A ideologia política conhecida como “macronismo” sempre significou ação, até agitação, pelo menos na forma verbal. Emmanuel Macron entrou em cena em 2017 prometendo uma “revolução”. Desde então, ao longo de mais de seis anos como presidente da França, adotou uma “refundação” e rebatizou seu partido político como “Renascimento”. Agora, ele conclama um “rearmamento” cívico.
O que talvez não fique evidente nesse léxico reenergizante de um homem incansável é que, de muitas maneiras, Macron, de 46 anos, caminha numa direção conservadora. Outra expressão que caracteriza o presidente cujas raízes agarram-se ao Partido Socialista é “à direita”.
A conferência de imprensa em horário nobre de Macron desta semana foi repleta de palavras como “ordem” e “respeito”, conforme o presidente pediu que “A Marselhesa”, o hino nacional francês, seja aprendido nas escolas de ensino fundamental e que uniformes sejam reintroduzidos experimentalmente nos colégios.
Macron pretende, segundo afirmou, dedicar-se a garantir que “a França continue sendo a França” reintroduzindo aulas de educação cívica, instituindo uma forma de serviço comunitário obrigatório para adolescentes, combatendo a imigração ilegal e dobrando a presença policial nas ruas para lutar contra as drogas e a “incivilidade”. Macron claramente libertou seu De Gaulle interior.
Conforme os acenos e piscadelas para a direita avançam, o desempenho de Macron se notabiliza. “O macronismo está morto. Vida longa ao sarkomacronismo!”, escreveu Franz-Olivier Giesbert na edição desta semana da revista Le Point, aludindo para o ex-presidente Nicolas Sarkozy, um político de direita em estilo coelhinho da Duracell.
Talvez isso seja um pouco injusto para Macron, que empreendeu um tour de force de 150 minutos abordando temas que trafegaram por todo tipo de tema, da guerra na Ucrânia à disseminação da infertilidade na sociedade francesa. Seu pronunciamento foi também um lembrete para os americanos a respeito do que é possível na política.
O objetivo de Macron foi estabelecer um rumo para seu novo governo, liderado por Gabriel Attal — que, aos 34 anos, tornou-se o primeiro-ministro mais jovem na história francesa moderna.
A composição do governo de Attal, com 8 dos 15 ministérios ocupados por políticos oriundos do partido de centro-direita Os Republicanos, já foi uma clara indicação de que Macron está farto da ambiguidade que lhe rendeu a alcunha de “também” presidente.
A virada decisiva para a juventude e a direita são reflexo de vários fatores, afirmaram autoridades próximas a Macron. O moral está baixo no Palácio do Eliseu, com murmúrios sobre um “pato-manco” que tem mandato limitado e deverá deixar a função em 2027 confrontado com uma crescente impopularidade e à procura de um senso de direção. Cerca de dois terços do país o desaprovam, segundo pesquisas.
Em razão do maior desafio a Macron vir da extrema direita, na forma da perene candidata à presidência Marine Le Pen, e em razão dele depender o apoio dos republicanos, de centro-direita, na Assembleia Nacional para aprovar suas legislações, o presidente teve um forte incentivo para agir.
Macron não tem maioria absoluta no Parlamento, um dilema que nenhuma acrobacia verbal dissipará.
Numa conferência de imprensa, Macron chamou o Reagrupamento Nacional, de Le Pen, de “partido do empobrecimento coletivo” e prometeu remediar “a sensação de expropriação” percebida por alguns franceses — numa aparente referência às consequências da imigração, particularmente a oriunda do Norte da África, que Le Pen tem explorado em sua ofensiva xenofóbica.
O teste político mais imediato para as decisões de Macron virá das eleições no Parlamento Europeu, em junho.
O presidente quer evitar uma vitória da extrema direita contrapondo-se ao apelo carismático de Jordan Bardella, o político de 28 anos que preside o Reagrupamento Nacional. Macron acionou agora Attal, cuja fotogênica confiança e pronta adaptabilidade o tornam um protegido natural do presidente contra o jovem líder direitista.
Para além da eleição, Macron dependerá de Attal para minar a popularidade de Le Pen por meio de medidas duras em imigração e segurança. “França jamais rimará com declínio”, afirmou Attal no discurso em que declarou aceitar o cargo, anteriormente este mês. Ele usou as palavras “forte” e “força” seis vezes.
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A Olimpíada de Paris ocorre no próximo verão (Hemisfério Norte), e o presidente quer pegar carona em um momento triunfante de beleza e magnificência, das margens do Sena aos subúrbios do norte. Macron anunciou na quinta-feira que o acesso a apresentações culturais de todo tipo será gratuito por dois meses ao longo do verão para marcar os Jogos.
O enigma da impopularidade de Macron é que, em muitos níveis, ele foi um presidente bem-sucedido — superando a onda de protestos dos coletes amarelos e o pior da pandemia de covid-19, baixando o desemprego acentuadamente, para pouco menos de 7%, mantendo um crescimento modesto apesar dos efeitos da guerra na Ucrânia e atraindo altos níveis de investimento externo.
De fato, a França recentemente tem motivo para se vangloriar. Sua vizinha Alemanha, que entrou em recessão no ano passado, cresceu apenas 0,7% desde 2019 e enfrenta protestos populares generalizados ocasionados em parte por uma decisão de eliminar gradualmente subsídios ao diesel — o mesmo tema que provocou o movimento dos Coletes Amarelos em 2018.
O argumento de que a economia francesa está mais forte hoje do que a velha potência alemã parece persuasivo.
A França, com sua bem-sucedida dependência em relação à energia nuclear para gerar 60% a 70% de sua eletricidade, gosta de escarnecer da falta de fontes domésticas de energia na Alemanha. Ao mesmo tempo, a rápida ascensão na Alemanha do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha, conhecido como AfD, tem refletido uma crise de confiança e um mal-estar mais comumente associados à França. O Reagrupamento Nacional é um fenômeno antigo que agora entrou no mainstream da política; o AfD é uma nova força chocante na Alemanha.
Macron será capaz de traduzir alguma dessas realizações em maior popularidade? A resposta não é clara, porque grande parte das percepções negativas em relação a ele reside mais em sentimento do que em análise — uma sensação de que ele é, de alguma maneira, um alienígena, um ser egocêntrico demais, apaixonado demais por sua própria voz, um homem de “Júpiter” que não sabe como tocar o rebanho, uma qualidade política essencial na França.
Uma coisa é clara: Macron apostou em manter Le Pen longe da função mais alta do país, e o tempo não para. E a França permanecendo França indubitavelmente cuida de si. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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