
Os principais aliados políticos de Macron participaram da reunião com Attal no palácio presidencial, que terminou após cerca de 90 minutos. Attal deixou claro no domingo que discordava da decisão de Macron de convocar as eleições antecipadas.
Os resultados de duas rodadas de votação não deixaram um caminho óbvio para formar um governo, seja para a coalizão de esquerda que ficou em primeiro lugar, seja para a aliança centrista de Macron ou para a direita radical. Parlamentares recém-eleitos e veteranos foram esperados na Assembleia Nacional para iniciar negociações.
O próprio Macron viaja nesta segunda para uma cúpula da Otan em Washington. O impasse político poderia ter implicações de longo prazo para a guerra na Ucrânia, a diplomacia global e a estabilidade econômica da Europa.
Ainda assim, pelo menos um líder disse que os resultados foram um alívio. “Em Paris entusiasmo, em Moscou decepção, em Kiev alívio. O suficiente para estar feliz em Varsóvia”, escreveu o primeiro-ministro Donald Tusk, ex-presidente do Conselho da União Europeia, no final de domingo no X.
De acordo com os resultados oficiais divulgados na manhã de segunda-feira, todos os três principais blocos ficaram muito aquém dos 289 assentos necessários para controlar a Assembleia Nacional de 577 assentos, a câmara legislativa mais poderosa da França.
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Tiro de Macron saiu pela culatra
Macron tem três anos restantes em seu mandato presidencial. Em vez de se unirem a Macron como ele esperava, milhões aproveitaram a votação como uma oportunidade para expressar raiva sobre a inflação, o crime, a imigração e outras queixas — incluindo seu estilo de governo.
Os líderes da coalizão de esquerda, a Nova Frente Popular, imediatamente pressionaram Macron a lhes dar a primeira chance de formar um governo e propor um primeiro-ministro. O grupo promete reverter muitas das principais reformas de Macron, embarcar em um programa custoso de gastos públicos e adotar uma linha mais dura contra Israel devido à sua guerra com o Hamas. Mas não está claro, mesmo entre a esquerda, quem poderia liderar o governo sem alienar aliados cruciais.
“Precisamos de alguém que ofereça consenso”, disse Olivier Faure, chefe do Partido Socialista, que se juntou à coalizão de esquerda e ainda estava contabilizando quantos assentos havia conquistado na segunda-feira.
Macron alerta que o programa econômico da esquerda, que envolve muitos bilhões de euros em gastos públicos, parcialmente financiados por impostos sobre a riqueza e aumentos para os mais ricos, poderia ser desastroso para a França, já criticada por observadores da UE devido à sua dívida pública.
Um parlamento dividido é um território desconhecido para a França moderna e muitas pessoas reagiram com uma mistura de alívio e apreensão. “O que os pesquisadores e a imprensa nos diziam me deixava muito nervosa, então é um grande alívio. Grandes expectativas também”, disse Nadine Dupuis, uma secretária jurídica de 60 anos em Paris. “O que vai acontecer? Como eles vão governar este país?”
O acordo político entre a esquerda e o centro para bloquear o partido da direita radical, o Reagrupamento Nacional, foi amplamente bem-sucedido. Muitos eleitores decidiram que impedir a direita radical de chegar ao poder era mais importante do que qualquer outra coisa, apoiando seus oponentes no segundo turno, mesmo que não fossem do campo político que geralmente apoiam.
A líder do Reagrupamento Nacional, Marine Le Pen, que poderia fazer uma quarta tentativa de chegar à presidência francesa em 2027, disse que as eleições prepararam o terreno para “a vitória de amanhã”. Racismo e antissemitismo marcaram a campanha eleitoral, juntamente com campanhas de desinformação russas, e mais de 50 candidatos relataram terem sido fisicamente atacados — algo altamente incomum para a França.
Ao contrário de outros países na Europa que estão mais acostumados a governos de coalizão, a França não tem uma tradição de legisladores de campos políticos rivais se unirem para formar uma maioria. A França também é mais centralizadora do que muitos outros países europeus, com um regime presidencialista e de maioria de um partido no Parlamento, com muito mais decisões tomadas em Paris./AP
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