Mesmo com vitória, voto de desconfiança piora crise em governo de Boris Johnson no Reino Unido

Apesar de ter sobrevivido à votação que poderia retirá-lo do cargo, governo de Johnson sai enfraquecido e desafio será manter seu gabinete fiel nos próximos meses

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Por Redação

LONDRES - O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, sobreviveu nesta segunda-feira, 6, a um voto de desconfiança pelos membros de seu partido e seguirá no cargo, embora saia enfraquecido. Por 211 votos contra 148, Johnson conseguiu permanecer como líder do partido Conservador e premiê, mas pode enfrentar agora um governo impopular e com um gabinete rebelde, o que colocar em risco a sua manutenção no cargo.

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Johnson, que se tornou premiê justamente após se rebelar contra a então líder de seu partido Theresa May e recebeu uma votação histórica, tentou virar a página das revelações de que ele e sua equipe realizaram repetidas festas regadas à bebida alcóolica que desrespeitaram as restrições impostas pela covid-19 entre 2020 e 2021.

Johnson precisava de no mínimo 180 dos 359 parlamentares da sigla para manter seu cargo de primeiro-ministro. Apesar de ter recebido 30 votos a mais que o necessário, os números não mostram um futuro fácil, já que 40% dos parlamentares de seu partido disseram não confiar em seu líder. Uma proporção maior do do que Theresa May quando enfrentou um voto de desconfiança em 2018. Após seis meses desse resultado, May estava fora do cargo.

O primeiro-ministro Boris Johnson sobreviveu a um voto de desconfiança de seu Parlamento, mas futuro de seu governo é incerto no longo prazo Foto: OLI SCARFF / AFP

Para que a votação fosse aberta, ao menos 54 correligionários —15% da bancada conservadora— tinham de enviar cartas solicitando o processo. A última necessária para completar a lista chegou na noite de domingo, 5, quando Boris foi notificado, disse Graham Brady, que preside o chamado Comitê 1922, representação dos conservadores no Parlamento.

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Ao menos 40 parlamentares já haviam pedido publicamente a saída de Boris nas últimas semanas, mas os últimos solicitantes, explicou Brady, enviaram suas cartas apenas nos últimos dias, porque insistiam que a votação fosse realizada somente após as celebrações do Jubileu de Platina da rainha Elizabeth 2ª, organizadas de quinta, 2, a domingo.

O escritório de Johnson em Downing Street disse que o primeiro-ministro saudou a votação como “uma chance de encerrar meses de especulação e permitir que o governo estabeleça uma linha e siga em frente”. Johnson se dirigiu a dezenas de legisladores conservadores em uma sala da Câmara dos Comuns na segunda-feira, enquanto tentava angariar apoio, prometendo: “Eu os levarei à vitória novamente”.

Início do fim

Mas mesmo com a vitória desta segunda, Johnson pode estar com seus dias contados no cargo. Foi o que aconteceu com Margaret Thatcher e Theresa May que saíram meses depois de vencerem um voto de desconfiança. A votação de hoje é também um sinal de profundas divisões no partido Conservador, menos de três anos depois que Johnson levou o partido à sua maior vitória eleitoral em décadas.

O cenário mais provável daqui para frente é os ministros se rebelarem contra o líder, cada vez mais impopular entre os conservadores e entre o eleitorado. O catalisador da morte de Thatcher no cargo em 1990 foi a renúncia de Geoffrey Howe, um ex-aliado insatisfeito, e May perdeu vários ministros, incluindo Johnson, que deixou o cargo de secretário de Relações Exteriores em 2018.

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Graham Brady (centro), que preside o chamado Comitê 1922, anuncia o resultado da votação de desconfiança Foto: Stefan Rousseau/PA via AP

Como primeiro-ministro, Johnson tem conseguido manter a disciplina do gabinete, embora em fevereiro ele tenha reajustado ligeiramente sua equipe principal.

May renunciou em 2019, depois de sobreviver a um voto de desconfiança, quando ficou claro que sua posição havia se tornado insustentável. Pressão semelhante, acompanhada de renúncias ministeriais, foi usada para expulsar Tony Blair, o primeiro-ministro do Partido Trabalhista, de Downing Street em 2007.

Uma pesquisa entre os membros do partido conservador reforçou que o racha interno. Segundo o site ConservativeHome, uma estreita maioria dos parlamentares (55%) disseram que o partido deveria se livrar de Johnson. Outros 41% dizem que os deputados deveriam apoiá-lo.

Para escapar, Johnson precisa evitar renúncias do gabinete e reconstruir sua reputação de vencedor para as próximas eleições nacionais que devem ocorrer até 2024. Nesse sentido, ele aposta que seu apoio ao envio de armas para a Ucrânia - o que lhe permitiu estabelecer um relacionamento com o presidente Volodmir Zelenski - e novas medidas para ajudar os eleitores com o custo de vida possam ajudá-lo a recuperar sua popularidade.

“A história nos diz que este é o início do fim”, afirmou o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, à rádio LBC. “Se observarmos os exemplos anteriores de votos de desconfiança, mesmo quando os primeiros-ministros conservadores sobreviveram, o dano já estava feito e normalmente caem de maneira razoavelmente rápida”, ressaltou, ao recordar os casos de Thatcher e May.

O parlamentar conservador David Davis, pontuou mais cedo que Johnson teria uma vitória técnica, mas não real. O problema, segundo ele, é o momento da votação, que poderia ter um resultado muito diferente se ocorresse mais para frente. “O verdadeiro problema em chamar a votação tão cedo é que podemos acabar com uma espécie de governo paralisado ou um governo populista, onde tudo o que eles fazem é apenas projetado para agradar um ou outro setor da população, e isso é muito perigoso. É aí que os governos erram”, disse em entrevista à LBC.

“O fato de estarmos tendo um voto de confiança é um péssimo sinal para a longevidade política do primeiro-ministro”, afirmou o conservador e ex-chefe do gabinete de Theresa May, Gavin Barwell. Segundo ele, seria um bom sinal para o premiê se ele tivesse recebido menos de 100 votos de desconfiança, mais do que 133 seria “o início do fim”.

“E o último limite é 144″, escreveu no Twitter. “Se mais do que isso votar contra o premiê, é mais de 40% do partido. Nessas circunstâncias, ele fica sob enorme pressão para aceitar que seu tempo acabou - embora Boris Johnson seja Boris Johnson, ele ainda pode tentar se agarrar”.

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Sem sucessor claro

A questão com uma queda futura de Johnson é que o partido ainda não possui um nome em destaque para sucedê-lo. Entre os nomes apontados estão os de Liz Truss, a secretária de Relações Exteriores, que é uma das principais candidatas. E Jeremy Hunt, o ex-secretário de saúde que perdeu para Johnson na última disputa de liderança conservadora.

Mas vários nomes ainda podem entrar em consideração e todos precisam ter cuidado. No passado, rivais ambiciosos sofreram por serem vistos como desleais - embora não Johnson, que se opôs à May e depois a sucedeu.

Para a maioria dos legisladores conservadores, a questão é se uma mudança os ajudaria. Nenhum dos potenciais sucessores de Johnson mostrou que pode igualar o apelo que ele demonstrou ao levar o partido a uma vitória esmagadora em 2019.

Seja qual for o futuro do partido Conservador, as coisas parecem complicadas para o governo. As contas de energia estão subindo, a inflação está em alta, as taxas de juros subiram e o governo está aumentando os impostos.

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A secretária de Relações Exteriores do Reino Unido, Liz Truss, ao lado do premiê Boris Johnson na Câmara dos Comuns  Foto: Jessica Taylor/UK Parliamet/EPA/EFE

Pesquisas de opinião mostram um colapso do apoio a Johnson pessoalmente e sugerem que ele está levando seu partido junto, que perdeu centenas de cargos no governo local nas eleições de maio.

O próximo grande teste eleitoral ocorre em 23 de junho, com eleições parlamentares secundárias desencadeadas por escândalos em dois distritos conservadores. Uma será no norte do país, que já apoiou o Partido Trabalhista, mas deu suporte a Johnson em 2019. A outra será no sul, onde os conservadores temem que Johnson esteja contribuindo para a corrosão dos apoios.

‘Partygate’

Conhecido como Partygate - em referência ao caso Watergate que derrubou o presidente americano Richard Nixon em 1974 -, o escândalo enfurece os britânicos a tal ponto que apenas 27% defendem a permanência premiê no cargo, de acordo com uma pesquisa feita pela YouGov para a Sky News.

Principal assessor de Johnson, Martin Reynolds mandou em maio de 2020 um e-mail para 100 funcionários de Downing Street, convidando-os a aproveitar o clima bom em uma reunião no jardim da residência oficial do governo.

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“Por favor, junte-se a nós a partir das 18h e traga sua própria bebida”, dizia Reynolds em sua mensagem, divulgada pela ITV News. Na época, as visitas eram proibidas e a maior aglomeração limitava-se a duas pessoas ao ar livre, ainda que a uma distância de dois metros.

Imagem divulgada pela ITV News mostra Boris Johnson levantando uma taça com bebida durante uma festa em Downing Street, em meio às restrições contra a covid-19 Foto: ITV News/Handout via Reuters

Cinco dias antes, o casal participou de outra reunião, com queijos e vinhos, no jardim da residência e na companhia de outros funcionários, conforme mostrou uma foto publicada recentemente pelo jornal “The Guardian”.

Diante do Parlamento, Boris Johnson lamentou o ocorrido: “Quero pedir desculpas. Sei da raiva do povo britânico quando pensam que as regras não são seguidas por aqueles que as estabelecem”.

De acordo com sua versão, ele planejava participar de uma reunião de trabalho no final do dia 20 de maio de 2020, mas descobriu que havia uma centena de funcionários convidados para o evento no jardim de Downing Street, em que cada pessoa podia levar sua própria bebida alcoólica.

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O discurso de Johnson não foi convincente o suficiente, ainda mais por este ter sido apenas mais um entre os eventos que ele é suspeito de ter organizado em momentos de proibição. No total, há a suspeita de que 12 festas tenham sido organizadas em Downing Street burlando as regras de restrição sanitária por conta da Covid-19, de acordo com o jornal conservador Evening Standard./AFP, AP e NYT

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