Ex-embaixador brasileiro na Argentina aposta em Milei conciliador após a posse

Segundo Marcos Azambuja, sinais dados pelo argentino durante cerimônia de posse tentaram demonstrar clima amistoso

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Foto do author Mariana Carneiro
Foto: Marcos de Paula/AE
Entrevista comMarcos Azambujaex-embaixador brasileiro na Argentina e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

O embaixador Marcos Azambuja, 88, chamou a atenção para os sinais emitidos por Javier Milei na sua posse para fazer uma análise de que o político, que chegou ao poder na Argentina apostando na raiva da população contra os erros na economia, quer mostrar-se mais amistoso.

Azambuja foi embaixador brasileiro na Argentina nos anos 1990 (1992-1997) e hoje é conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Ele afirma que há interesses tanto do Brasil quanto dos vizinhos em manter a parceria, apesar das diferenças políticas entre Lula e o empossado, e acredita que agora, investido do cargo, o argentino deverá recuar das críticas que fez ao Mercosul e da ameaça de deixar o bloco.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

MARCOS AZAMBUJA, Embaixador, durante entrevista na sede do Estadão Foto: AE / AE

O sr. assistiu à cerimônia de posse de Javier Milei na Argentina. O que achou?

Foi mais normal do que eu imaginava. Ele chegou caminhando com a irmã. A América do Sul tem certa criatividade nessas coisas, mas um presidente assumir com a irmã do lado? Não é habitual. É um dado curioso, que remete à família. Ele fez um longo trecho caminhando, do Congresso para a Casa Rosada, a admissão de que não há dinheiro, no hay plata. Fez festa para os cachorros na rua (risos). Isso é inédito! Não foram atos que não sugiram uma certa disposição amistosa. Fazer festa para cachorro não é muito ameaçador.

O sr. acredita que ele tentou passar uma imagem de um Milei menos raivoso?

Pelo menos estava vestido de uma maneira adequada, com o bastão presidencial. Na Argentina, o bastão tem a simbologia do poder investido. Ele cumpriu o ritual. Cristina Kirchner pôs um dedo respondendo a vaias. Eu achei extraordinário, as coisas mudam muito… (risos) Nós vivemos na América do Sul, onde por tanto tempo não houve nenhuma democracia, nós temos de aceitar que haverá oscilações à esquerda e à direita. O que é importante é que essas oscilações se deem dentro da moldura dos prazos democráticos.

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Várias autoridades foram à cerimônia e até o ucraniano Volodmir Zelensky apareceu. Ele não veio ao Brasil, apesar de Lula ter oferecido a mediação brasileira no conflito da Ucrânia com a Rússia.

A vinda do Zelensky não é sinal de força. Ele está em guerra e vir até Buenos Aires é longe, o que sugere mais busca de apoios do que triunfalismo. Ele não busca mediadores e não quer o Lula como mediador, ele quer apoiadores, como é o Milei. Ele não quer mediação, quer apoio. Ele veio sugerir que tem apoios na América do Sul neste momento de maior pressão, com a chegada do inverno.

Como avalia a ausência do presidente Lula?

Ele fez bem em não ir, porque tinha ouvido uma série de críticas durante a campanha. Claro que campanha tem uma retórica, mas a linguagem foi um pouco excessiva para ele estar presente. Em segundo lugar, porque Jair Bolsonaro foi convidado de uma maneira muito calorosa e foi acompanhado. E, terceiro, porque o convite foi feito assim ‘ah, ele será bem-vindo se vier’. Isso não é um convite. Convite é quando você expressa o prazer, a honra, a satisfação e o desejo de receber. Dizer “se vier é bem-vindo” não é convite, é um sinal de que não será maltratado, mas não é o que um presidente do Brasil espera receber para poder ir a algum lugar.

Esse desalinhamento entre os dois pode interferir na relação entre a Argentina e o Brasil?

Lula tem uma tendência mais próxima ao Alberto Fernández e à Cristina Kirchner, a este peronismo de versão kirchnerista que agora parece se encerrar, agora é outro ciclo. O que importa é que Brasil e Argentina têm interesses tão íntimos, tão profundos que, para eles e para nós, não há como não ter uma relação. Há uma relação pacífica entre dois grandes vizinhos, não há guerra, não há ameaças, há um acordo nuclear que funciona, há um Mercosul que funciona mais ou menos. De modo que a posse me pareceu um ato de normalidade democrática.

Como será a relação dos dois países durante o mandato dos dois presidentes?

Estamos querendo demais adivinhar o futuro. Nós estamos diante de um governo que assumiu hoje, de modo que vamos dar um tempinho para ver. Os interesses são tão grandes, a turma de lá e cá sabe que nós somos o segundo ou terceiro parceiro deles, eles são nosso terceiro ou quarto. Não há causa nenhuma de divergência, tudo leva à cooperação, o que nos interessa é mais comércio, mais investimentos e ver o que vamos fazer juntos com a União Europeia, agora que nós temos de repensar como vamos fazer. Do nosso lado haverá um esforço real para que seja assim. O Brasil tem interesses verdadeiros no entendimento com seus vizinhos. Não é Argentina apenas, mas com todos os países com quem temos fronteira. De modo que esse entendimento é da maior importância econômica e é politicamente útil. Pelo temperamento do Lula também. Ele não é um presidente de briga e provocações, de modo que o Brasil tenderá a administrar o novo momento com o máximo de suavidade.

Milei disse na campanha que tiraria a Argentina do Mercosul.

Eu ouvi isso e fiquei preocupado, mas agora como presidente vamos ver o que ele pretende. Campanha eleitoral tem um tipo de retórica que é da natureza da campanha, do exagero, da ênfase, da “patriotada”, das declarações simplistas. Vamos ver como ele administra, quais são os gestos. Quatro governadores brasileiros estavam lá, o que demonstra que, além do interesse Brasil e Argentina, há um interesse subregional entre Estados limítrofes. Há uma intimidade que independe da retórica eleitoral.

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