O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, mandou hoje a Assembleia Nacional aprovar uma lei para criar o Estado de Guiana Essequiba, nomeou um interventor e ordenou à estatal PDVSA que distribua licenças para exploração de petróleo na região do Essequibo, que corresponde a 70% da Guiana. “A Guiana deve saber que resolveremos isso da maneira mais fácil ou resolveremos...”, disse Maduro, sem concluir a frase.
Além disso, o ditador montará um posto militar avançado na pequena cidade de Tumeremo, dentro do território da Venezuela, perto da fronteira com a Guiana, para supervisionar o novo Estado – embora ele não tenha anunciado nenhuma incursão. Ele designou o general Alexis Rodríguez Cabello como autoridade única do território de 160 mil quilômetros quadrados.
Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional, disse que os deputados se comprometeram a votar amanhã, 6, em primeiro turno, o projeto de lei proposto por Maduro, que também criou um alto comissariado para a defesa da Guiana Essequiba, integrado pelo Conselho de Defesa Nacional (Codena), pelo Conselho Federal de Governo, pelo Conselho de Estado e por movimentos políticos e sociais. O organismo será coordenado pela vice-presidente, Delcy Rodríguez.
O governo venezuelano não esclareceu como pretende aplicar o decreto anunciado.
De todas as medidas anunciadas ontem, a concessão de licenças operacionais para exploração de petróleo, gás e minas talvez seja a que represente o maior desafio ao chavismo, já que é difícil imaginar quem poderia aceitar um empreendimento na região.
Em 2015, a Guiana concedeu o direito de exploração de petróleo no Essequibo à ExxonMobil, dos EUA, que já descobriu mais de 11 bilhões de barris em reservas recuperáveis – quantidade semelhante à da Argélia, que é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Em outubro, seis petroleiras obtiveram licenças para explorar no litoral guianense.
De acordo com Phil Gunson, analista sênior para a região andina do Crisis Group, as medidas são um reflexo do plebiscito de domingo. “Trata-se de uma estratégia comum do governo venezuelano”, disse. “Tudo isso é um grande espetáculo interno, porque o que Maduro busca é uma fantasia. Ele não pode fazer concessões no Essequibo, não pode forçar as empresas transnacionais a abandonar suas operações.”
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Ele considera que Maduro está buscando adotar uma linha dura que funcione como âncora para manter o controle do país, devido ao grande risco que enfrenta o regime com o crescimento da oposição.
“Maduro é um presidente com baixa popularidade que fracassou em sua tentativa de referendo. Isolado internacionalmente e com poucos recursos, ele está procurando um inimigo externo como pretexto para estabelecer uma linha dura internamente e gerar condições muito difíceis para a oposição nas eleições de 2024″, afirmou Gunson em entrevista ao Estadão. “Até o momento, ele não tem nenhuma perspectiva de vencer as eleições de 2024 e não está disposto a entregar o poder. Suas outras opções seriam passar para uma linha dura de governo, suspender a eleição ou simplesmente roubá-la”, ponderou o analista.
O plebiscito de domingo mostrou a dificuldade de Maduro em mobilizar sua base eleitoral. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a participação foi de 50%, sem dar mais detalhes. No entanto, indícios sugerem que o comparecimento foi, na realidade, muito mais baixo.
Registros de mídias digitais independentes, imagens realizadas por eleitores e boletins nas TVs estatais mostraram colégios eleitorais vazios, ruas silenciosas e pouca mobilização popular. Na última eleição presidencial, em 2018, boicotada pela maior parte da oposição, a participação foi de 46%, quando Maduro se reelegeu em meio a acusações de fraude. Nas legislativas de 2020, na pandemia, foi de 30%.
As primárias da oposição, em outubro, sem apoio do CNE, tiveram 2,3 milhões de votos, pouco mais de 10% do total de eleitores. Para Maduro, porém, era importante mostrar uma mobilização maior. “Há um contraste entre uma cifra que pressupõe muita gente nas ruas e as imagens divulgadas”, disse ao Estadão a analista Eglée González-Lobato.
Com uma retórica nacionalista, Maduro usou o plebiscito para medir a adesão de sua base. Ele vem se mantendo no poder graças a fraude eleitoral, inabilitação de opositores, cassação de mandatos e distribuição de ajuda em troca de votos.
Mas em 2024 o contexto será distinto, já que Maduro comprometeu-se com os EUA a realizar eleições livres em troca do alívio das sanções. Analistas, porém, duvidam do compromisso do ditador, já que María Corina Machado, escolhida pela oposição para desafiá-lo, ainda não teve a candidatura autorizada.
Diante da mobilização da oposição nas prévias, invalidadas pelo regime, Maduro se viu obrigado a responder. Mas, segundo o cientista político Jesús Castellanos Vásquez, falhas na mobilização e no controle social deixaram Maduro em posição desconfortável.
“Ele sabe que pode contar com as instituições estatais, incluindo a Justiça eleitoral e o Judiciário, mas ficou claro que ele perdeu parte de sua base”, afirmou. “O principal objetivo era se reconectar com a base, o que parece complicado em razão do nível de insatisfação. Com isso, ele pode restringir ainda mais a participação da oposição.”
Segundo González-Lobato, o resultado do plebiscito aumentará o descontentamento dentro do chavismo com Maduro. Para ela, o plebiscito era um teste da adesão, mas teve um resultado modesto. “Como realizar uma campanha de sucesso representando mais do mesmo?”, questionou.
Para Castellanos, a oposição terá uma tarefa difícil, pois as condições eleitorais podem se tornar ainda mais limitadas com o aumento da repressão, mas a votação também indica que Maduro não é unanimidade dentro do regime. “Esse plebiscito é uma demonstração não apenas do apoio que existe a María Corina, mas também da dissociação do regime com relação a Maduro”, disse.
O conflito entre a Guiana e a Venezuela pelo Essequibo está sendo julgado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), que nesta sexta-feira ordenou que ambos países abstivessem de ações que pudessem agravar a disputa na região.
A corte decidiu emitir medidas provisórias depois de concluir que há um “risco de dano irreparável” ao direito “plausível” da Guiana antes de proferir sua decisão final sobre a validade da Sentença Arbitral de 1899, que cedeu o território à Grã-Bretanha, que na época controlava o país como colônia.
Na sua decisão, a CIJ disse que a Guiana “administra e controla” o território em disputa e insistiu que a Venezuela deve “abster-se de qualquer ação que altere essa situação” até a divulgação de decisão final sobre o pleito.
No entanto, Maduro reafirmou que, como resultado do referendo, a Venezuela não reconhecerá a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Para o governo venezuelano, o Acordo de Genebra de 1966 é o “mecanismo adequado” para resolver a disputa territorial, enquanto a Guiana insiste na validade da Sentença Arbitral, considerada nula e sem efeito por Maduro.
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