Um ano depois de Meghan Markle se casar com o príncipe Harry em um matrimônio de conto de fadas, ela disse em uma entrevista transmitida na noite de domingo, 7, nos Estados Unidos, que sua vida como parte da família real britânica se tornou tão triste que pensou em suicídio.
Em outro momento, membros da família disseram a Harry e Meghan que não queriam que o filho ainda não nascido do casal, Archie, fosse um príncipe ou princesa, e expressaram preocupação sobre o quão escura a cor da pele do bebê seria. Durante a entrevista, Meghan falou sobre seus pensamentos suicidas: "Eu tinha vergonha de admitir isso para Harry. Eu sabia que se não dissesse, eu o faria. Eu só não queria mais estar viva."
Meghan fez as revelações em uma entrevista à apresentadora Oprah Winfrey, na rede americana CBS, que foi ao ar nos EUA em horário nobre. Ao descrever uma vida real que começou como um conto de fadas, mas se tornou sufocante e cruel, as respostas de Meghan levantaram as questões sobre raça e privilégio no escalão mais alto da sociedade britânica.
Para o público americano, que absorveu a intriga palaciana retratada na popular série de TV The Crown, parecia mais um episódio explosivo - promovido em uma semana de acusações e contra-acusações sobre o papel que Meghan desempenhou na Casa de Windsor.
Para a família real, já preocupada com a hospitalização de seu patriarca, o príncipe Philip, foi ao mesmo tempo uma embaraçosa exposição de roupa suja e um doloroso lembrete, um ano depois de Harry e Meghan terem virado as costas para a vida real, que as feridas daquela ruptura ainda precisam ser curadas.
Meghan disse que enquanto seu marido estava preocupado com sua fragilidade emocional, seus esforços para buscar ajuda médica foram rejeitados pelos funcionários do palácio, que se preocupavam com o impacto sobre a monarquia. Ela se descreveu como uma espécie de prisioneira no Palácio de Kensington. "Eu não podia simplesmente chamar um Uber ao palácio", disse ela.
Mas o esforço do casal para relançar sua imagem pública não passou despercebido em casa. Nos dias que antecederam a transmissão, surgiram novas alegações de que Meghan havia intimidado membros de sua equipe, fazendo auxiliares chorarem e expulsando dois assistentes pessoais do palácio. Meghan rejeitou as alegações, chamando-as de "assassinato de reputação", enquanto o Palácio de Buckingham disse que iria investigá-los.
Meghan não disse qual membro da família levantou questões sobre a cor da pele de seu bebê nem explicou por que a família real não planejou automaticamente conferir um título real, o que teria fornecido mais segurança para a criança. Por convenção, Archie assumiria um título real assim que seu avô, o príncipe Charles, ascendesse ao trono.
Ainda assim, a falta de clareza não roubou o momento da revelação: a referência de Meghan às preocupações sobre o tom de pele de seu filho provocou um "o quê?" de Oprah Winfrey. Em outras divulgações menos provocativas, Meghan corrigiu o registro de alguns negócios da família e revelou o sexo do próximo filho - uma menina.
Foi sua cunhada, Kate, que a levou às lágrimas em um conflito sobre vestidos para as floristas, e não o contrário, como havia sido divulgado. Em outro encontro embaraçoso com um de seus próprios assessores, ela disse que o assessor lhe disse que ela não deveria sair para almoçar com amigos porque estava superexposta, embora tivesse saído de sua residência apenas duas vezes em quatro meses.
Meghan, com sua barriga claramente visível, falou com humor sobre seus primeiros encontros com seus futuros sogros. Ela descreveu ter aprendido a fazer uma reverência momentos antes de ser apresentada à rainha Elizabeth II, com quem ela disse que sempre teve um relacionamento caloroso, e insistiu que nada sabia sobre o que se esperava dela como uma realeza que trabalhava. "Não fiz nenhuma pesquisa sobre o que isso significaria", disse ela.
Harry, que se juntou a Meghan na segunda metade da entrevista, disse que o casal deixou a família real por falta de apoio ou compreensão de seus integrantes, especialmente sobre o racismo que ele disse que sua esposa enfrentou na cobertura da imprensa. "Ninguém da minha família disse nada nesses três anos", disse Harry.
O príncipe, que continua sendo o sexto na linha de sucessão ao trono, descreveu o corte financeiro de sua família depois que ele e Meghan anunciaram planos de se retirar dos deveres reais. Ele disse que seu relacionamento com seu pai era - Charles parou de atender suas ligações em um ponto - porque "muita dor aconteceu."
Repercussão
Esta foi a entrevista real mais esperada desde que a mãe de Harry, a princesa Diana, disse à BBC em 1995 que "éramos três neste casamento", referindo-se ao marido dela, Charles, e seu relacionamento extraconjugal com Camilla Parker Bowles, com quem se casou mais tarde.
Como Meghan, Diana era uma "forasteira glamourosa" que trouxe uma chuva de "poeira estelar" para a Casa de Windsor quando se casou com Charles, mas se tornou infeliz dentro dos limites da vida real. Ao contrário de Meghan, seu casamento desmoronou em meio a alegações de infidelidade e, no momento em que ela falou com o jornalista da BBC, Martin Bashir, ela disse que o palácio a via como uma "ameaça de algum tipo".
Um exemplo vivo de seus turbulentos anos na família real, a entrevista de Diana foi um momento da cultura pop que atraiu uma das maiores audiências da televisão britânica na história, transformou-se em paródias no "Saturday Night Live" e aprofundou o apetite da mídia por tudo envolvendo Diana. Dois anos depois, ela estava morta em Paris, vítima de um acidente de carro após uma perseguição em alta velocidade com fotógrafos.
Harry relembrou essa tragédia com Oprah Winfrey, mencionando os confrontos de sua esposa com os tabloides: "Minha maior preocupação era a história se repetir." Ele há muito culpa os jornalistas pela morte de sua mãe e disse que uma das razões pelas quais o casal se mudou para a Califórnia foi para escapar da mídia.
E, no entanto, lá estava o casal sentado ao lado da apresentadora de televisão mais conhecida do país. A lista de entrevistas de celebridades de Winfrey inclui Michael Jackson, Barack Obama, Kim Kardashian e Donald Trump. Meghan, no entanto, aceitou a entrevista como uma chance de recuperar sua própria narrativa, após um período em que ela afirma que sua reputação foi distorcida.
Mesmo a escolha da roupa de Meghan parecia calculada para telegrafar a mensagem de um novo começo. Seu elegante vestido preto, desenhado por Giorgio Armani, apresentava um impressionante desenho de flor de lótus que sua equipe disse que simbolizava o renascimento e a vontade de viver. Ela também usava uma pulseira de diamantes que pertenceu a Diana.
"O que está acontecendo é uma luta significativa pelo controle da narrativa", disse Peter Hunt, ex-correspondente real da BBC. "Qual é o nosso julgamento estabelecido sobre por que Harry e Meghan deixaram a família real? Aceitamos duas horas de Oprah ou acreditamos nessas acusações de bullying?".
As primeiras manchetes dos tabloides britânicos sugeriam que as bombas de Meghan reverberarão por semanas. "Eu queria me matar", disse uma manchete no site do Daily Mail.
Meghan não sofre por falta de defensores. Patrick J. Adams, um ator que trabalhou com ela na série de televisão "Suits", a descreveu no Twitter na semana passada como tendo "um profundo senso de moralidade e uma forte ética de trabalho".
Os críticos há muito detectaram racismo na forma como algumas pessoas reagem a Meghan. Embora extasiados em sua cobertura do casal, os tabloides britânicos se voltaram contra eles, publicando artigos nada lisonjeiros sobre como eles voavam em jatos particulares que lançavam carbono e restringiam o acesso a seu filho recém-nascido.
Alguns também apontam a hipocrisia do Palácio de Buckingham investigando denúncias de bullying contra Meghan quando o príncipe Andrew, o segundo filho da rainha e tio de Harry, recusou-se a falar com as autoridades americanas sobre as alegações de tráfico sexual de seu falecido amigo, Jeffrey Epstein, condenado por crimes sexuais.
Embora os jornais britânicos tenham coberto todos os ângulos imagináveis da entrevista, alguns deixaram claro que havia limites para o interesse que estava gerando. O Sunday Times of London noticiou que a própria rainha não tinha planos de assistir ao programa, o que é bastante previsível, uma vez que foi ao ar depois da meia-noite no horário de Londres.
Outros na Grã-Bretanha tentaram minimizar a polêmica, apontando que há outras coisas mais importantes acontecendo no país: as escolas devem reabrir na segunda-feira, e o lançamento da vacina contra o coronavírus continua em alta velocidade.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.