Eleições em Israel: Medo do terrorismo e crise econômica impulsionam extrema direita

Consultas públicas captaram uma consolidação das intenções de voto na extrema direita do país, inspirada no movimento kahanista

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Foto do author Renato Vasconcelos

SÃO PAULO ― Embora a eleição em Israel pareça uma repetição das cinco votações realizadas nos últimos quatro anos, com partidos e lideranças que se repetem a cada ida às urnas, ao menos uma nova tendência desponta nas pesquisas anteriores à votação. Consultas públicas captaram uma consolidação das intenções de voto na extrema direita do país, inspirada no movimento kahanista, que, ao que tudo indica, deve se consolidar como a terceira força do próximo Parlamento Israelense.

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A coalizão formada pelos partidos Poder Judaico e Sionismo Religioso alcançou uma média estável de votos nas pesquisas realizadas na semana anterior ao pleito, com uma projeção de ganhar entre 11 e 14 assentos no Knesset. Caso seja confirmado o resultado, isso vai significar um número quase duas vezes maior do que o obtido na última eleição, quando as siglas concorreram juntas pela primeira vez, e garantiram 6 cadeiras ― as primeiras de uma coalizão de extrema direita nos 78 anos de História de Israel.

Herdeiros do movimento fundado pelo rabino Meir Kahane, que pregava uma vertente de eugenia racial judaica ― enquanto seu partido, o Kach, estava na legalidade, nos anos 1980, defendia pautas como a expulsão de árabes do país e a proibição de relações sexuais entre judeus e não judeus, o que é frequentemente descrito por pesquisadores como uma forma de fascismo judaico ―, os partidos atuais defendem agendas ultranacionalistas, como a anexação total da Cisjordânia, o cancelamento dos acordos de Oslo e o status diferenciados para judeus e não judeus no país, com alguns de seus líderes envolvidos em episódios de violência contra árabes e judeus moderados.

Itamar Ben-Gvir (à esquerda), líder do partido de extrema-direita israelense, Otzma Yehudit (Poder Judaico), e Bezalel Smotrich (direita), legislador da direita radical israelense do Partido Religioso Sionista, em uma manifestação com apoiadores em Sderot  Foto: Gil Cohen-Magen / AFP

Encabeça a lista da coalizão o líder do Poder Judaico, Itamar Ben-Gvir, deputado eleito na votação de 2021 e um conhecido agitador político. Impedido de prestar o serviço militar nas Forças de Defesa de Israel (IDF) por ser considerado excessivamente radical, Ben-Gvir já foi preso pela polícia israelense em episódios de desacato e violência.

Em alguns dos episódios mais anedóticos envolvendo seu fanatismo, Ben-Gvir mantinha em casa uma foto do terrorista judeu Baruch Goldstein, que assassinou 29 palestinos em uma mesquita na Cisjordânia em 1994. Em 1995, ele foi filmado segurando um emblema arrancado do carro de Yitzhak Rabin, o primeiro-ministro israelense que assinou os acordos de paz de Oslo, assassinado pelo extremista judeu Igal Amir após fazer um discurso defendendo a construção da paz em Tel-Aviv. “Assim que chegamos a esse emblema, chegaremos a Rabin”, disse ele na época.

O líder da extrema-direita de Israel, Itamar Ben-Gvir (ao centro) é detido por policiais israelenses após protestar, em 2010, contra a visita do chefe da Casa Civil da Casa Branca, Rahm Emanuel  Foto: Ronen Zvulun/Reuters

Em uma entrevista recente ao The New York Times, Ben-Gvir afirmou que o retrato de Goldstein não está mais pendurado em sua casa e que lamenta o episódio envolvendo o carro de Rabin. Ao jornal americano, ele afirmou que se tivesse realmente “chegado” até Rabin, ele teria apenas gritado com ele. Ben-Gvir também nega que seu partido seja o herdeiro do Kahanismo, mas definiu já definiu Meir Kahane como “um santo, que lutou em guerras pelo povo de Israel e foi morto santificando o nome de Deus”.

O número dois da lista da coalizão e líder do Sionismo Religioso é Belezal Smotrich, que chegou a integrar o gabinete de Binyamin Netanyahu como ministro dos transportes entre 2019 e 2020. Assim como Ben-Gvir, Smotrich se tornou alvo de contestação em diversos eventos envolvendo a defesa de pautas ultranacionalistas, como a tomada total do território da Cisjordânia, e por falar abertamente que os cidadãos judeus-israelenses merecem um status de cidadania superior.

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Bezalel Smotrich, legislador da direita radical israelense e líder do Partido Sionista Religioso, fala durante comício com apoiadores na cidade de Sderot, em Israel  Foto: Gil Cohen-Magen / AFP

Certa vez, ele sugeriu que os hospitais do país mantivessem enfermarias separadas para judeus e árabes para que “mulheres judias não tivessem de dar à luz ao lado de palestinas”. Em outra declaração amplamente repercutida pela imprensa israelense, em 2015, ele afirmou ser “orgulhosamente homofóbico” durante um debate público, acrescentando que gays teriam o direito de “ser anormais em suas casas”, mas não de fazer demandas ao Estado.

Do ostracismo ao Knesset

O caminho da primeira coalizão puramente de extrema direita ao Knesset começou em 2021 e contou com a articulação de um experiente líder político israelense. Com as possibilidades de aliança limitadas pelos inúmeros acordos rompidos com antigos aliados, Binyamin Netanyahu percebeu que a entrada de caras novas no parlamento Parlamento poderiam significar uma nova chance de voltar ao governo. O plano de construir maioria não deu certo no ano passado, mas Bibi voltou a incentivar a união dos partidos neste ano ― e o crescimento pode beneficiá-lo.

“Embora sejam partidos de extrema direita e de inspiração kahanista, os partidos tinham discordâncias entre eles que, até então, tinham feito com que não se alinhassem para disputar as eleições. Netanyahu, com a habilidade política que tem, conseguiu mostrar que eles teriam mais chances de entrar no Parlamento juntos, já antecipando um possível governo”, explicou a professora Karina Calandrin, doutrora em Relações Internacionais e coordenadora do Instituto Brasil-Israel (IBI).

Apesar de reconhecer a autoridade de Netanyahu ao costurar uma possível coalizão aliada, Karina classifica a tentativa do ex-premiê como uma “ação desesperada” para voltar ao governo, atropelando ignorando as posições do seu próprio partido.

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“O Likud não é um partido religioso, Netanyahu não é religioso e a maior parte da população de Israel não é religiosa. Não faz sentido o discurso desses partidos, que beira o fascismo, ter essa aderência, se a gente pensar na História das instituições políticas de Israel”, disse.

Não faz sentido, mas tem explicação. Apesar da atuação de Bibi ter sido fundamental para a consolidação da aliança, o voto “orgânico” na coalizão cresceu entre 2021 e 2022 pelo que mostram as pesquisas de opinião. Fatores internos e a onda reacionária internacional explicam esse fenômeno, segundo especialistas.

“Globalmente, nós observamos um aumento no populismo de direita. O problema disso em Israel é que estes populistas tendem a ser racistas e tendem a ser muito antagônicos ao “outro”, quem quer que “o outro” seja”, disse Henri Barkey, professor da Universidade de Lehigh, na Pensilvânia.

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Assim como em outras partes do mundo, o avanço dos extremistas em Israel foi turbinado pela incapacidade da classe política tradicional oferecer um governo estável, e por desequilíbrios econômicos como instabilidade cambial e disparada da inflação, que passou dos 4% pela primeira vez desde o começo da década passada.

Em paralelo, o recrudescimento do conflito árabe-israelense nos últimos anos, principalmente na Cisjordânia, parece ter aumentado a preocupação do cidadão médio com a segurança pública, encontrando no discurso extremista uma resposta fácil para a violência, que atingiu níveis não vistos desde de 2015 na região. Todos esses fatores somados com a normalização de discursos extremistas por meios de comunicação, segundo Barkey, acabaram por tornar suas candidaturas mais palatáveis ao grande público.

Em meio a sua ascensão política em 2021, Ben-Gvir resolveu interferir diretamente quando uma série de incidentes eclodiram em Jerusalém, no entorno da mesquita de Al-Aqsa, após uma combinação de operações policiais consideradas abusivas, do cumprimento de ordens de despejo em um bairro palestino. Gvir achou uma boa ideia promover uma marcha da extrema direita rumo ao Monte do Templo, apoiando a decisão de retirar os árabes.

Neste mês, ele voltou ao bairro e encorajou a polícia a abrir fogo contra palestinos que atiravam pedras contra ele. “Amigos, eles estão jogando pedras em nós”, disse ele, puxando sua arma. “Atire neles.”

Os protestos de 2021 duraram 11 dias e resultaram em uma série de bombardeios de Israel à faixa de Gaza e do Hamas contra Israel. Estima-se que mais de 200 pessoas morreram./ Com informações de NYT e WPOST

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