PUBLICIDADE

Europeus pressionam Biden para acelerar adesão da Ucrânia à Otan

Membros da aliança militar querem estabelecer um cronograma para a adesão da Ucrânia, mas somente depois que a guerra não estiver intensa

PUBLICIDADE

Por David E. Sanger e Steven Erlanger

THE NEW YORK TIMES - O presidente dos EUA, Joe Biden, aproveitou todas as oportunidades nos últimos 16 meses para celebrar a unidade da Otan na Ucrânia. Mas em um tópico-chave, Biden se encontra isolado dentro da aliança: quando e como Kiev entraria para o seleto grupo.

PUBLICIDADE

Biden, que tem sido cauteloso em colocar a Otan em uma luta direta com Moscou, tem procurado manter o status quo de mais de uma década: uma vaga promessa de que a Ucrânia, agora indiscutivelmente a força militar mais poderosa da Europa, eventualmente se juntará à aliança, mas sem um cronograma definido.

Agora, aliados estão pressionando Biden a apoiar um caminho significativamente mais rápido e certo para a adesão da Ucrânia. Para o presidente americano, todas as opções carregam riscos consideráveis, opondo seu desejo de não permitir que nenhuma fratura apareça na Otan contra sua instrução permanente a sua equipe de “evitar a Terceira Guerra Mundial”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à esquerda, e o presidente Volodimir Zelenski, da Ucrânia, no Mosteiro de Cúpula Dourada de São Miguel em Kiev, capital da Ucrânia Foto: Daniel Berehulak / NYT

Muitos dos aliados, especialmente que fazem fronteira com a Rússia, querem fornecer à Ucrânia um compromisso político de adesão antes da cúpula da Otan, no próximo mês, em Vilnius, na Lituânia. Alguns querem um cronograma e metas específicas a serem cumpridas para uma verdadeira adesão, que só viria depois que a guerra não estiver mais intensa, disseram funcionários do governo Biden.

Krisjanis Karins, o primeiro-ministro da Letônia nascido nos Estados Unidos, argumentou que “a única chance de paz na Europa é quando a Ucrânia estiver na Otan”. Falando na quarta-feira em uma conferência de estratégia em Riga, ele disse que qualquer outro resultado significa inevitavelmente que “a Rússia vai voltar”.

Futuro

A esperança é que, uma vez que a Ucrânia seja um membro pleno da aliança, a Rússia não ousará tentar derrubar o governo em Kiev porque um ataque a um país da Otan é considerado um ataque a todos eles.

A filiação ucraniana tornou-se um “debate acalorado”, tanto na Europa quanto dentro do governo Biden, de acordo com um alto funcionário dos EUA envolvido nas discussões.

Publicidade

Apenas a Alemanha ficou totalmente do lado de Biden, embora alguns dos outros 29 aliados tenham suas próprias dúvidas sobre a prontidão da Ucrânia para se juntar à aliança - e os riscos de que as nações da Otan possam ser sugadas diretamente para um conflito com a Rússia no futuro.

O presidente ucraniano Volodymir Zelenski, à esquerda, é recebido pelo chanceler alemão Olaf Scholz em Berlim Foto: Kay Nietfeld / AP

Em uma confusão de memorandos e reuniões, várias autoridades americanas, lideradas pelo secretário de Estado Antony Blinken, parecem ter assumido a posição de que o governo Biden será forçado a ser mais específico sobre o caminho da Ucrânia para a adesão, mesmo que nenhuma data possa ser definida no meio de uma guerra que não tem um fim claro à vista.

A visão de Blinken foi reforçada durante uma reunião de ministros das Relações Exteriores da Otan em Oslo, há duas semanas, quando muitos dos aliados - liderados pela Polônia e os Estados bálticos - insistiram que o status da Ucrânia deveria ser esclarecido quando Biden e outros líderes mundiais se encontrassem.

Concessão

Embora não haja consenso sobre como reforçar o compromisso com a Ucrânia, alguns membros da Otan estão desesperados por maneiras de mostrar que 16 meses de guerra trouxeram o país para mais perto de se tornar um membro pleno. A mudança seria em parte uma mensagem para Vladimir Putin: ele não poderá esperar que o apoio à Ucrânia diminua. Seria também uma concessão ao presidente Volodmir Zelenski, que há muito pede a entrada da Ucrânia na Otan.

PUBLICIDADE

Autoridades dos EUA dizem que nenhuma proposta para alterar a atual posição americana está circulando formalmente na Casa Branca, embora esperem que isso aconteça nas próximas semanas. Embora a Casa Branca de Biden relute em discutir política interna, neste caso muitos detalhes vazaram, incluindo o argumento de que Biden deveria liderar, em vez de parecer estar correndo atrás dos europeus. Neste ano, Biden concordou em enviar tanques M1 Abrams e disse que permitiria que pilotos ucranianos fossem treinados em F-16 fabricados nos Estados Unidos, em reversões significativas de posições que adotou inicialmente.

Esperava-se que a questão do caminho da Ucrânia para a adesão fosse central em uma reunião que Biden manteve com o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, na terça-feira no Salão Oval.

Stoltenberg estava trazendo uma proposta de compromisso para Biden, na qual a Otan concordaria que a Ucrânia, testada em batalha com equipamento e treinamento da Otan, não precisaria passar pelo processo padrão para aspirantes a membros antes de poder ingressar, segundo um alto funcionário dos EUA.

Publicidade

Outras autoridades disseram que isso levantaria questões sobre o que substituiria esse processo, incluindo a obtenção de garantias de que a Ucrânia, que tem um histórico de corrupção e está sob lei marcial durante a guerra, não se tornará autoritária.

Mas a Otan é, antes de tudo, uma aliança militar. E inclui vários países com credenciais democráticas irregulares, incluindo a Turquia e a Hungria.

Em breves comentários aos repórteres na Casa Branca, Stoltenberg não falou sobre a adesão da Ucrânia à Otan. Ele disse que falaria mais sobre defesa na cúpula da Otan, e observou que novos equipamentos e treinamento para as forças ucranianas “estão fazendo a diferença no campo de batalha enquanto falamos”, insistindo que a Ucrânia está progredindo com sua longa esperada contraofensiva.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, participa de uma coletiva de imprensa em Bruxelas, Bélgica  Foto: Olivier Matthys / EFE

“O presidente Putin não deve vencer esta guerra porque isso não será apenas uma tragédia para os ucranianos, mas também tornará o mundo mais perigoso”, disse ele. “Isso enviará uma mensagem aos líderes autoritários de todo o mundo, também na China, de que, quando usam a força militar, conseguem o que querem.”

Compromissos

Em Vilnius, a Otan apresentará a Zelenski um conjunto de compromissos dos Estados-membros para continuar a fornecer à Ucrânia armas, munições e dinheiro a médio prazo - não sujeito ao destino da contraofensiva atual ou ao calendário eleitoral.

Espera-se também que a Otan eleve as suas relações com a Ucrânia de uma Comissão, fundada em 1997, para um Conselho, um nível mais elevado de envolvimento e integração.

O simbolismo é claro: em 2002, doze anos após o colapso da União Soviética, a Rússia recebeu exatamente o mesmo tratamento – completo, com um escritório dentro do complexo da Otan em Bruxelas. Na época, a Rússia era considerada um “parceiro em pé de igualdade” com os membros da Otan, mas tudo acabou após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.

Publicidade

Agora, a Ucrânia pode estar desempenhando o papel dentro da Otan que a Rússia já desempenhou. A questão de como definir o futuro da Ucrânia na aliança ultrapassou uma segunda questão, como obter garantias de segurança de longo prazo para o país. Os assessores de Biden estão dizendo aos membros do Congresso que desejam mudar para algo semelhante ao que chamam de “modelo de Israel”, que tem um compromisso de segurança de 10 anos com os Estados Unidos.

Embora o da Ucrânia certamente deva ser mais curto, a ideia, segundo funcionários do governo, seria convencer Putin de que o fluxo de armas e treinamento para Kiev não diminuirá - e eliminar parte dos debates episódicos sobre quanto de ajuda a Otan deve comprometer com a Ucrânia nos próximos seis meses ou um ano.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, atende a coletiva de imprensa ao lado o presidente da Estônia, Alar Karis, em Kiev  Foto: Assessoria de imprensa do governo ucraniano / via REUTERS

Mas essas não são as “garantias de segurança” que Zelenski procura. Aqueles que defendem um compromisso mais forte com a Ucrânia argumentam que apenas a adesão à Otan e a proteção por seu voto de defesa coletiva podem garantir a segurança do país.

Anders Fogh Rasmussen, o ex-secretário-geral da Otan que agora é conselheiro de Zelenski, disse ao jornal britânico The Guardian na semana passada que “se a Otan não puder concordar com um caminho claro para a Ucrânia, há uma possibilidade clara de que alguns países individualmente possam tomar medidas”. Ele argumentou que “os poloneses considerariam seriamente entrar”, entre outros.

Kaja Kallas, a primeira-ministra da Estônia, disse em uma entrevista recente ao The New York Times que entendia que a Ucrânia não seria convidada a se juntar à aliança na reunião de cúpula do mês que vem. Mas a adesão da Ucrânia deve ser oferecida, disse ela, “quando as condições forem adequadas” – quando os combates cessarem.

Outros argumentam mais discretamente que um compromisso mais forte com a adesão da Ucrânia apenas joga com a narrativa russa de que a guerra é um esforço da Otan para desestabilizar o governo da Rússia. E poderia dar a Putin mais incentivo para continuar a guerra, ou aumentá-la.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.