'Maduro resiste no cargo porque os militares são o governo', diz analista

Para cientista político venezuelano, Guaidó tem tido dificuldade em cooptar generais em virtude do fácil acesso dos generais aos recursos do Estado venezuelano

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Foto do author Luiz Raatz

O autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, aposta desde janeiro na ruptura de setores das Forças Armadas com o chavismo para derrubar Nicolás Maduro, mas até agora os poucos apoios que têm recebido são insuficientes. Para o diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Católica Andrés Bello, Benigno Alarcón, isso ocorre porque durante a transformação do chavismo num regime autoritário os militares tornaram-se o governo de facto do país.

Juan Guaidó anuncia ter apoio de militares para derrubar governo Maduro Foto: Twitter/JuanGuaidó

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Maduro está esperando o desgaste de Guaidó em vez de prendê-lo?.

Sim. E essa é uma aposta que o governo sempre fez. Apostar no desgaste do tempo. E desta vez conta a favor dessa estratégia as ameaças feitas pelos EUA caso algo aconteça a Guaidó. Tem sido muito evidente que as reações internacionais, em sua maioria, são favoráveis à oposição. A UE e a OEA também têm defendido a presidência interina de Guaidó. Por isso o governo tem evitado tomar medidas como tomou no passado, quando prendeu outros líderes da oposição.

Por que os EUA disseram publicamente que houve negociações com aliados próximos de Maduro?

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Declarações de funcionários americanos com ameaças contra membros do regime não precisam necessariamente ser cumpridas, mas o que Bolton fez ontem foi além disso. E imagino que dentro da cultura americana, principalmente na burocracia de governo, a questão da mentira, do blefe, é vista de uma maneira muito negativa. O que sim me surpreende é que o governo americano tome decisões com base em negociações com funcionários venezuelanos que sempre demonstraram pouco apego à sua palavra. Tomar decisões com base em promessa de um funcionário venezuelano como Padrino ou Maikel Moreno, que tem sobre si todos os custos que implicam sua saída do regime, é um pouco ingênuo e bem difícil de compreender.

E qual o papel de Rússia e Estados Unidos nessa crise?

No caso venezuelana, a geopolítica está em segundo plano. Não por que seja irrelevante, mas em processos nos quais a geopolítica teve um papel muito maior, como a queda do Muro de Berlim e da União Soviética, por exemplo, as fraturas foram internas. Aqui a relevância geopolítica é menor. Os principais aliados de Maduro - Rússia, China, Turquia e Irã - dão algum apoio ao regime, mas não é um apoio integral como ocorre com Cuba, por exemplo, para quem o resultado dessa crise é uma questão existencial.

Como o controle dos militares sobre a economia se relaciona com sua lealdade a Maduro?

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Temos de entender primeiro que isso não é produto do acaso. É uma estratégia e isso não é exclusivo da Venezuela. Isso é comum em regimes autoritários, principalmente na África e no Oriente Médio. Na Venezuela a participação dos militares na economia começou a ser construída quando o país sai de um sistema semidemocrático, quando o voto ainda tinha importância, mas com o Executivo controlando os outros poderes, para um regime totalmente totalitário, onde a importância do voto é marginal. Aí, o governo oferece uma dinâmica clientelista para quem pode mantê-lo no poder por meio da força. E aí o Exército deixa de ser neutro e apolítico e começa a fazer parte do governo, com acesso aos recursos do Estado. Esse acesso garante a lealdade dos militares. É o caso da Síria e do Egito, por exemplo. Hoje, as FANB são o governo, seguindo o manual dos regimes autoritários.

E é por isso que está sendo tão difícil para Guaidó provocar divisões nas Forças Armadas, não?

Sim, porque uma divisão vertical, onde um comandante, rompe com o governo e traz com ele seus governados, tornou-se improvável na Venezuela. Hoje a estrutura das FANB não é piramidal, mas horizontal, em formato de rede, onde vários “caciques” comandam suas respectivas “tribos” ( a Venezuela tem mais de 2 mil generais). Nesse cenário, casos de insubordinação de soldados com patentes mais baixas, torna-se mais comum. E é exatamente o que está acontecendo com os militares que se juntam a Guaidó. É a parte inferior dessas “tribos” que lhe jura lealdade.

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