Mercosul não vai fechar resposta à UE em cúpula, nem discutir regresso da Venezuela apoiado por Lula

Reunião de presidentes ocorre nos dias 3 e 4 de julho e Brasil vai assumir a coordenação temporária do bloco com pendências a resolver com europeus e diferenças internas

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA — Dois dos principais temas da agenda do Mercosul vão ficar de fora das decisões da cúpula de chefes de Estado na próxima semana, em Puerto Iguazú, na Argentina. Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeje dar recados políticos sobre os entraves e o desejo de concluir o acordo com a União Europeia, os governantes não vão fechar durante o encontro a resposta comum à carta de compromissos ambientais proposta pelos europeus, um passo pendente das negociações. Além disso, o regresso da Venezuela ao bloco, apoiado por Lula, ficou de fora da pauta.

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Três embaixadores diretamente envolvidos nas negociações deram detalhes sobre a Cúpula do Mercosul nesta sexta-feira, dia 29, no Itamaraty. A reunião ocorre nos dias 3 e 4 de julho, organizada pela Argentina. O Brasil vai assumir a presidência temporária do Mercosul no evento e coordenará por seis meses os trabalhos do bloco, até o fim do ano.

O embaixador Maurício Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros, disse que o governo brasileiro trabalha ainda nos detalhes finais da discussão interministerial sobre a carta adicional europeia, apresentada em março, que o Brasil considerou inaceitável, por prever possibilidade de punição em caso de descumprimento das cláusulas climáticas.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (à direita) se reúne com seu homólogo argentino, Alberto Fernández, no Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 26/06/2023. Foto: Andre Borges / EFE

O acordo havia sido concluído em 2019, mas os europeus logo anunciaram que enviariam novas condicionantes, por causa do desmatamento no Brasil. Ao assumir o governo, Lula passou a pleitear que seja rediscutido o capítulo do acordo que abre a fabricantes europeias o mercado de compras governamentais nacional. Para o petista, isso pode prejudicar setores importantes da indústria brasileira.

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Em seguida, os negociadores brasileiros vão compartilhar sua contraproposta aos demais sócios do Mercosul — Argentina, Paraguai e Uruguai — para que avaliem seus interesses e adotem uma posição conjunta. Eles vêm mantendo contato diário e estão muito próximos de iniciar essa fase, mas não a tempo de concluir para o encontro na Argentina, que precede uma reunião da qual os presidentes devem participar em julho, em Bruxelas, entre chefes de Estado da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) e a União Europeia.

“O governo brasileiro está terminando sua avaliação de pontos específicos dos textos herdados de 2019 e do documento adicional, traduzindo as instruções do presidente Lula, para um documento que será apresentado primeiro aos parceiros do Mercosul e depois à União Europeia. O processo não é tão rápido, porque os acordos são muito delicados e exigiram um trabalho de coordenação interna muito intenso. Exige todo o cuidado de nossa parte. Estamos muito próximos de apresentar nossas avaliações aos parceiros do Mercosul. Não tardará”, disse Lyrio.

“A posição do presidente, do governo brasileiro, para a Cúpula é a reafirmação do interesse brasileiro em seguir com essa agenda externa do Mercosul, a necessidade de fazer ajustes nos textos recebidos e negociados entre Mercosul e União Europeia, mas com uma clara sinalização política de que há interesse em avançar nos acordos e chegar a um bom resultado, equilibrado, interessante e adequado a todas as partes”, disse Lyrio.

Relações com a Venezuela

Desde o início do governo, Lula reatou laços diplomáticos com Caracas, ajudou na reabilitação internacional do ditador Nicolás Maduro e passou a defender a reintegração da Venezuela ao bloco. O assunto, porém, deve ficar para o segundo semestre e não será alvo de discussões substanciais para tomada de decisão entre os presidentes na próxima cúpula. O retorno de Maduro ao bloco depende de avaliações de todos os países do Mercosul — não é uma decisão de um só país. E mesmo Lula não pretende pautar o assunto, embora seja do interesse do governo brasileiro.

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“Na agenda desta cúpula, entendo que não está prevista qualquer discussão”, disse a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores. “Evidentemente, nesse contexto de retomada de diálogo que estamos promovendo com a Venezuela, esse assunto deverá ser debatido em algum momento. Nós gostaríamos de ver a Venezuela reintegrada ao Mercosul.”

O principal entrave é ausência de democracia no país vizinho. Em agosto de 2017, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai reconheceram a “ruptura da ordem democrática” e suspenderam formalmente a participação da Venezuela no Mercosul, conforme previsto no Protocolo de Ushuaia. A decisão afirma que “a suspensão cessará quando se verifique o pleno restabelecimento da ordem democrática na República Bolivariana da Venezuela”.

A Venezuela tem agora que cumprir uma série de condições para ter sua participação reativada, entre as quais está a promoção de eleições em igualdade de condições de disputa, entre governo e oposição. Há forte pressão em todo o Ocidente. Observadores acompanham e avaliam a organização do pleito de 2024, por parte do regime chavista. O próprio presidente Lula já cobrou a necessidade de realização de eleições livres.

Segundo a embaixadora Padovan, a questão ultrapassa a situação política interna, e passa também pelo fato de a Venezuela ter descumprido antes compromissos previstos nos protocolos de adesão ao bloco, exigidos de todos os países integrantes.

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Investigação no TPI

O Tribunal Penal Internacional reabriu o processo de investigação sobre violações a direitos humanos ocorridos no regime de Maduro. Eles decidiram que providências judiciais internas na Venezuela não foram suficientes para dar respostas.

A apuração na corte versa sobre crimes contra a humanidade cometidos na repressão a protestos contra o chavismo em 2017 e pode levar a um pedido de prisão do ditador. O Brasil é signatário do Estatuto de Roma, que criou a corte.

Os embaixadores disseram que o governo brasileiro ainda não fez uma avaliação sobre a reabertura do processo no TPI.

“Defendemos sempre a democracia e o Estado de Direito. Estamos trabalhando junto com o governo venezuelano na expectativa de que haja eleições livres e transparentes no ano que vem”, disse Padovan. “Nosso enfoque é dialogar com autoridades venezuelanas, não há nenhuma tema excluído desse diálogo.”

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Democracia Relativa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender o regime de Maduro nesta quinta-feira, dia 29. Depois de afirmar que as violações a direitos humanos e restrições à participação política eram uma “narrativa”, o que causou protestos de outros presidentes e países, o petista disse que o conceito de democracia é “relativo” e que a Venezuela promove muitas eleições internamente. Os opositores - e a maior parte do Ocidente - apontam, no entanto, que as eleições são controladas pelo chavismo.

“A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim”, disse o presidente em entrevista à Rádio Gaúcha. “O que não está correto é a interferência de um país dentro de outro. Quem quiser derrotar o (Nicolás) Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala.”

Lula voltou a prometer interceder junto ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, para a liberação de sacerdotes católicos presos pela repressão sandinista. Eles foram acusados de atuarem como opositores e traidores da pátria. Como o Estadão revelou, o tema foi discutido durante a passagem do presidente pelo Vaticano para audiência com o papa Francisco. Após a conversa reservada com o pontífice, Lula disse que iria conversar com Ortega e sugeriu que ele deveria reconhecer que errou e pedir desculpas.

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