SEUL, COREIA DO SUL -A secretária de uma das mais poderosas figuras políticas da Coreia do Sul, o prefeito de Seul, Park Won-soon, descreveu seus sofridos anos de assédio sexual nas mãos dele. Em sua primeira declaração pública na segunda-feira 13, ela apelou por um mundo onde as mulheres sejam tratadas “como humanos”.
A declaração foi divulgada horas depois do funeral de Park, que se suicidou na semana passada depois que sua secretária buscou a polícia e apresentou suas acusações.
“Eu me sentia impotente e frágil diante do poder”, disse ela em um comunicado divulgado por meio da sua advogada durante uma coletiva. “Eu desejava gritar com ele num tribunal seguro, dizer para ele parar. Falar em alto e bom som o quanto ele me machucou”.
“Eu queria perdoá-lo. Queria que fosse julgado por um tribunal e pedisse desculpas para mim como seu semelhante”.
Park sempre foi um defensor das mulheres e era a segunda autoridade mais poderosa em Seul depois do próprio presidente. Ele se suicidou na quinta-feira passada, um dia depois de sua secretária, cujo identidade e outras informações pessoais não foram divulgadas, buscar a polícia e apresentar acusações contra ele. Em nota deixada, Park não mencionou o fato, dizendo somente que “pedia desculpas a todos”.
Na segunda-feira, a advogada da mulher, como também ativistas, exigiram uma investigação alegando que a secretária vinha sendo difamada nas redes sociais onde trolls online tentaram revelar sua identidade, acusando-a de impelir o prefeito ao suicídio. Com base na lei penal da Coreia do Sul, o caso está encerrado e não haverá nenhum indiciamento porque o suspeito está morto.
Justiça
"O que ocorreu não terá prosseguimento porque o acusado está morto”, disse Go Mi-kyeong, que dirige a Women’s Hotline da Coreia, um dos grupos de direitos humanos ao qual a secretária de Park recorreu depois de ir à polícia. “O primeiro passo para restaurar os direitos humanos da vítima é revelar toda a verdade”.
Go exigiu que a polícia divulgue o que sabe até agora sobre o caso. As autoridades interrogaram a vítima e sua advogada durante quase 10 horas. Go também exigiu que a prefeitura de Seul abra uma investigação sobre as razões pelas quais descartou as primeiras queixas de assédio sexual apresentadas pela secretária.
“Quando ela pediu ajuda às autoridades, estas procuraram proteger o prefeito, afirmando que ele jamais teria tido tal comportamento ou que ela devia aceitar o ocorrido como um erro sem importância”, disse Kee Mi-kyeong, dirigente do Sexual Violence Relief Center, outro grupo de defesa dos direitos das mulheres. “Este é um caso típico de violência sexual em que a vítima enfrenta um poder tremendo e é impedida de levantar a questão”, afirmou.
Kim Jae-ryeon, advogada da secretária, disse que ela a procurou pela primeira vez em 12 de maio, acusando Park de assediá-la sexualmente no seu gabinete e no quarto contíguo. Park tocou no seu corpo enquanto tirava selfies”, disse a advogada na coletiva.
“Certa vez, quando ele viu um ferimento no joelho da vítima, ele tocou com os lábios, dizendo que aquilo iria curar a ferida”, disse a advogada.
Segundo a advogada, a vítima disse à polícia que mostrara as mensagens obscenas de Park para suas amigas e também para um jornalista e colegas da prefeitura. A secretária também apresentou à polícia provas em seu smartphone que incriminavam o prefeito.
A morte de Park dividiu a sociedade sul-coreana. Muitos lamentaram, na internet, a morte prematura de um dos mais talentosos defensores dos direitos humanos, que lançou as bases do hoje vibrante movimento da sociedade civil do país. Mas seus detratores o qualificaram de “hipócrita”.
Se de um lado políticos, religiosos e outros líderes prestaram homenagens a ele nestes últimos dias, alguns parlamentares e líderes de movimentos pelos direitos das mulheres se recusaram a seguir o exemplo.
Em seu comunicado na segunda-feira, a secretária expressou pesar pela morte de Park. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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