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Medidas recessivas de Javier Milei preocupam indústria e comércio na Argentina

Desvalorização cambial pretende reduzir consumo e frear atividade econômica, em um cenário em que a indústria tem dívida bilionária com fornecedores

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:

Quando o ministro da Economia da Argentina, Luis “Toto” Caputo, anunciou as dez medidas primeiras econômicas do governo de Javier Milei, o tamanho da desvalorização da moeda surpreendeu todos os setores econômicos, e arrepiou a indústria e o comércio. Com aumento do custo de vida, sem reajuste de salários, a tendência é uma queda brusca no consumo e na atividade econômica como um todo, com meses complicados pela frente para ambos os setores. Um novo pacote, desta vez com mais 30 medidas que desregulamentam a economia, promete afetar ainda mais setores, de saúde a moradia e empresas públicas.

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A indústria era um dos setores mais entusiasmados com a chegada de Milei e suas propostas libertárias de redução do tamanho do Estado. Mas se surpreendeu quando viu o anúncio das medidas com aumento de impostos e mudanças para frear o consumo. “Ninguém no setor privado pensava em aumentos de impostos”, admitiu Luis Macario, presidente do Sindicato Industrial de Córdoba (UIC), ao jornal cordobês La Nueva Mañana. Segundo ele, o aumento de impostos terá impacto direto nos preços.

De fato, dias depois do anúncio de Caputo, os preços dispararam na Argentina, com produtos registrando aumento de até 90% de uma semana para outra, segundo consultorias. De acordo com a consultoria Eco Go, com os aumentos, principalmente em alimentos e bebidas, a tendência é de que a inflação passe de 30% em dezembro.

Uma loja de roupas exibe cartazes de venda em Buenos Aires em 12 de dezembro de 2023 Foto: Luis Robayo/AFP

A desvalorização era uma medida já prevista frente a enorme disparidade cambial. Enquanto o valor do dólar oficial era cotado a um pouco mais de 400 pesos no Banco Central, o principal câmbio paralelo utilizado - o dólar blue - chegava perto dos mil pesos. O próprio Milei falava em uma desvalorização ao redor de 600 pesos, o que já seria considerável. Mas no dia 12 de dezembro, seu ministro comunicou que o dólar passaria a valer 800 pesos a partir daquele momento, levando a uma agitação econômica.

“O salário real, a queda na demanda e no consumo não só terá um efeito de renda menor para aqueles que mantiverem seus empregos, mas também reduzirá o poder de compra devido à perda de empregos, o que significa que as perspectivas não são boas para todas as empresas, serviços e indústrias que abastecem o mercado interno”, explica o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez.

De acordo com a consultoria Equilibra, o salário real dos argentinos que pertencem ao setor formal poderia sofrer uma perda de 9% em dezembro, o que seria a maior queda desde 2002. O número seria puxado não só pela desvalorização, mas pela liberação do preço dos combustíveis e de alguns alimentos que eram controlados pelo governo de Alberto Fernández. Além disso, a redução dos subsídios para transporte, energia e gás a partir de 1º de janeiro promete pressionar ainda mais o custo de vida dos argentinos.

Importações e dívida comercial da Argentina

Além da queda no consumo, a desvalorização promete impactar diretamente as importações, que ficam menos vantajosas - diferentemente das exportações.

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“Os setores que são mercados mais internos e que importam componentes de insumos, seja o que for, estão claramente do lado daqueles que sofrem as consequências [das medidas], porque sua rentabilidade está piorando e o mercado vai encolher”, afirma Rodriguez.

“Tudo o que está relacionado a eletrodomésticos, tudo o que faz parte de outros bens de consumo que têm componentes importados [será afetado]. Com a combinação do aumento da taxa de câmbio e recessão, a queda na renda obviamente vai significar menos demanda”, completa.

Dada a agitação inicial da indústria após as primeiras medidas, Caputo se reuniu na segunda-feira, 18, com altos funcionários da União Industrial Argentina (UIA), na qual afirmou que “não só não há dinheiro, não há dólares”.

Um carro é fotografado na fábrica de montagem da Toyota em Zarate, nos arredores de Buenos Aires, em 15 de março de 2021 Foto: Agustin Marcarian/Reuters

A falta de dólares no Banco Central argentino - as estimativas apontam para reservas negativas em mais de US$ 15 bilhões - tem impedido ao setor industrial importar insumos essenciais para a economia, como produtos químicos para a indústria farmacêutica e cirurgias. Há meses a argentina tem registrado falta de produtos como refrigerantes, carros novos e outros.

Uma das medidas do pacote econômico, de acabar com o sistema de importação Sira, que regulava o fluxo de importações justamente tentando conter a fuga de dólares, promete facilitar o comércio, mas, sem o dinheiro, não há muito o que facilitar. Na reunião, o ministro basicamente pediu paciência ao setor industrial e deixou claro que suas prioridades estão em outros setores.

“É fundamental que a indústria possa crescer e progredir, mas primeiro é necessária uma mudança macroeconômica”, disse Caputo.

A falta de dólares preocupa não só pela queda nas importações, mas pelo aumento da já grande dívida comercial das empresas, que já recebem avisos de fornecedores no exterior sobre a iminente interrupção dos embarques de insumos.

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De acordo com estimativas, a dívida comercial de importações não pagas cresceu em quase US$ 15,6 bilhões neste ano, incluindo os US$ 3 bilhões estimados para outubro, um recorde para um único mês. O presidente da UIA, Daniel Funes de Rioja, afirmou que vários embaixadores o visitaram levando a preocupação de fornecedores de diversos países que, por falta de pagamento, decidiram cortar o financiamento.

“Hoje, você encontrará importadores cujo fornecedor não quer mais enviar, porque obviamente eles estão esperando há 180 ou 200 dias”, observa Fabio Rodriguez. “Mesmo que os dólares tenham começado a pingar nas reservas do Banco Central, há outras prioridades à frente. Tem gente que já está em situação tão crítica que paga seus fornecedores com seus próprios dólares, que compra de outros câmbios”.

O governo chegou a anunciar um novo título do Banco Central, o Bopreal (Bônus para a Reconstrução de uma Argentina Livre), a ser subscrito em pesos e pago em dólares em 2027, mas os membros da UIA se mostraram desconfiados com os benefícios, já que só haveria retorno em quatro anos, e esperam incentivos adicionais por parte do governo.

Cartazes de campanha de Sergio Massa sobre as 'pymes' (pequenas e médias empresas) contra o plano 'motosserra' de Milei, em 19 de outubro Foto: Natacha Pisarenko/AP

O drama dos pequenos negócios

Se para grandes indústrias e comércio a situação já está ruim - e deve piorar -, as pequenas e médias empresas (que na Argentina são chamadas de pymes) pedem socorro há meses. Com o aumento do imposto Pais (Imposto para uma Argentina Inclusiva e Solidária), que saiu de 7,5% para 17,5%, o custo das importações cresce - ele já aumentaria naturalmente com a desvalorização. Pagar dívidas, nesse caso, torna-se insustentável.

“As pymes têm menos respaldo para enfrentar qualquer solução com seus fornecedores. As empresas maiores, na verdade, têm dívidas com suas matrizes que estão no exterior ou suas matrizes podem ajudá-las a contornar a situação. Isso é muito diferente de uma pyme que tem três fornecedores e é só isso, e tem de honrar os compromissos com eles porque se não, os perde. Em outras palavras, ela não tem acesso a instrumentos para resolver o problema’, explica o economista.

Em sua visão, a solução, neste caso, passaria por separar as dívidas das grandes empresas das pequenas e médias, e priorizar as últimas. “Há pymes que estão presas a valores de US$ 200 mil, US$ 300 mil, US$ 600 mil. São números absurdamente baixos, mas que para a pyme pode significar produzir ou não”, completa.

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