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É prêmio Nobel de Literatura. Escreve quinzenalmente.

Opinião | Só a democracia salvará a Venezuela dos demagogos; leia a coluna de Mario Vargas Llosa

Um país que tinha sido, graças ao petróleo, o refúgio da América e um ímã para imigrantes de muitos outros lugares praticamente desapareceu e uma Venezuela irreconhecível irrompeu

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Javier Moro publicou um romance “venezuelano”, e o livro está muito bem escrito, ainda que o autor deixe escapar alguns pronomes não empregados na linguagem latino-americana da maneira que ele usa. Ninguém na América Latina fala, por exemplo, “vosotros vais”. Mas seu romance, “Querem nos matar”, é amena e narra a trágica vida “de um homem, da luta de uma família e da consciência de um país”.

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O personagem em questão é Leopoldo López, que dirigiu um grande partido político de oposição a Hugo Chávez e Nicolás Maduro, foi um prefeito bem-sucedido de Chacao e acabou acusado pela ditadura de ter provocado algumas mortes durante manifestações antigoverno. O extraordinário é que Leopoldo López se entregou em 2014 e, evidentemente, Maduro o submeteu a ferocidades sabidas na prisão militar de Ramo Verde. Ele ficou por lá vários anos, que suportou com grande coragem antes de lhe ser concedida a “prisão domiciliar”, mas perdeu a popularidade de que desfrutava e que lhe havia permitido competir com Maduro em todas as eleições que este propiciou e burlou.

Ao mesmo tempo, sua mulher, Lilian Tintori, que tinha sido uma jovem um tanto afastada da política, foi se transformando na autêntica representante da oposição a Maduro e percorreu o planeta, sendo recebida por Chefes de Estado e pelo Papa e realizando, forçada pelas circunstâncias e semelhantemente aos seus sogros, uma esplêndida carreira política. Mas o grande partido que ambos haviam formado foi se dissolvendo nestes anos, enquanto os atropelos de Maduro prosperaram e a compra de militares, aos quais pelo visto ele entregou o negócio do narcotráfico, deu lugar ao surgimento de novas fortunas.

O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, ao lado do ministro da Defesa, Vladimir Padrino Lopez, durante ato de governo em Caracas  Foto: Palácio Miraflores / EFE

Ao mesmo tempo, o país mais rico da América Latina se empobrecia e quase 7 milhões de venezuelanos se espalharam pelos Estados Unidos e a Europa em busca de trabalho. Cerca de 1,5 milhão chegou ao Peru, que, diga-se de passagem, igual à Colômbia, se comportou magnificamente com essa avalanche de refugiados, aos quais concedeu imediatamente autorização de trabalho e, mal ou bem, entre protestos de alguns nacionalistas, assimilou com dificuldade.

Um país que tinha sido, graças ao petróleo, o refúgio da América e um ímã para imigrantes de muitos outros lugares praticamente desapareceu e uma Venezuela irreconhecível irrompeu prontamente. Enquanto isso, os heroicos Leopoldo e Lilian, marginalizados, continuaram sua obra esplêndida, mas perderam muito de seu vigor, enquanto o ex-cobrador de ônibus Maduro se fortalecia no poder.

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Cuba e seus agentes tinham tomado controle da da segurança e assim foram sucedendo as coisas ano a ano, como um exemplo do que não deveria ocorrer na América Latina. Uma sociedade moderna e trabalhadora se transformava em uma ditadura feroz em que o único que se admitia era adesão ao regime e na qual se perseguia qualquer um que parecesse independente ou opositor.

Ao mesmo tempo nasciam fortunas encobertas e a Venezuela se transformava em uma ditadura minúscula e comunista, ainda que seus dirigentes praticassem no país um capitalismo mafioso. Naturalmente, a Rússia lhe acolheu entre suas tramas e estreitou laços de imediato, como fizeram Irã e outras ditaduras. Desde então, o regime tem esmagado sistematicamente todos os dissidentes e ativistas, matando-os se preciso ou submetendo-os a torturas, para vergonha do Ocidente.

O líder da oposição venezuelana Leopoldo López, no momento de sua prisão em Caracas, no começo de 2014 Foto: Jorge Silva / Reuters

Foi oportuno o sacrifício de Leopoldo López? Eu não saberia dizer e provavelmente será exclusivamente a voz dos venezuelanos que dará o veredicto a esse respeito. Mas o certo é que tanto Leopoldo quanto Lilian levaram a cabo, todos estes anos, uma admirável tarefa de resistência, ajudando e trabalhando pela maioria dos venezuelanos sem nunca ceder às tentações de Maduro, que, certamente, multiplicou as ofertas de rendição. Finalmente, Leopoldo se asilou na embaixada espanhola e, depois de vários meses, fugiu, em uma pitoresca excursão que está narrada com profusão de detalhes no romance de Moro. Leopoldo estava decidido a atirar-se nas águas de um rio quando a guarnição de Maduro se rendeu ao encanto dos dólares e permitiu sua fuga. Desde então, Leopoldo e Lilian, morando na Espanha, multiplicaram as ajudas aos seus compatriotas.

Mas é María Corina Machado que lidera hoje a oposição, segundo pesquisas que prognosticam sua vitória nas primárias programadas para outubro e na eleição presidencial do próximo ano. Tudo indica que ela poderia vencer de ponta a ponta, ainda que, evidentemente, homem precavido que é, Maduro a tenha tornado ilegal, incapacitando-a de apresentar-se nestas eleições. Ela anunciou que continuará em campanha até o final.

O livro de Moro descreve com profusão de detalhes tudo relacionado à oposição a Maduro e a maneira como os venezuelanos sempre levantaram a cabeça manifestando-se contra o regime ao mesmo tempo que os governos democráticos do mundo apoiaram Juan Guaidó, designado em seu momento presidente interino pela Assembleia Nacional, seguindo previsto pela Constituição da própria ditadura.

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A congressista opositora María Corina Machado fala com a imprensa diante da Guarda Nacional Bolivariana, em foto de 2014 Foto: Esteban Félix/AP Foto

Era uma figura que não tinha o apelo popular de Leopoldo López e que, não obstante, deu muitas mostras de valentia na oposição a Maduro (hoje ele está exilado nos EUA). É verdadeiramente triste ver o estado em que se encontra a Venezuela. Um país devorado pelo comunismo, saqueado de todas as fontes que constituíram sua grandeza no passado e condenado, como Cuba, a afundar-se no atraso, sob a repressão mais feroz.

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Há alguma solução para este país? O heroísmo dos venezuelanos não está em dúvida. Eles demonstraram consecutivamente sua coragem e a convicção de que apenas uma democracia salvará esse país que esse punhado de militares e demagogos afundou na ruína e no desastre. Mas a solução não é nada fácil. A verdade é que as ditaduras, ajudadas por Rússia, Irã e outros países autoritários, são cada vez mais difíceis de derrubar, porque aprenderam a se sustentar por meio do garrote e da corrupção (e no caso das latino-americanas, com ajuda das redes de inteligência cubanas).

De modo que cada vez mais se perpetuam, conforme demonstra a América Latina, governos que, apesar de respaldados por uma minoria ridícula, conseguem impedir que a sociedade tome suas rédeas e se oponha com sucesso aos facciosos. É cada vez mais custoso liberar-se da tutela dessas pequenas minorias que se imbuem da representação da massa e empregam toda a violência que seja necessária sem se importar com a condenação internacional, como demonstra outro caso trágico, o da Nicarágua. Belo destino o da América Latina. Quando a região parecia rumar pelo bom caminho, tudo se perdeu graças aos arroubos frenéticos dessas máfias políticas que se arrogam a representação do bem comum, como no caso da Venezuela, um país que produzia 3,5 milhões de barris de petróleo diariamente e agora se aproxima da mendicância graças à pilhagem de seus dirigentes e a um sistema estatizante e mafioso, incompatível com a prosperidade.

Basta ler o romance de Javier Moro para saber que um governo é capaz de acabar com um país em relativamente pouco tempo. A história da Venezuela será escrita algum dia, e nós ficaremos pasmos com um punhado de “revolucionários” que conseguiu acabar com um país que chegou a ter a renda per capita mais alta da região. A Venezuela de outrora ressuscitará algum dia? O futuro dirá, mas quem quiser obter uma percepção desse drama atroz fará bem em ler as páginas que, com esforço notável, Javier Moro apresenta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Mario Vargas Llosa

É prêmio Nobel de Literatura

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