ASSUNÇÃO - Marcado por pertencer a uma família muito próxima do ex-ditador Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai de 1954 a 1989, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, do partido governante Colorado, se esforça para mostrar suas credenciais de democrata e republicano, sem negar suas origens. "Quero cicatrizar as feridas para a reconciliação entre os paraguaios. Temos muito mais coisas que nos unem do que nos dividem", disse o novo presidente pouco antes da cerimônia de posse, nesta quarta-feira, 15.
Apelidado de "Marito", para se diferenciar do pai, de mesmo nome, que foi secretário particular do general Stroessner, a relação de sua família com a ditadura de 35 anos no país influenciou negativamente em sua eleição. "Não posso deixar de lembrar do meu pai, que foi um grande colorado", disse em seu primeiro discurso, logo após reconhecer a vitória eleitoral, em abril.
Seu pai foi processado por enriquecimento ilícito e tornou-se um dos primeiros presos da democracia instaurada após a queda de Stroessner, mas o processo foi suspenso.
Abdo nunca negou seus laços com o ditador, a quem visitava no exílio, em Brasília. Ele carregou seu caixão até um cemitério da capital brasileira, em 2006. "Havia um parentesco distante entre minha avó e a mãe do general Stroessner", disse.
Analistas políticos afirmam que a ditadura ficou para trás e apontam que os cidadãos com menos de 40 anos já não se lembram do governo autoritário que deixou como saldo cerca de 400 desaparecidos, mais de 20 mil detidos e torturados e dezenas de milhares de exilados, segundo a Comissão Verdade e Justiça.
Alta sociedade
Abdo, de 46 anos, formou-se em uma das melhores escolas de Assunção, no Colégio San Andrés, onde os netos de Stroessner foram seus colegas de sala. Nos Estados Unidos, graduou-se em marketing.
Divorciado de Fátima María Díaz Benza, com quem teve dois filhos, Abdo casou-se novamente com Silvana López Moreira Bo, filha de uma família da alta sociedade de Assunção. Ele tem uma irmã e sete meios-irmãos e assegura ter construído uma identidade própria, apesar de sua origem.
'Marito do século 21'
Com movimentação própria, em 2013 Marito foi eleito senador, e escolhido presidente do Congresso em 2015, ano que marcou o ponto de inflexão e ruptura em suas relações com o presidente Horacio Cartes. Na crise em março de 2017, os opositores reagiram com violência e queimaram uma parte do Congresso em protesto contra a pretensão de Cartes de aprovar uma emenda que lhe permitiria ser reeleito.
"Eu estava na praça. Defendi nosso sistema de República", disse Abdo. "Espero que eu possa mostrar ao povo que sou o Marito do século 21 e que com minha conduta eles possam, com o tempo, se sentir tranquilos. Quero demonstrar que meu compromisso é com o futuro", ressaltou.
A senadora Esperanza Martínez, membro do partido esquerdista Frente Ampla, afirmou que com o novo presidente o "Paraguai será a continuidade do governo de Cartes. Não haverá nenhuma mudança." Abdo contestou a declaração. "Eu vou respeitar as instituições. Não vou me intrometer em outro poder do Estado. Respeito e espero uma Justiça corajosa e independente. Somente haverá paz no Paraguai se a justiça funcionar", afirmou. / AFP
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