Maduro pressiona ONU para que não reconheça venezuelanos no Brasil como refugiados

Objetivo do governo de Nicolás Maduro é evitar que a Venezuela seja vista como um país que cria exilados políticos ou um contexto de confronto que estaria expulsando a própria população

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Por Jamil Chade, correspondente e Genebra

GENEBRA - A ONU tem sofrido intensa pressão do governo de Nicolás Maduro para que não reconheça como refugiados grande parte dos venezuelanos que cruzam a fronteira com o Brasil. Na avaliação de Caracas, o fluxo de pessoas é apenas de “imigrantes econômicos”.

O objetivo da pressão do governo venezuelano seria o de evitar que se qualifique o país como um regime que cria exilados políticos ou um contexto de confronto que estaria expulsando sua própria população.

Pelo direito internacional, refugiados são aqueles que cruzam as fronteiras dos países em busca de proteção, diante de uma situação de confronto ou de crise em seus países de origem Foto: GABRIELA BILO / ESTADÃO

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Pelo direito internacional, refugiados são aqueles que cruzam as fronteiras dos países em busca de proteção, diante de uma situação de confronto ou de crise em seus países de origem. Já os migrantes seriam apenas aqueles que saem de seus países em busca de melhores oportunidades, mas que não necessariamente são perseguidos ou ameaçados de morte.

Ao Estado, o mais alto escalão da ONU confirmou que tem sido alvo de gestões por parte de Caracas para que as pessoas que cruzam as fronteiras em direção ao Brasil sejam consideradas apenas como migrantes.

“Para o governo Maduro, não há refugiados em grandes números”, disse o representante das Nações Unidas, na condição de anonimato. A reportagem apurou que a pressão tem ocorrido em reuniões privadas tanto na Venezuela como na ONU, e em troca de comunicação entre o governo e o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur).

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Os dados, porém, mostram uma realidade diferente. Ao fim de 2016, um total de 52 mil venezuelanos haviam solicitado asilo pelo mundo ou viviam de forma preocupante em diversas regiões, entre elas o Brasil. A ONU afirma que, em 2017, esse número ganhou uma nova dimensão.

O salto em comparação a 2015 é significativo. De acordo com a ONU, existiam pelo mundo 22 mil venezuelanos em situação de refúgio ou de necessidade de ajuda.

Em dezembro, graças a um habeas corpus, 450 deportações de venezuelanos foram evitadas. “A Defensoria Pública acredita que esse tipo de procedimento, uma deportação em massa, não respeita a ampla defesa e o contraditório dessas pessoas”, disse a defensora pública Roberta Alvim.

Ela explicou também que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condena essas práticas e que, de fato, pode existir casos de refúgio entre a população que cruzou a fronteira. “Uma deportação em massa não leva em conta as circunstâncias individuais. Há hipóteses de refúgio. Nada disso foi considerado”, disse a defensora.

Mas a ONU passa por um momento conturbado na Venezuela em razão da necessidade que o escritório o Acnur tem de cuidar de mais de 100 mil colombianos que ainda vivem em cidades venezuelanas, depois de décadas de conflitos no país vizinho. A organização não esconde o temor de que, se irritar Caracas com a crise na fronteira com o Brasil, poderá ter sérios problemas para continuar sua missão dentro da Venezuela para atender aos colombianos.

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O Acnur é um dos poucos escritórios da ONU que ainda existe em Caracas. Diversos outros organismos da entidade tem tido seus vistos regularmente rejeitados pelo governo de Nicolás Maduro para entrar no país.

Apesar da pressão, a entidade promete apoiar o governo brasileiro para lidar com os mais de 13 mil venezuelanos que vivem em Roraima. Contudo, as Nações Unidas desaconselham a criação de um campo de refugiados.

A diplomacia venezuelana não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.

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